Há alguns anos, Cremilço, desempregado, decidiu vender sanduíche natural nas praias do Rio de Janeiro. Até aí tudo bem, afinal, com a crise brasileira, isso até hoje é um fato corriqueiro.
O problema era que, além de não possuir licença de ambulante, possuía um gênio irascível. Porém a determinação e a garra fizeram com que não desistisse. Juntou as economias, comprou os mantimentos, o cesto, o óleo de peroba, para lustrar sua cara-de-pau, e foi à luta, como fazem brasileiros honestos e desprezados pelo Estado.
Apesar de bebedor sindicalizado, nosso amigo sempre foi um batalhador, e não seria um mero calor de quarenta e tantos graus ou praias intransitáveis que lhe tirariam o ânimo. Seria!?
Ao pisar nas areias de Copacabana, o local escolhido para a empreitada, depois de árdua pesquisa pelos quiosques e botecos praianos, aconteceria o primeiro problema: Bebum insistia em vender seus lanches ao lado de uma carrocinha de cachorro-quente. Os vendedores, certamente não se importavam, mas a concorrência era-lhe francamente desfavorável. Quase desistiu!
- O que fazer? – indagava-se o atônito vendedor.
Tomou umas três ou quatro cervejas e iniciou a batalha resoluto.
- Vai de natural!? – berrava sem a menor cerimônia.
Depois de algumas horas de sofrimento, sem vender uma única peça, conseguiu desencalhar o primeiro. Encontrara um amigo de copo e, implorando como a convencer a Inquisição de sua inocência, empurrou o debutante sanduíche, ainda que o rapaz odiasse pasta de ricota com cenoura.
Estranhamente, impulsionados por sua coragem, seguiram-lhe outros aventureiros resolutos em provar a “especialidade da vovó”, o que não convencia como argumento, mas agradava pelo sabor.
Numa dessas ocorreria o pior. Um homem alto e forte, dos seus trinta e poucos anos, aproxima-se e apanha o cesto com os famigerados e quase consagrados sanduíches. Bebum, julgando estar sendo assaltado, lasca um tremendo murro no rosto do sujeito, provocando uma briga difícil de apartar.
Separados os brigões, com a chegada de alguns policiais, Bebum tratou logo de tomar a iniciativa e acusou o outro de rato de praia. Foram todos conduzidos à delegacia mais próxima. Lá o caso seria esclarecido.
O plantonista pediu aos dois que se identificassem. Cremilço mostra ao policial a carteira de trabalho sem assinatura, mas “uma enorme vontade de vencer...” e que “o Brasil não atende às expectativas dos seus honestos cidadãos...” . Enquanto esbravejava, o agredido mostra a carteira funcional do Departamento de Vigilância Sanitária.
Fim da dúvida. Bebum teve apreendida a mercadoria e, pela agressão, naquele dia, viu o sol se pôr quadrado.
Lá de fora, ainda se ouvia a ladainha costumeira:
- Quero sair... Eu quero curtir a vida!
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