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Humor-->TESE - TESINHA - TESÃO (um quase-ensaio) -- 08/03/2001 - 21:11 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Defesa de tese. Dureza. Os senhores da banca e suas argüições. O orientador, cuidando para que o ritual não descambasse para o indesejado.
Uma defesa de tese é um encontro de intelectuais, nada mais do que isso, uma conferência de trabalho. Nem todos pensam assim, mas não passa disso mesmo.
Sobre a mesa as cópias encadernadas da tese. Os dizeres em letras douradas. Grossos volumes.
Depois das respectivas defesas, muito pouco provável que alguém mais viesse a se debruçar sobre elas. Daí, a importância, a unicidade, a sacralidade de uma defesa. Daí, o terror que ele inspira em espíritos menos afeitos à exposição pública, ou seja, a maior parte dos professores universitários, forçados a demonstração esporádicas de que também são capazes, de que continuam a merecer o contrato de trabalho em tempo integral uma vez assumido - com o holerite pingando, pontualmente, no escaninho do departamento (se os escaninhos falassem!), ali pelo quinto ou sexto dia (in)útil de cada mês -, apesar de todo o enrustimento.
É por isso, talvez, que os professores das universidades apresentam essa quase indefinição em termos de faixa etária, parecem atemporais, com seus hábitos dos tempos de colégio acintosamente intactos. Cada qual trazendo consigo, quase com fervor, alguns adereços, visíveis ou presumíveis apenas, dos momentos que marcaram a sua trajetória. A indumentária hippie, aquele corte de cabelo da Marilena Chauí, aquele pingente dourado para que os óculos não se percam, não fiquem esquecidos no alto da cabeça como na piada, a armação tipo Matinas Suzuki, a calça jeans com os fundilhos puídos, a barba por fazer, o cachimbo, vício adquirido num curso ou palestra do João Alexandre, essas coisas.
E os sintomas indesejáveis. Aquela somatização braba. O temor em dias de avaliação. O frio na barriga por ocasião das chamadas orais. O horror ante o expirar dos prazos. Entrega de trabalhos ou fichamentos. O nervosismo dos finais de cursos, de semestres, de anos. Caminho nada suave, como prometia a cartilha dos seus primeiros passos escolares. Mas com um retorno garantido, o alívio que se sucede ao sufoco, provocando um agradável relaxamento dos músculos e acessos de elevação espiritual que não costumam durar mais do que alguns poucos instantes, mas já valem toda uma vida.
Depois, logo depois, tudo recomeça. Mais um relatório, mais um parecer, mais um parecer sobre parecer, mais uma demonstração de competência. E, inevitável, o dever de levar adiante a bandeira, a tocha acesa, o ideal universitário, passando para o outro lado, como professor de pós-graduação, como parecerista, como membro de comissões julgadoras, júris, bancas semelhantes. Sempre com o grande risco, é claro, de começar a pegar mesmo pesado. Acontece. Não é raro. Vingança, vingança, vingança. É isso. Alguns ficam mesmo impossíveis de malvados. Uns casquinhas, como diria Denison Borges. Não deixam passar nada.
Tudo isso se lhe passava pelos dois neurônios, o Tico e o Teco, como nos filmes que se rebobinam, vertiginosos, na mente, dizem, de quem está morrendo. Sim, era chegada a sua hora. Ei-lo que ali estava, pronto para ser oferecido em libação. No altar-mor da vida universitária, a sala de defesa de teses.
Mas... e o público? Onde terá ficado o grande público? No seu tempo de gradução, defesas de tese eram concorridas ocasiões públicas. Assis, final dos 60, começo dos 70. Pós-tudo. Anfiteatros lotados, o frisson, o fru-fru, o buxixo, o prazer evocado pela visão do sofrimento alheio (os alemães criaram mesmo uma palavra para esse fenômeno característico da espécie humana), a sensação de que nessas ocasiões os elevados ideais da academia se renovavam, se magnificavam, se perpetuavam. Sicut erat in principium!
Mas o olhar contemplava as cadeiras vazias a pressupor uma platéia, o ar do campus na expectativa de um burburinho, aquelas vozes de antes. Onde estão? Em que mundo, em que estrelas elas se escondem? Todos deitados? Dormindo? Profundamente?
Foi preciso um enorme esforço para apagar da orelha a memória dos sons que já não se propagam. Ali, o oco do mundo. O grande vazio. O silêncio. A paz dos cemitérios.
