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Erotico-->20. PEQUENAS TORMENTAS -- 28/02/2004 - 06:34 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O nosso Teo admirou-se por ter estado tão sereno durante as mais de dez horas que dormiu. Servia-lhe o relógio para controle do tempo, embora somente marcasse as horas. Se lhe tivessem deixado o seu, seria capaz de visualizar o mostrador na escuridão e teria o controle do dia e do mês em curso. O que tinha em mãos era antigo patacão, próprio apenas para saber quanto tempo transcorria entre os momentos em que buscava controlar a passagem das horas.

— Evidentemente, quando me forneceram o relógio, alteraram a hora, de sorte que não devem ser exatamente as seis horas da manhã ou da tarde assinaladas. Mas que importância haverá de ter isso? Por certo, muito me admirarei quando, solto, vier a saber em que dia do mês estaremos. Não vou me afligir por tão pouco. Vou fazer de conta que o tempo parou, mesmo porque estou sempre igual a mim mesmo...

A idéia do transcurso natural da vida, entretanto, foi mais poderosa e despertou o seqüestrado para a fatalidade do envelhecimento.

— Se ficar aqui por vários anos, se agüentar os embates das doenças que me assaltarão, provavelmente verei a luz do dia de maneira muito diferente. Até quanto ao corpo deverei estar mudado, com a barba e os cabelos brancos, a pele enrugada, os músculos flácidos e o pensamento excessivamente deteriorado pelo pessimismo e pelo sofrimento. Estou tendo a oportunidade de me manter lúcido, mas a falta de relacionamentos instigantes não me irá favorecer o desenvolvimento da imaginação e decairei no campo da inteligência, embora me mantenha adequadamente pronto para as reações sutis decorrentes da percepção das nuanças das atitudes do meu...

Não soube caracterizar com precisão a figura do guarda que o conservava sob o domínio da perversão moral dos marginais.

— Esse indivíduo me estimula para que não venha a cair exatamente nos pontos que aventei. Estranho que me utilizo de vocabulário esmerado, quando me detenho em pensamentos arcabouçados, estruturados, como se me preparasse para conferência a seleto público.

Girou a memória para as diversas palestras que proferiu na vida acadêmica, forçado pelos seminários de estudos, durante os quais testava a fluência e a lógica verbais, conforme os esquemas que aprendera nos estudos filosóficos e psicológicos.

— Como me arrependo por não ter-me dedicado com mais afinco, com mais amor, com empenho, aos tópicos dos diversos assuntos tratados nas aulas. Fazia o suficiente para me desvencilhar, com certa notoriedade, das provas, visando resultados expressivos para o conjunto das turmas, sem me fixar na matéria com o escopo definido de aprofundamento. Quantas oportunidades perdi de aperfeiçoamento, dado que os currículos me favoreciam a pesquisa, a aplicação no campo da realidade das teorias que ia assimilando mal e porcamente. Ainda bem que tive o discernimento para aprender diversos idiomas, desapertando-me no estrangeiro.

Tentou e conseguiu traduzir para o italiano, para o francês e para o inglês a última frase. Ficou contente.

— Vou ter do que me admirar mais tarde, porque me mantenho bem dotado no limiar da morte.

A lembrança da presença do flagelo definitivo pôs o coitado aflito.

— Por que é que sempre me volta à cabeça a situação extrema? Estarei, realmente, sendo ameaçado? Não me parece que o carcereiro seja implacável criminoso. Mas será que vai ser ele que me vai “despachar”, conforme me afirmou? Não hão de faltar bandidos carniceiros, ávidos para dar cabo da vida das pessoas melhor situadas na sociedade. Se soubessem o quanto trabalhei para conquistar a posição que ocupo.; o quanto de esforço me custou progredir devagar nos intricados meandros do mundo da moda e da alta costura, iriam respeitar-me a vida.

Parou para pensar nos trabalhadores que empregava, cujos salários sempre pagou em dia, preservando-lhes o poder de compra até quando as injunções político-econômicas o obrigavam a restringir a produção.

— Fiz o bem o quanto pude. Mas o que pude se refere somente à minha capacidade de compreensão do ser humano. Talvez, se considerasse todos os seres como meus irmãos em Deus, iria cumprir o mandamento do Cristo, que determinou aos ricos desejosos de o seguirem que vendessem as propriedades, distribuíssem aos pobres e voltassem preparados para os sacrifícios pessoais da humilhação, do rastejamento...

Pareceu-lhe evidente que misturava os temas.

— Jesus não deveria sentir-se tão pequeno perante os homens, porque tinha a certeza de sua grandeza como filho de Deus. Não foi com esse argumento que convenceu Pilatos a deixá-lo nas mãos dos que lhe desejavam a morte?

