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Erotico-->ADENDA ÀS LEMBRANÇAS DE MURILO -- 27/12/2003 - 11:02 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
I. — MEU MARIDO NA REALIDADE

Poucos homens se poderiam apontar como mais extrovertidos e dados à caridade e ao amor do próximo.

Murilo se fez apaixonado por mim desde a primeira hora em que conversamos de modo íntimo a respeito dos problemas da existência.

Ouso acrescentar outros traços à pintura tão minuciosa de sua personalidade, porque não desejo que meu filho Osmar nem qualquer outra pessoa pense que, por se apresentar tão reflexivo nestas páginas, não tivesse o dom de analisar a realidade e de se situar nela de molde a pôr todas as pessoas de seu relacionamento à vontade.

Era um homem boníssimo, paciente, leal e altruísta.; alguém em que se podia confiar plenamente.

Para poder afirmar quão querido era, percorri todos os ambientes que freqüentou e apanhei as opiniões de pessoas de todas as categorias sociais. Houve unanimidade, principalmente para ressaltar sua capacidade de deixar as pessoas abrirem os corações, onde inoculava o bálsamo mais puro do evangelho do Cristo.

Neste aspecto, é preciso dar ênfase à alegria contagiante de seu perene sorriso, mesmo durante a fase terminal da doença.

Depois que redigiu a última página, sentiu forte repelão no peito e teve fulminante síncope cardíaca. Sofreu muito, tendo sido obrigado a conviver com a dor por meio de fortes analgésicos. Mas jamais se queixou, limitando-se a apertar a minha mão nos momentos mais agudos das crises.

Esta minha participação visa a esclarecer algumas idéias que ficaram como sinais de que, nos últimos tempos, ele se havia afastado do movimento espírita, o que digo de pronto que é apenas uma impressão que a leitura promove, pois repete várias vezes que abandonara esta ou aquela atividade.

A exigência destas explicações é minha, porque estou com a certeza de que haverá leitores para este trabalho íntimo de reconstrução moral e intelectual de uma vida dedicada ao kardecismo. Acho que valerá a pena conhecer como é que repercutem num espírito de escol as idéias sedimentadas durante muitas décadas de estudo e de pregação.

Deus me ajude!


II. — AS SURPRESAS DO COMPUTADOR

Dez dias após o falecimento, uma das editoras que haviam encomendado trabalhos de digitação enviou-me ofício, solicitando permissão para que seu funcionário viesse vasculhar os arquivos do computador para copiar o que haveria de pronto que pudesse ser aproveitado.

Aceitei que se fizesse a busca e o rapaz foi tão gentil que se prontificou a me mostrar tudo o que estava arquivado na memória da máquina.

Bem que eu desejava encontrar o caderno ali transcrito, mas nem uma só mensagem se reproduzia. Entretanto, com meticulosidade de monge beneditino, estavam ali cerca de quinhentos arquivos resultantes do trabalho de mais de vinte anos de profissão.

Trezentas obras eram de originais que se reproduziram em edições, quase sempre o produto de rigoroso garimpo de falhas de todo tipo, inclusive com anotações preliminares aos editores e aos autores sobre as alterações que ele recomendava.

Em destaque, as cinco obras publicadas por Rosália, eivadas de observações pessoais de Murilo, cuja comparação com os textos publicados revelou que foram aproveitadas quase completamente.

Sobre essa parte profissional, nada tenho que possa trazer algum adendo importante à compreensão de sua personalidade, a não ser que nos causou profunda admiração pela brilhante estrutura.

O que mais nos chamou a atenção foi outra sessão, a que se destinou ao exame de obras espíritas em seus originais encaminhados por diversas editoras e também diretamente por autores, alguns destes fazendo sucesso no mundo das publicações.

Ficou-nos a impressão de que as obras que vieram manuscritas mereceram digitação “inteligente”, porque se apresentaram em uma única via. Outros textos se duplicavam em “boxes” justapostos, de sorte que se viam as correções pelo cotejo dos parágrafos. Além disso, inúmeros comentários pontilhavam os desenvolvimentos, os quais, somando-se ao final, resultavam em crítica nem sempre favorável à editoração.

