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Erotico-->25. SUSPEITAS -- 04/03/2004 - 07:28 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Teo considerou a providência da iluminação sumamente agradável, tanto que se dispôs, desde logo, a desenhar modelos de vestidos, buscando caracterizá-los de forma a precisar certos recursos de constrangimento da liberdade. Fazia-o com desenvoltura, dando à silhueta feminina traços muito acentuados de sensualidade, para prender-lhe os movimentos com tiras imitando correntes e com algemas na forma de presilhas, nos tornozelos, nos pulsos e no pescoço. Fazia outros riscos bastante decotados, com aberturas laterais extensas, desnudando mais que cobrindo, para favorecer o pensamento de que existe sempre o desejo de se livrar da coerção social. Chegou a retrogradar o figurino, instando em que tudo se resumisse nos adereços, sem panos e sem peles, como nas fantasias dos diversos blocos carnavalescos a que se dedicara ultimamente.

— Ao encontrarem estes esboços, vão verificar que minhas preocupações se desenvolveram no sentido mais profissional de meus compromissos, apesar de forçado a me manietar aos ínfimos desejos dos infelizes criminosos.

Não considerou o vocabulário nem o teor da frase compatível com a arte que dominava com apuro. Sentiu orgulho em ter a faculdade de representar plasticamente os pensamentos, que se aclaravam com a desenvoltura dos firmes traços.

— Ainda bem que tenho algo de meu, dom de maravilhosa contextura, no qual não hei de encontrar êmulo algum nas figuras do tráfico de pessoas.

Sabia que as frases deveriam estar sendo ouvidas. Tinha a certeza de que os estímulos adversos provindos do guarda serviriam para torná-lo mais ferreamente desejoso de sobreviver. Não podia deixar-se abater, como o fizera diversas vezes.

— E se me “despacharem” à Leonel? Como é que devo encarar essa perspectiva trágica? Não mais filosoficamente mas na contingência de me vir agredido pelos balázios ou sufocado por alguns centímetros de arame ou de corda.

Recordou-se de ter visto execuções sumárias nos telejornais, onde os carrascos tão-só disparavam um tiro na nuca e outro, de misericórdia, na cabeça. Misericórdia nada! Era para a certeza de que o condenado não escaparia.

— Se me ofertarem a possibilidade, devo até agradecer. Se me largarem preso para perecer de inanição, haverá de ser muito maior o sofrimento. Pelo menos a rapidez...

Não pôde continuar na linha de reflexões, tantas eram as visões de gente se comburindo em fogo ateado sobre si mesma, de pessoas despencando de prédios em chamas, de indivíduos acidentando-se nos bólides das pistas ou dos ares. O menos de que se lembrava era de ter presenciado o passamento de pessoas em leitos hospitalares ou na casa de amigos. Um dia, testemunhou o atropelamento de duas pessoas, uma das quais se feriu de leve, enquanto uma criança de uns cinco ou seis anos se esvaiu imediatamente em sangue. Leonel freou o carro e correu para acudir, mas não chegou a tempo de oferecer nenhum tipo de ajuda. Involuntariamente, Teotônio ouviu-se repetindo a frase que gritara para o motorista:

— Se nada houver para ser feito, vamos embora, que estou atrasado. A polícia costuma buscar quem tenha assistido ao espetáculo dramático, para a descrição dos eventos...

Viu que misturava a frase da ocasião aos penosos raciocínios da hora.

— Só me faltava examinar-me o procedimento em momentos que tais, quando me preocupava apenas comigo mesmo. Será que Severino estava fazendo referência a esse tipo de atitude, quando me acusou de insensível? A palavra mais correta seria egoísmo ou egocentrismo.

Não atinou de onde lhe viera o último termo. Pareceu ditado pelos protetores espirituais, a quem admitia francamente, por estar lúcido, apesar da terrível opressão física.

Olhou para a folha de papel onde ia escrevendo os pensamentos. Havia pelo menos dois parágrafos escritos, reproduzindo as idéias mais próximas das acusações íntimas. Mas podia jurar que não elaborara conscientemente os tópicos.

— Estarei escrevendo sob influência mediúnica?

Suspendeu a escrita, depositando a caneta sobre a mesa. Meditava a respeito do que ouvira falar sobre as pessoas que tinham esse dom. Lídia, certa vez, conversando com os pais, tentara induzi-los a acreditar que havia gente capaz de se deixar guiar pelas forças espirituais, sem domínio da vontade sobre o braço.

— E, no caso dos que pintam quadros nos quais apõem nomes famosos, haverá quem, no plano etéreo, esteja interessado em comprovar a persistência de uma vida incorpórea, como se isso pudesse ser importante? Pelo menos, a sugestão que fazem é de que existem sob condições diferenciadas das humanas.

Percebeu que jamais dera crédito às assertivas da irmã. Naquele dia, almoço comemorativo da abertura da filial de São Paulo, reservara-se às congratulações íntimas dos pais e da família da irmã. Aproveitara-se ela para a doutrinação precária dos velhos, imaginando, talvez, que o irmão pudesse assimilar os ensinamentos espíritas.

— Por que é que estou falando de mim mesmo na terceira pessoa?

O fato o intrigou deveras. De raciocínio em raciocínio, chegou à conclusão de que bem poderia estabelecer a modalidade para os escritos que prometera. Seria a fórmula para evitar o profundo egoísmo (ou egocentrismo?) que se justificava pela análise da personalidade. À frente de seu intelecto corria plácido rio, por campinas verdejantes. No fundo do cérebro, a consciência revoluteava em catadupas, ameaçando transbordar e alagar o procedimento físico.

Pensou em chamar Severino, para desviar a atenção para temas conflituosos, polêmicos, o que lhe daria ensejo de desafogar-se do desabamento dos entulhos morais minados pela comoção íntima da descoberta da falta das virtudes. Recordou-se dos tempos do catecismo.

— Quais eram mesmo os sete pecados capitais?

— Eu começo e você termina: a gula, a ira, a preguiça...

— Outra vez, Severino? Será que terei de morrer do coração?

— Continue! Vamos!

— Perdi a vontade.

— Será que não quer mencionar a luxúria, por exemplo? Então, vou deixá-lo sozinho. Antes, devo dizer que estou vivamente impressionado com os seus delineamentos da moda. Para quem mesmo hão de servir esses vestidos?

Teo não respondeu. Notou a provocação mas estava sem ânimo para o enfrentamento discordante.

— Não estará na hora de comer?

— Penso que não, em todo caso, vou verificar se posso providenciar um lanche.

— Eu agradeceria muitíssimo.

— Não esqueça que estão faltando três pecados.

Sozinho, Teo esforçou-se por recordar-se mas o pecado da luxúria tomou-lhe vulto na mente, absorvendo a atenção. Viu desfilarem todos os amantes, em ordem cronológica, sem nenhum titubeio da memória.

— Como é que estou tão desperto para esse tipo de recordação e não me vem simples relação que tantas vezes repeti quando criança?

Enquanto não terminou a longa lista dos relacionamentos sensuais e sexuais, não lhe vieram as palavras “avareza”, “inveja” e “orgulho”.

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