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Erotico-->10. MARIA -- 06/01/2004 - 06:26 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Era uma mulher forte. Recentemente desencarnada, tinha história de profundo sacrifício para contar. Investira contra os preconceitos sociais e se constituíra num dos baluartes do feminismo. Mas defendera princípios ofensivos ao evangelho de Jesus. Não abominava o aborto porque preferia dar curso à vida larga e prazerosa das mulheres independentes. Fazia-o consciente de que o machismo incrustado na sociedade terrena, em todas as civilizações, inclusive predominante nas diferentes religiões ocidentais e muitas orientais, estaria orientando a humanidade no sentido da destruição do orbe. Casou e divorciou-se diversas vezes, não permitiu nenhuma gestação, embora não executasse nenhum aborto, execrou a profissão para a qual se destinara no etéreo, ou seja, o magistério, e pôs-se na atalaia do jornalismo tendencioso, projetando-se na mídia, na qualidade de vanguardista, fama que não rejeitou e até estimulou, agindo com sinceridade e denodo. Terminou os dias segundo o processo biológico de deterioração natural, lúcida, entretanto, para os eventos de última hora, sofrendo com a impotência da idade proveta, não tanto porque não quisesse participar, mas porque se viu posta à margem, retiro obrigatório de quantos dependem dos outros para se manifestar.

No etéreo, não acreditou de imediato que estivesse sendo apontada pela consciência como criminosa. Queria justificar todos os movimentos intelectuais pela defesa dos direitos femininos, contudo, foi forçada a reconhecer que o sexo não era apanágio do espírito e que, acima das diferenças orgânicas e conseqüentes corolários sociais, psíquicos etc., havia a unidade da criação.

Descansava das lutas contra tão corajosa atitude estruturada no imo da mente e do coração, quando se viu convidada a partilhar dos trabalhos do grupo. O conhecimento dos objetivos levou-a a vibrar muito positivamente em favor de renovar os preceitos que defendera, na pressuposição de que voltaria a combater pelos ideais dos combalidos, contra os usurpadores dos divinos feitos. Recolhia-se, modestamente, na cidadela de sua personalidade, aguardando a formação do pelotão de choque, que abriria clareiras na floresta dos descalabros humanos, para a infiltração posterior do grande exército dos espíritos superiores.

Ao notar que Felícia reclamava a ausência de outra mulher no pequeno grupo, ofereceu-se alegremente, embora sentisse que enfrentaria preconceitos de quem fora mãe tantas vezes, de um pai amoroso, de um marido-amante e de um cultor do físico.



Foi Rogério quem abriu a conversação:

— Maria, somos sensíveis aos seus temores em relação a possíveis defasagens de formação sentimental ou intelectual. Creia, entretanto, que estamos recebendo-a como parceira e coadjutora de todos os trabalhos que realizarmos. Se estivermos em desacordo, diremos o que pensarmos ou sentirmos, com lhanura e honestidade. Se estivermos errados, reconheceremos as deficiências de caráter e de conhecimento. Se estivermos corretos, não nos faremos maiores por causa disso. Se falharmos nestes propósitos, pomo-nos, desde já, à disposição dos instrutores para a franca…

— Vá parando por aí, prezado amigo! — Era Felícia, interrompendo. — Maria também tem o dom de nos entender as vibrações em relação aos sentimentos de contrariedade, qualquer seja o sentido que dermos às ponderações morais ou metafísicas. Acho que não devemos estender-nos em discursos. Dentre as regras de convivência interna, consta a da brevidade das manifestações.

Calou-se, aguardando que outrem se pronunciasse. Roberto se atreveu:

— Tenho para comigo que os desideratos individuais devam ser sepultados, em proveito do trabalho coletivo. Após perfazermos integralmente o roteiro estabelecido para o grupo, imprimiremos ao destino o cunho de nossa personalidade. Não pensem, porém, que me julgo inferior por dedicar-me aos aspectos meramente físicos dos seres encarnados. Vocês verão, em tempo hábil, como é importante manter a higidez, para a consecução dos ideais cármicos.

João aprovava com a cabeça os dizeres de todos. Não quis alhear-se, todavia, para não dar a impressão de que se ausentava:

— Concordo com todos, mas não em todos os aspectos. Somente com o tempo é que me decidirei a expor as minhas íntimas conquistas no setor humanitário. Se Maria não quiser adiantar nada…

— Prossiga, companheiro.