Pelas datas apostas ao início e ao final de cada obra, soubemos que esta fase de sua atuação espírita se iniciou alguns meses depois do matrimônio com Rosália e jamais se interrompeu, a última data assinalando para um período posterior à sua volta do hospital, depois da operação.

Quero, portanto, que os leitores cheguem à conclusão de que a suspensão de suas idas às casas espíritas não significou em absoluto afastamento da doutrina, muito menos alheamento da teoria e da prática. Ao contrário, estabeleceu um roteiro de muito maior significado para a sua realização no campo dos preceitos doutrinários.

Neste ponto, parodiando a sua maneira de escrever, posso levantar a suspeita de que, por respeito a mim e às minhas convicções religiosas, é que se manteve afastado fisicamente das tarefas e dos tarefeiros da seara espírita.


III. — MINHA CONVERSÃO

Na verdade, a minha tendência religiosa, como bem descreveu Murilo, é para as cerimônias e solenidades cheias de aparato e de magnificência. Ainda agora, quando freqüento as sessões privadas no Centro “Louvor ao Pai”, sinto que os espíritos que ali comparecem trazem a saudade dos tempos em que as grandes festas lhes exaltavam os sentidos, inebriando-os de felicidade, ainda que material. Se a existência determina que todos nós sejamos solidários, nada mais justo que nos reunamos nos momentos de maior ventura para congraçamento.

Aqui na Terra, os festejos exigem que haja um brinde, para o paladar, para o olfato, para os olhos e assim por diante. No etéreo, se houver correspondência entre as possibilidades corpóreas dos perispíritos, então não se pode deixar de entender que as luzes, as cores, os brilhos, os cânticos dos corais e as orquestrações, no mínimo, venham para provocar um deslumbramento feérico de imenso poder de envolvimento dos bons, dada a compreensão de que Deus é pai de misericórdia e agasalha em seu manto de amor a todas as criaturas, facultando às que agem de acordo com as leis cósmicas a abertura de seu reino de paz e bem-aventurança.

Para essa suprema alegria, devem concorrer todos os meios de expressão dos sentimentos amorosos universalistas, o que nos obriga a admitir que, para a comunidade dos bons, algo exista semelhante ou análogo aos cultos em que os seres humanos buscam demonstrar todo o seu carinho e respeito ao Criador.

Colocada a restrição que faço à simplicidade das casas espíritas, aceito todas as reuniões festivas, as peças teatrais, os cantos e também os momentos de recolhimento espiritual, quando a congregação ouve em silêncio a prece em louvor a Deus, quase sempre a se encerrar pela maravilhosa oração de Jesus.

O que me levou a considerar a hipótese kardecista como aceitável foi uma frase solta de Murilo, que calou fundo em minha consciência. Disse ele, citando e parafraseando os evangelhos, que Jesus, ao ser recriminado por adentrar certos lares de pessoas desqualificadas socialmente, respondeu que ao médico cabe curar os doentes onde estiverem. Por isso, acrescentava meu marido, jamais se recusara a ir a qualquer manifestação de culto religioso em qualquer seita ou igreja, porque se sentia bem em absorver as vibrações saudáveis e em facilitar a alguma entidade perturbada que o acompanhasse ao centro espírita para receber o auxílio dos irmãos encarnados ou não.

Tivera ele a intenção de me conduzir ao modesto templo kardecista? Pelo que escreveu, não. Então, confirmou-se a minha expectativa de que, se demônios existissem, não eram eles que dominavam a alma de meu consorte. Disse-lhe o que pensava e ele estendeu um pouco mais o raciocínio, afirmando-me que os demônios, pela própria concepção dos católicos e mesmo dos protestantes em geral, não passavam de anjos degenerados e infelizes, precisando de esclarecimento para voltarem ao estágio primitivo em que foram criados, porque (eis o fulcro da questão) Deus não poderia criar o que quer que fosse contrário à sua própria natureza.

Quis argumentar com o livre-arbítrio, mas calei-me, pretendendo deixar para mais tarde as considerações de caráter doutrinário, porque não me sentia segura perante alguém que passara mais de quarenta anos refletindo a respeito dessas teses sublimes oriundas dos ensinamentos dos antigos e filtradas pelo cientificismo de Allan Kardec. Mas Murilo, como se tivesse lido o meu pensamento, completou a explicação, dizendo que o livre-arbítrio era um artifício da criação para atribuir responsabilidade às criaturas e que, no reino de Deus, não haverá nenhuma possibilidade de emprego dessa lei natural, já que a vontade dos bem-aventurados haverá de confundir-se com a vontade de Deus, ou não haverá felicidade nem perfeição, o que implica, finalizou, em que não há nenhuma dicotomia mas uniformidade.

