Um grande homem
maria da graça almeida
Aquela tosse, ai, aquela tosse...
Eu já andava preocupada com sua magreza excessiva, que inda era mais perceptível,
quando, carinhoso, abraçava-me ao despedir-se.
Os ombros ossudos, também as mãos, e vinha-me aquela sensação de uma dureza frágil. Dureza frágil...esquisito. Mas era isso.
Cautelosa , perguntava-lhe:
- Está sem febre?
Ele remexia a cabeça, comprimia os lábios. Eu subentendia um mais ou menos.
Fingindo tranquilidade, continuava, ansiosa:
- Já foi ao médico?
- Não, mas eu vou logo depois da Bienal- repetia uma promessa que, sabíamos, não cumpriria.
A Bienal chegava e, a cada dia, sentia-o mais debilitado.
Meu editor. Muito mais que um empresário, um idealista. Alguns diriam...um sonhador. Talvez, mas no bom sentido.
Seus sonhos ele tenta concretizar com trabalho, tem bem os pés no chão e sempre soube como caminhar.
Na verdade, hoje, já nem mais sei se os conquistará, pois suas forças minadas retêm-no na cama da Unidade de Terapia Intensiva.
Pressenti que não procurou um tratamento há mais tempo, porque já sabia o que lhe ia pelo corpo.
Cheio de entusiasmo, muitos projetos direcionados à educação, tantos objetivos para a vida e o trabalho...e agora lá preso num leito de hospital. E sei que, temeroso.
Aguentou firme até a Feira. Não se negaria aos compromissos. Passado o evento, sucumbiu.
Ele precisa sair dessa; há de colocar em prática tudo o que planejou; concluir o que já começou. Eu sei que é o seu desejo. O nosso também.
Firme seu pensamento, ó bom homem, para que o Dono do nosso destino conceda-lhe um tempo a mais.
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Segunda-feira. Tentei uma, duas, três vezes, sou insistente, teimosa.
O telefone cansava de tocar e ninguém o atendia. Achei estranho...
Hoje, terça-feira, logo pela manhã, liguei, novamente.
Ao primeiro toque:
- Editora, bom dia!
- Michele?
- Sim. Quem fala?
- Maria da Graça
- Oi, Maria da Graça , tudo bem?
- Eu, bem, obrigada...O Seu Hélio?
- Tenho más notícias...
- Ai...-disparou-me o coração-.
- É...- a moça engoliu o restante.
- ...mas ele não podia. Ainda não. Tinha tantos sonhos...Que pena!
Ouvi um soluço do outro lado da linha. Despedi-me, com outro.
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Jamais esquecerei seus olhos doces, a ansiedade escancarada, a vibração incontida.
Boa viagem, Seu Hélio, leve minha gratidão e meu grande pesar.
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E, sobre a terra, menos um admirável ser humano.
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