Pensou em responder àquela segunda argüição com uma frase de efeito: "Silêncio. A universidade está morrendo." Mas, talvez não fosse o caso. Efeitos colaterais são sempre imprevisíveis. Especialmente num jogo como esse, sem regras. Qualquer um deles pode pôr a perder a complicada engenharia de uma banca de defesa. Vai que eles se estranham. Vai que um deles surta, como dizem os alunos de hoje, na graduação. Ou já não dizem mais. Hoje as coisas rolam tão depressa. Não. Melhor calar sobre aquilo que não pode ser dito. Era ele se lembrando de um dos cursos feitos no Programa de Mestrado, sobre o Ludwig. O Wittgenstein. Qual? O do Tractatus? Bem, isso ele não conseguiria precisar ali, naquele momento difícil. Wittgenstein são quantos? Isso nunca se sabe ao certo. O debate acadêmico só faz multiplicar tudo. Principalmente as dificuldades, os obstáculos. Só faz tornar cada vez mais complexo o que deveria ser cada vez simples. Tem sempre o “jovem-fulano-de-tal’, o “beltrano da maturidade”, “o tardo-sicrano”, essas coisas bem chatas e pentelhas, esses panos pra muita manga.
Mas ele tinha gostado, se lembra, daquela história de promover uma "terapia da linguagem". Queria tanto conversar sobre isso com a Linda Lee, que escreve no Portal de Filosofia (www.filosofia.pro.br) e consegue falar a língua dos "mano", instaurando o debate como faziam os gregos. Os antigos, é claro. E o faz no linguajar tatibitate e chulo dos sem-porra-nenhuma.
Mas, não mais do que de repente, o inusitado se instala. Uma quase materialização daquele panfleto anônimo, que ele, na graduação em Assis, ajudara a distribuir: TESE - TESINHA - TESÃO.
Ei-la que ali estava. Inexorável, inenarrável, irrefreável, incompreensível, imarcessível, quase impossível de ser ocultada dos demais presentes. Ainda bem que estava sentado. Se não, seria o desastre. Como, na adolescência, sempre fora um martírio ter de se levantar e ir à frente em meio às missas e cerimônias, em que a carne se via impelida pela sonolência e pela fome. "Olha só, de circo armado", diriam algumas vozes, já que "de pau duro", na época e naquelas circunstâncias ninguém diria. E nem o Roberto Schwarrrrtttzzz havia escrito ainda aquele poema que fala da mão no pau, do pau na mão e de todas as suas variantes no vocabulário tão eclético dos poetas ditos marginais dos anos 70.
A receita sempre foi pensar em outras coisas bem distantes, sem nada a ver com os aguilhões da carne, com o garfo do demônio futucando o pecador que se supunha ali narcotizado pelo odor de santidade a povoar o recinto. Os turíbulos, a esparzir incenso, já faziam prever, nas igrejas católicas, a verdade que só os Engenheiros do Hawai tiveram a coragem de proclamar: “O papa é pop”.
Mas ali, na sala de tese? Alguém pode imaginar alguma coisa mais distante de qualquer sensualidade ou erotismo? No mato sem cachorro, pensou, sem santo a que recorresse, sem pai nem mãe, de verde-amarelo. Aquela ereção, no meio de uma defesa de doutorado, era mesmo um caso grave. Coisa feita. E a terceira argüição comia solta, e ele ali a fingir que anotava, tentando não demonstrar receio, enfim, fazendo tudo o que já lhe haviam segredado os colegas já titulados, do alto de sua experiência e em sua infinita bondade.
E vieram a quarta e a quinta argüições. E nada. O volume continuava ali a desafiar a tudo e a todos. Não o da tese. Esse estava diante dele sobre a mesa, idêntico a todos os outros que se colocavam sob os olhares argutos dos senhores da banca.
Foi então que lhe ocorreu apegar-se justamente a ele. Não ao da tese, repito. Acariciá-lo. Mostrar a ele que era muito bem vindo, ouvir-lhe a mensagem de futuro e de esperança. Uma lição de vida. Nem tudo estava perdido. A vida prosseguia. Uma tese não é para sempre, nem é tudo. E, meu Deus, já ia chegando a hora de todos se levantarem, os senhores da banca se retirando para a sala ao lado. O que fazer então? As poucas pessoas que ali estavam, por razões nem sempre precisamente detectáveis, um que outro colega de outros tempos, por um dever de amizade, alunos de graduação ou de mestrado aliciados por algum professor amigo do orientador ou de um dos membros da banca. Parentes. Almas caridosas! Sim, mas elas também enxergam. E o vexame seria completo. Mas não ia ter jeito mesmo. Uau! Antes de se levantar, ainda lançou em direção ao “enfurecido” um olhar furtivo e grato, e a única coisa que lhe ocorreu foi uma frase famosa de um ex-ministro, já no bico do urubu - se me perdoam o falar do populacho, ou da choldra como diria o Elio Gaspari -, ao seu amigo e presidente: "Só não se apequene. Nunca."


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