- Pai?
- Oi filho. O que está olhando aí no jornal?
- Eu não sei. Olha que absurdo. Meu nome saiu na seção de falecimentos.
- Deixa eu ver.
- Bem aqui. Entre esse japonês e esse judeu.
- E como você está se sentindo?
- É piada é? Eu tô ótimo. Há anos não me sentia tão bem.
- Muito bom.
- Daqui a pouco meus amigos verão essa nota e irão ficar desesperados. Meu Deus, preciso avisar a mamãe. Se ela abre o jornal é capaz de morrer de susto pensando que eu morri.
- Ahahaha. Não se preocupe.
- E vou telefonar para o jornal. Meus amigos, meus clientes... É capaz de perder clientes por causa desses irresponsáveis.
- Encontrar no anúncio a sua própria nota de falecimento é uma situação bem curiosa não?
- Muito. Dá uma sensação esquisita. Faz lembrar que a morte é realmente possível.
- E COMO é possível.
- É verdade. A gente pensa que morrer é coisa de velho, e parece que a gente nunca está velho demais. Morrer é coisa de quem é mais velho do que a gente.
- Morrer é coisa da vida.
- E eu não sou mais nenhuma criança...
- Com quantos anos você está?
- Vinte. Ou trinta. Não, acho que são oitenta. Ou sessenta...!?
- Bom. Já não é mais um menino...
- Não. Não sou. Que situação mais esquisita...
- Pois é.
- Justo no dia em que o senhor apareceu. A quanto tempo não nos víamos...
- Dês de que eu fui para a guerra.
- É verdade. Dês de a guerra. Ninguém viu o senhor entrar? Cadê mamãe? Cadê Luiza? Não tem mais ninguém nessa casa não?
- Elas saíram ontem a noite. Tinham um compromisso. Iam dormir fora.
- Muito saidinhas elas.
- Ahahaha. Também acho.
- Dês de a guerra.
- Dês de a guerra.
- Nossa, muito tempo.
- Muito.
- Não esperava que o senhor aparecesse. Mas afinal, o que é que tem feito em todos esses anos?
- Filho. Preciso te contar uma coisa.