— Levanta, vamos! —, gritaram-lhe ao ouvido, com um pontapé nos costados.
Teotônio tinha passado um tempo perdido para a consciência do local e da situação. Acordou com tremenda dor de cabeça. Demorou para localizar-se, como se estivesse bêbado. Tentou levantar-se, apoiando-se na parede, mas caiu. Uma forte mão agarrou-o pelo pescoço e obrigou-o a erguer-se. As pernas tremiam. Não foi capaz. Outro pontapé fez com que gemesse de dor. Queria falar mas lhe faltava o ar. Começou a gesticular, imprimindo aos braços movimentos extensos, como se estivesse em pleno nado de costas.
— Está representando!
— Está é apavorado. Acho que nem consegue entender o que estamos dizendo. Deixe ele deitado mesmo.
Teotônio reconheceu que os meliantes se acalmavam, com a voz imperativa do manda-chuva.
— Você está me ouvindo?
O som parecia vir de muito longe.
— Estou, disse com voz quase inaudível.
— Você não está passando bem?
Juntou o que pôde de força e tartamudeou:
— Acho que estou passando por uma crise do coração.
— Só faltava essa, agora. E eu que não quis que comprassem os remédios.
O costureiro percebeu que falavam em voz baixa, mas não conseguiu decifrar palavra.
— Vamos tirar a sua máscara, mas você não vai poder se virar. Está claro?
Teotônio deu que sim com a cabeça. Sentiu que o viravam e que lhe tiravam o capacete de couro. Foi como se tivesse ressuscitado. Queria agradecer, mas a escuridão permanecia insondável.
— Nós vamos ter de gravar uma fita, pra mandar pros seus pais. Você vai dizer pra eles que devem pagar o quanto antes, porque está sofrendo muito.
Com a mão levantada, queria permissão pra falar. Nenhuma resposta. Passaram-se agoniados minutos. Parecia uma eternidade.
— Diga o que você tem pra dizer aos seus pais. Estamos gravando.
Com a voz sumida, Teotônio conseguiu umas frases:
— Pai, mãe, façam como estão pedindo, pelo amor de Deus! Estou passando muito mal, sem remédios e sem comida...
Foi interrompido:
— O começo está muito bom. Fale que você foi esmurrado e que está com a perna quebrada.
— Posso fazer uma pergunta?
— Que é que você quer?
— Por que é que vocês estão precisando desta fita? Eles disseram que não querem pagar?
— Mais ou menos isso. Eles pensam que você está morto. A fita vai fazer com que se lembrem de que, quanto mais demorarem, pior vai ficar. Mais alguma coisa?
— Vocês ainda estão querendo os três milhões?
— É isso aí.
— Então, vai ser muito difícil, porque os meus haveres estão aplicados.
— Deixa de ser tonto. Que aplicação que nada. Eles que emprestem do banco. Que deixem os teus bens penhorados. A tua fábrica e a tua loja valem mais que dois milhões, fora as casas, apartamentos, carros, jóias, terrenos, ações. O teu inventário chegou a dez milhões. Três é bem pouco.
— Se eu fosse levantar esse dinheiro, ia ser difícil. Imagine pros velhos ignorantes.
— Eles que se virem. Você já falou demais. Até parece que está fingindo esse chilique aí. Agora fala o que eu te mandei. O gravador está ligado.
— Eles me quebraram a perna e me disseram que vão me matar, se não pagarem direitinho o resgate. Pelo amor de Deus, façam o que estão pedindo! Depois a gente dá um jeito de recuperar o que perder.
— Está muito bom!
— Vocês podem me dizer quantos dias já estou aqui?
— Vai ficar sabendo quando sair.; se sair...
— Será que eu podia ficar sem a máscara?
— Por enquanto não. Quando for a hora, a gente tira.
— E os meus remédios?
— Nós vamos te dar, porque quem sabe a gente vai precisar gravar a tua voz de novo. Quais são?
— Meus pais não disseram?
— Nem quiseram saber.
Teotônio recitou maquinalmente os nomes dos dois remédios e pediu comprimidos para dor de cabeça. Assim que terminou, a máscara foi recolocada e a porta teve o ferrolho passado.
— Por que foi que me tiraram a máscara, se não me deixaram ver nada? Por que é que meus pais não pagaram ainda? Será que vão precisar de mais tempo para arrumarem a quantia?
Lembrou-se de que muitos bandidos se contentaram com seiscentos mil ou um milhão. A maioria das vítimas não revelava de quanto foi o pagamento.
— Será que a polícia está a par de tudo?
Desconfiou de que tivessem matado o motorista. Aí o seqüestro ia ser acrescido de homicídio.
— Será que Leonel está metido nisso? Não deve estar: fui eu que não quis que se desviasse do caminho. Se tivesse desviado, agora eu ia desconfiar dele.
E perdeu-se imaginando como é que vivia Leonel com o salário de oitocentos reais. Viu o coitado com os filhos no Maracanã, suando as penas com a infelicidade do Mengo.
— Por que será que só idéias tristes me vêm à cabeça? Será que a mãe vai acreditar que me quebraram a perna? Será que os miseráveis vão mesmo me matar? Será que a polícia?...
Sentiu que os pensamentos se desarvoravam. Começou a delirar. Estava febril e não tinha nem o conforto de uma água limpa para molhar a língua.