Diante do portão eu paro e olho. Encanta-me uma frase numa placa na varandinha.
"Aqui mora o casal João e Maria".
Olho os vasos de plantas sobre as muretinhas e fico ali parada um tempo. O tempo de meu pensamento alcançar uma estória.
Entro na sala e vejo que é minúscula. Um sofá de três lugares, um de dois. Uma estantezinha a um canto, uma tv bem antiga sobre ela e os bibelós!
Há também alguns porta-retratos.
Um casal de noivos. Tão sérios posando para a fotografia.
O mesmo casal rodeado de uma penca de crianças.
Num porta-retrato bem vistoso um menino no dia da sua primeira comunhão.
Em outro uma moça parecida com o pai. Ah! Esta é do dia da formatura! Veste uma beca a bela jovem e sorri timidamente.
Vejo mais crianças bonitas e sorridentes em outras fotografias. Um bebê chupando o dedo...
Entro pelo corredor e encontro um quarto com móveis tão antigos. Uma cama de casal e cobrindo-a, uma colcha desbotada. Um guarda-roupa de três corpos com um espelho oval.
Na penteadeira uma porção de frascos.
As cortinas balançando estão bem rotas.
E há um crucifixo dependurado na cabeceira da cama.
Volto ao corredor e entro noutro quarto. Duas camas de solteiro. Um guarda-roupa pequeno. Parece-me que ali há muito tempo não dorme ninguém.
Nem examino a toalete.
Entro na cozinha que fica no fim do corredor. Ela é toda branca. Imaculadamente branca e eu gosto.
Sobre o fogão umas panelas de ferro. Posso sentir um cheiro de ensopado de carne.
A mesa está posta para duas pessoas. Os pratos são velhos, como são velhos os talheres e os copos.
A geladeira num canto é daquelas bem antigas e sobre ela um pinguim parece me olhar.
A porta dá para uma lavanderia onde muitas gaiolas estão dependuradas. Ouço o canto de canários.
Ao lado da lavanderia um pequeno quintal e uma jabuticabeira.
Olho e vejo um casal sentado num banco tosco sob a velha árvore.
Os dois estão conversando. Estão sentados bem próximos e tão entretidos neles mesmos que nem me notam.
Os olhinhos de Maria são azuis como duas contas. Os cabelos bem branquinhos. Ela descansa as mãos magras sobre o avental bordado.
João tem os olhos pretos, um grande bigode grisalho. Noto que ele é calvo e tem um sorriso doce.
Deixo-os conversando e saio de fininho. Do mesmo modo que entrei.
Eu os vi, posso jurar que sim...
E senti o cheiro do ensopado e ouvi os canários a cantar...