Imerso na escuridão, Teotônio extasiava-se com a possibilidade de vencer as horas de angústia. Queria tornar o cativeiro proveitoso, porque seria como vencer a si mesmo. Jamais pensara em nada parecido, avesso que era aos dramas e tragédias. No entanto, afigurava-se-lhe que era mais fácil de ultrapassar os limites da dor, quando se é forçado pelas circunstâncias.
— Se me pedissem sacrifícios voluntários, eu não daria nada de mim, porque não vejo utilidade alguma em torturar-se a criatura.
Admirava-se com a desenvoltura da linguagem, ao contrário do cruzar dos pensamentos de há bem pouco tempo atrás. A solidão parecia tornar-lhe a mente bem clara, como nos momentos mais lúcidos das composições das bem sucedidas confecções.
— Se tiver de ficar preso por mais de vinte dias, terei ensejo de imaginar um livro em que contarei todas as nuanças emocionais por que deverei passar. Se me mantiverem alimentado e se me trouxerem os remédios, ainda espantarei todo o mundo com minha capacidade de reflexão e de superação das dificuldades.
Mas as sombras da situação perpassaram pelo horizonte dos pensamentos, quando se lembrou de que poderiam arrancar-lhe uma orelha, para enviar aos pais.
— Não vão encontrar problema nenhum na identificação, se deixarem os brincos.
Certo arrepio perpassou-lhe pela medula da espinha e ele se encolheu de encontro à parede, que pareceu fria e úmida. As calças estavam encharcadas.
— Que grande coragem vou demonstrar, se, no primeiro embate, mijei-me todo?!...
Sentiu nitidamente que a palavra “embate” lhe surgira do nada no intelecto.
— Devo prestar atenção a esses lances inusitados. Parece que as idéias explodem em minha cabeça, independentes da vontade e da escolha da terminologia... Terminologia?!... Estarei sendo conduzido pela vontade imperiosa dos sentimentos sobre os quais não tenho domínio? Estarei tão apavorado que se despertaram em mim as reações de todas as defesas embutidas no inconsciente?
Nesse ponto, embaralharam-se as imagens. Via-se em meio a revolução, cantando hino de fundo nacionalista. A fuzilaria estrondava. Gritos de dor e de angústia feriam o espaço. Por todo lado, clarões seguidos do ribombar dos trovões, espargiam o cheiro da pólvora. O céu, enegrecido pela fumaça dos canhões e dos incêndios, rajava-se dos coriscos da metralha. Sentiu-se ferido no peito. A quentura do sangue se esparramava e escorria pelo ventre. Parecia estrebuchar. Fez um esforço para acordar e sair da aflitiva posição.
Despertou inundado de suor, que escorria por sob a máscara e se acumulava no pescoço. Passou a mão por sobre os olhos tapados e a aspereza do couro magoou-lhe as pálpebras, deixando forte ardência dentro dos olhos. Pela primeira vez, chorou, vendo-se joguete nas mãos de feroz destino.