Neste ponto das reflexões, perdeu-se em conjeturas, sem se fixar em diretriz metodológica que lhe desse a definição exata da pregação cristã. Não atinou por que fora levado a considerar a atitude do Mestre como de autoflagelação, uma vez que não podia enganar-se quanto ao futuro sob o domínio dos algozes.

— Terá o Senhor tido a presciência de que sua morte iria redimir a humanidade, como pregam os religiosos? Não são poucos os que consideram Jesus como o ser mais consciente que já existiu. Não é à toa que dizem que era a segunda pessoa da Santíssima Trindade, Deus, portanto, ele mesmo e, como tal, absolutamente cônscio do passado, do presente e do futuro, senhor do tempo, capaz de se reerguer em pensamento pela eternidade, na compreensão de que estava dando a salvação aos homens.

Pensou e se arrependeu. Viu-se muito pouco provido de recursos concernentes aos silogismos religiosos.

— Também nestes aspectos estou em débito com minha própria formação. Se me tivesse dado aos estudos com mais vigor, a minha inteligência se abriria para as verdades morais. Se continuar, contudo, pensando nesses termos, vou, necessariamente, concluir que a vida profissional é o que tenho regado mais fartamente com os nutrientes da capacidade. Terei sido egoísta, a ponto de só pensar no dinheiro, na fama e no poder, desleixando a moralidade superior, para me acomodar em raciocínios evasivos quanto aos sofrimentos alheios?

Acendeu o pavio e se viu de frente com Severino.

— Você ouviu toda a arenga?

— Eu acho ótimo que você fique falando em voz alta. Estou aprendendo muitas coisas. Posso dizer que não esperava considerações tão profundas.

— Bobagem! Se eu soubesse que você estava aí, não teria dito nada. Aliás, quero perguntar a respeito de uma coisa que me está intrigando.

— Pergunte.

— Por que é que o meu resgate é tão mais alto que o do Doutor Jônatas?

— Se eu soubesse, eu não diria sem a permissão dos organizadores das ações da quadrilha. Mas eu não sei.

— Não seria melhor que você se anunciasse, para não me surpreender pensando coisas muito tolas? Se continuar me surpreendendo, vou ficar inibido e vou parar de conversar com o vazio, o que seria uma pena, porque é isso que está me mantendo o intelecto ativo. Aliás, estou até executando espécie de treinamento em campo inédito para mim, qual seja o de desenvolver idéias ao transcorrer do livre pensar. Admira-me muito o fato de não errar na construção das frases, o que evito falando bem pausadamente.

— Vou fazer uma coisa que vai deixar você alegre. Vou trazer um abajur com uma pequena lâmpada, que você vai poder deixar acesa. Assim, vai ficar sabendo quando estou aqui dentro. Está bem?

— Então, vou pedir-lhe que me dê papel e caneta para escrever os pensamentos. Talvez realize alguma coisa como uma biografia. Até pensei em escrever versos. Isso irá me deixar mais tranqüilo e você irá ficar despreocupado.

— Está certo. Mas existe uma condição: vou ter de ler tudo o que escrever, nas folhas que vou dar numeradas. Já houve um cara que tentou passar bilhetes no meio dos restos da comida.

— Não tinha pensado nessa possibilidade. Mas prometo que não pretendo fazer nada disso.

— Você vai ter de gravar outra mensagem. A sua irmã quer saber se está sendo bem tratado. Parece que estão com dificuldades em levantar os recursos. O tempo corre contra os que não dão notícias. Como é que as pessoas vão poder providenciar a ajuda necessária, sem a certeza de que você vive e se encontra pronto pra voltar a assumir as responsabilidades?!

— Da outra vez, vocês fizeram questão que dissesse que não estava sendo bem tratado.

— Era para o impacto do primeiro momento. Aí as pessoas correm. Quando as coisas ficam demoradas, é melhor tranqüilizar quem está aflito.

— Vocês têm tarimba. Até parece que estudaram a psicologia dos parentes dos seqüestrados.

— A gente aprende aos poucos.

— Uma coisa eu posso dizer: vocês são profissionais.

— Tem bastante gente que vive disto. Você deve ter ouvido falar dos que se deram mal. Mas nós não temos do que nos queixar.

— O aparato que montaram é impressionante.

— Se eu fosse você, não ficava “dando bandeira”. Se descobrirem que está tão interessado...

Teotônio compreendeu a alusão e calou-se. O outro saiu, deixando uma caçarola cheia de comida. Havia o luxo de um pãozinho fresco.

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