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Erotico-->24. LEONEL -- 03/03/2004 - 06:46 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

De repente, veio ao pensamento de Teotônio a figura do motorista Leonel, que insistira em desviar-se do caminho e que fora, por recomendação do patrão, cair na armadilha dos bandidos.

— Se escrever sobre essa humilde figura, sobre esse serviçal prestimoso, de quem cheguei a desconfiar tolamente, talvez possa pedir-lhe desculpas pelo tratamento desrespeitoso, ordenando-lhe que ficasse à minha disposição, impositivo pela quantia que lhe pagava para mantê-lo fiel. Nunca lhe permiti falar a respeito de nada que lhe fosse particular, a não ser naquele dia em que, tão alegremente, me contou a respeito de ter levado o filho de oito anos ao estádio de futebol. Pelo que soube naquele dia, preso no trânsito, Leonel levava a camisa do Flamengo debaixo da impecável “beca” que lhe desenhei, como regra fundamental de todos os auxiliares diretos.

À medida que ia desenvolvendo as idéias em voz alta, instintivamente ia escrevendo, tornando a reflexão mais detida, mais pausada e, portanto, mais consistente com a finalidade que pretendia atingir.

— No dia do seqüestro, vi quando o pobre foi arremessado ao solo. Terá sido ferido pelos criminosos? Se tratei dele com desprezo e desconsideração pela figura humana que representava, irmão que deveria considerar no plano divino, o que pensar dos que o agrediram com tanta violência, como se fosse revidar, desarmado, ao ataque em que se ouviu o pipocar quente da metralha?!

Analisou Teo o último parágrafo.

— Penso estar ficando louco. Pedem-me para escrever retratando-me do modo pelo qual destratava as pessoas de outro nível social e ofereço, em troca, tremendo libelo contra as atitudes dos bandidos.

Admirou-se de estar falando em voz alta. Voltou a cabeça para a porta, mas não divisou ninguém na janelinha.

— Se estiverem ouvindo, vão saber que sou absolutamente sincero na qualificação dos indivíduos que perpetraram o rapto. Quero ver se são capazes de discordar quanto a quem deu melhor atendimento a Leonel. Se fosse possível, sugeriria que trouxessem aqui o homem, para perguntar diretamente a ele quem preferiria para conviver, mesmo que em relacionamento puramente profissional. De qualquer modo, fui eu quem lhe dei atenção, naquela manifestação de agradável lembrança familiar.

— Nem as pessoas mais miseráveis conseguem entender, na maioria das vezes, que estão sendo selecionadas por padrões estranhos ao seu poder de decisão.

Severino falara ali, ao lado do novel escritor. Teo levou tremendo susto.

— Pelo amor de Deus, homem! Você não me trouxe o abajur para que eu o visse entrando?!

— Você estava tão entretido com ajustar os raciocínios a favor das suas próprias atividades sociais e humanas, falava tão alto e punha tanta ênfase no espúrio procedimento dos seqüestradores, que não ouviu o trinco deslizar nem a porta se abrir.

— Não vai me dizer que não tenho razão quanto a considerar os marginais desprezíveis como inferiores em função do meu relacionamento com o motorista.

— E se lhe disser que, depois de avaliados os resultados de melhor distribuição de rendas, o seu “serviçal”, como você diz, iria concluir que, se prestasse serviço igualitário, usufruindo dos mesmos bens, embora lhe destinando as oito horas diárias de seu tempo de vida, preferiria estar no mundo, sob diretrizes mais amigáveis, mais amorosas, mais profundas, filosoficamente falando.

— Eu não entendo muito da organização comunista, mas estou percebendo que seu ideário abençoa as mesmas condições de vida para todos os seres. É como se Jesus Cristo voltasse a pregar o evangelho.

— Perfeitamente. Você entendeu tudo, só não está aceitando que pudesse ser assim em todas as civilizações, até naquela que se diz cristã e democrática. O comunismo não lhe parece o melhor regime político, no qual o sistema de vida dá prioridade a quem trabalha e pune os que se aproveitam dos demais?

— Se puder fazer referências históricas bem delimitadas geograficamente, vou ter de discordar, porque a descrição teórica pode ser a mais condizente com o roteiro do Salvador, mas a prática revelou que não dá certo pretender-se que todos se tornem escravos do Estado.