— … devo dizer que as palavras de Maciel que perdi…



O debate terminaria depois de mais de duas horas de acirradas discussões. No final, coube a Rogério redigir o extrato das conclusões, não sem antes Felícia protestar, apontando Maria como a mais apta para a dissertação. Teve de aceitar a indicação do amigo, entretanto, à vista da ponderação de que todos deveriam crescer em todos os aspectos. Maria reservou-se o direito à crítica.

Enquanto Rogério escrevia, Felícia desejou colocar um ponto que a atormentava, desde sempre:

— Caros amigos, por que será tão importante conhecer cientificamente os recursos terrenos? Não estaremos alienando-nos do aspecto principal que reside no coração das pessoas? Por outra, não iremos deixar de lado o que temos de melhor, ou seja, a nossa condição de teóricos do bem e da moral, para nos enfronharmos em campo cujo interesse jamais nos estimulou? Antes que me respondam, devo afirmar, categoricamente, que não estou enjeitando o convite de colaborar neste ambiente de muita luz, de muito amor e de muita sabedoria. É que não me diz respeito o porquê de Deus ter criado a matéria desta ou daquela maneira. Acho que o Senhor tudo o que faz faz com suprema inteligência e perfeição.

Parou para respirar. Foi quando Maria interveio:

— Queria que você continuasse o discurso, analisando os motivos pessoais e relacionando-os com o mundo externo. Chegaria à resposta que nos solicitou, penso eu.

— Como assim?

— Pois você ia definindo a necessidade de se entregar ao trabalho do grupo. Ora, ajudar aos demais não será colocar para cada um o problema a ser resolvido? Como elucidar as falhas, sem conhecer o núcleo, o cerne da ciência envolvida?

Ia por esse caminho, quando Rogério pediu atenção:

— Eis o texto, que submeto à apreciação de vocês: “Cada elemento da equipe apresentou razões diferentes para o não entendimento de trechos da palestra do Professor Maciel. Pensamos que não tem importância citar quais parágrafos passaram em branco. O importante é que concluímos que não estamos prontos para o conhecimento aprimorado do ideário dos condutores do processo evolutivo dentro da colônia. Dos cinco participantes, três esperavam, por exemplo, que a palestra fosse registrada em vídeo, para ser revista. Esqueceram-se de que sua memória, apesar da desatenção, tem a propriedade de gravar tudo o que se passa ao derredor. Exultamos todos quando, por esforço de…” Aqui titubeei para caracterizar o trabalho mental que realizamos. Assim, preferi um circunlóquio, para esclarecer a intuição do fenômeno: “… por esforço de destrinça dos intrincados sentimentos…”

Maria interveio:

— Não está bom. Diga, simplesmente: “por esforço de desvencilho da influência emocional perturbadora…”

Roberto desejou aconselhar:

— Não foi o fator emocional que interferiu na compreensão dos dizeres? Então, que se escreva: “por esforço de supressão da nebulosidade mental ocasionada por distúrbios afetivos de caráter íntimo…”

Rogério concordou:

— Ambas as formulações frasais vão exigir dos demais que entendam o que se passou conosco. Não é verdade que os colegas estão deslindando os mesmos mistérios? Pois eles devem ter discutido o assunto e devem ter passado pelas mesmas fases perquisitivas. Aceito a sugestão de Roberto, por me parecer mais extensa e, portanto, mais completa. Se todos estiverem de acordo…

Maria assentiu com a cabeça. Rogério concluiu:

— “… fomos todos capazes de refazer o delicioso cavaco do mentor, eliminando os focos antes ininteligíveis.”

Felícia fez menção de discordar da expressão “delicioso cavaco”, mas se conteve, intuindo que poderia ser provocativa de reações mais generalizadas da classe, conforme suspeitou que tivesse sido a intenção do redator.



Antes de se apresentarem para o conclave dos pequenos grupos, Maria fez questão de assumir a palavra:

— Bondosos colegas, devo dizer-lhes que me sinto absolutamente à vontade em trabalhar com vocês. Recebam o meu abraço e me perdoem os arroubos do passado.

— Você vai ver, quando estudarmos os textos das parábolas de Jesus, esclareceu Felícia, que o perdão flui naturalmente do amor e que este é uma conquista permanente. Trabalhemos com afinco, porque Jesus é por todos nós!

Os cinco se deram as mãos, enquanto suas lembranças se deslocavam para as entidades mais queridas, distantes daquele sublime momento de integração espiritual.

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