— Historicamente falando, reconheceu-se o fracasso das organizações socialistas, mas não por causas intrínsecas ao regime, senão por deficiências humanas, porque as pessoas mantiveram, por diversas razões, inclusive pela influência perniciosa dos países ocidentais, a cobiça como sentimento prioritário. É sabido que os povos desenvolvem o orgulho pátrio e aquelas nações a que você está se referindo estavam se vendo absolutamente inferiores, por causa da impossibilidade de se manterem os programas espaciais. Havemos de entender que as potências chamadas democráticas, por mim imperialistas, secularmente, vêm explorando as nações satélites, submetendo-as a vergonhoso e insolvável endividamento econômico-financeiro.

Teotônio, a cada palavra de Severino, ia confirmando a conjectura do seqüestro ideologicamente comprometido com as esquerdas. Considerou a inutilidade da discussão, tendo em vista que o outro não lhe dava oportunidade para redargüir cientificamente, impedido de efetuar levantamentos estatísticos ou de buscar teses mais condizentes com o norteamento político dos segmentos nacionais que lhe davam amparo ao crescimento na área da moda.

— De qualquer modo, interveio tímido, Leonel foi brutalmente retirado do carro, sob a ameaça dos disparos.

— O infeliz foi alvejado duas vezes e morreu ali mesmo, estrebuchando agoniado por ver o patrão ser levado pelos homens de máscara.

— Santo Deus! Que vai ser da família do coitado?

— Sua irmã deverá providenciar a documentação necessária para que a viúva receba a competente pensão que o “seu” Estado vai depositar mensalmente em sua conta corrente. Quanto a nós, iremos ver o que nos vai ser possível fazer, assim que obtivermos os recursos almejados.

— Você está contradizendo-se. Dizem-se visionários evangélicos e provocam tais distúrbios sociais irreversíveis.

— Acidentes acontecem. O que não deveria acontecer era o seqüestro, se o governo que você tanto defende estabelecesse mais justiça entre os homens. Só falta você tentar me convencer de que a viúva vai ser bem tratada pelo Estado. O que poderá fazer com a pensão de um salário mínimo, se alcançar conseguir tanto? Você, assim que se vir em condições, é que deverá procurar a infeliz família, dando-lhe o conforto de seu ombro amigo. Mas, se eu tivesse uma bola de cristal, iria mostrar você, no futuro, passando ao largo (como disse que passaria por mim).

Teotônio se sentiu ainda mais fortemente abatido. “Quanto não daria para enfrentar o patife em campo neutro!” — pensava com seus botões. Entretanto, insidiosa idéia de que fariam com ele o mesmo que com Leonel instalava-se-lhe no “desconfiômetro psíquico”. Gostou da terminologia desusada, criada ali mesmo sob pressão, e desviou a atenção do tema da conversa para a triste condição de prisioneiro. No íntimo, desejou opor-se à previsão de Severino, firmando a opinião de que o outro estava errado e de que iria dar vida condigna à mulher e aos filhos menores do bom motorista.

Naquela circunstância, lembrou-se de que o único recurso que possuía era o da prece em favor do morto e dos vivos:

— Senhor, dai conforto e ânimo aos seres que lastimam a perda do companheiro, do pai e do amigo. Fazei com que compreendam as vicissitudes da vida, porque, em vosso reino de amor, encontrarão o regozijo da união eterna. Proporcionai ao pobre assassinado as condições ideais do perdão, para que possa ter paz de espírito. Inspirai-me, Pai dulcíssimo, para que elabore minha primeira página de amor à humanidade e para que não perca o juízo nesta espelunca mal-assombrada. E iluminai a mente deste companheiro que vela por mim, apesar de tudo. Assim seja!

— Assim seja! — repetiu Severino ao seu lado.

Ato contínuo, subiu na mesinha e colocou uma lâmpada no “plafond”, a qual deixou o ambiente um pouco mais claro. Desacostumado com a luz, Teotônio cobriu os olhos, esperando que se acomodassem pouco a pouco. Quando pôde olhar em redor, Severino já não estava.

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