Posso assegurar que, na hora, apenas consegui gravar as palavras, sem perceber direito o sentido. Mas as leituras subseqüentes me fizeram entender todos os conceitos.

Quer dizer que abandonei a igreja católica? Absolutamente. Vou à missa e continuo trabalhando em prol dos infelizes em todos os eventos programados pelos carismáticos. Apenas, dei à minha fé um caráter ecumênico, relevando os defeitos de todos os cultos, buscando absorver o que de melhor existe em cada um.


IV. — AS LÁGRIMAS DE ANA

Eu não podia dar a lume este apanhado de recordações íntimas, sem a anuência, pelo menos, das pessoas vivas citadas. Pensei muito a respeito das biografias não autorizadas e das autobiografias que prejudicam outras pessoas e cheguei à conclusão de que muito pouco têm de verdadeiramente cristão, açulando a mórbida curiosidade da opinião pública contra a memória das personagens.

Pela tese espírita, o prejuízo transcende a camada social, afeta a psique dos indivíduos e lhes atinge o âmago espiritual, podendo significar um peso desnecessário, pelas ondas de baixas vibrações que se descarregam contra as pessoas visadas. Talvez haja um pouco de exagero nestas considerações, uma vez que cada qual deve suportar a carga das faltas que cometeu e não o ônus dos prejuízos provocados pela irresponsabilidade dos mesquinhos. Em todo o caso, para que incitar a malevolência e a má vontade?

Procurei Ana, ou melhor, para falar toda a verdade, foi ela quem veio a minha casa, interessada em conhecer o caderno sobre que lhe falara na missa de sétimo dia.

Ela não quis esperar o texto datilografado (naquele momento, estava providenciando essa fase da publicação), e me pediu para deixá-la sossegada diante das citações de seu nome.

Saí por uma hora e, quando voltei, encontrei-a a enxugar seu pranto, comovida por algo que não me passava pela cabeça que pudesse estar ali registrado.

Se eu fosse boa em diálogos, escreveria a conversa tal qual se deu. Deixo apenas o resumo que foi aprovado por minha companheira de Espiritismo, porque hoje Ana freqüenta também um centro perto de sua casa. Com ela, vão o marido e o enteado. Contente está Letícia, que acredita que tenha contribuído bastante para isso. Aliás, li para esta as passagens em que foi citada por Murilo e ela me autorizou, impada de justo orgulho, que o texto se mantivesse.

Pois bem, Ana me autorizou a dizer que as suas lágrimas se deram porque Murilo a poupou de uma série de acusações que poderia ter realizado, uma vez que a causa primeira de Augusto se ter deixado contagiar pelo vício das drogas se deveu a tê-las consumido desde o ventre materno. Também quanto ao fato de ter tido inúmeros amantes, não se opôs ao relato, afiançando que foi uma fase de sua vida completamente superada. Argumentei que isso poderia prejudicá-la, mas deu-me uma razão no mínimo ponderada. Disse que deveria deixar tudo como se registrou, acrescentando que as pessoas podem suplantar os vícios e corrigir os defeitos de todos os tipos, pela ação dos ingredientes divinos que estão no fundo de todos os seres. Era, como afirmou, uma sensação muito gostosa saber que estava contribuindo para estimular a fé e a esperança, caso algum leitor chegasse até este adendo trazendo ainda idéias cépticas ou pessimistas a respeito da existência como obra do Senhor.



Permitam-me uma consideração pessoal.

Eu acho que, se Ana não tivesse abandonado o lar de Murilo e se tivesse tomado outra deliberação relativamente ao seu destino, eu não estaria redigindo hoje este tópico. Eis como é que as coisas se entrelaçam, segundo as características cármicas de cada encarnado. Murilo, com certeza, iria bem mais fundo nestas observações.


V. — MURILO SE MANIFESTA

Três meses após o decesso, Murilo, espontaneamente, se apresentou junto à mesa mediúnica e ofereceu a seguinte comunicação:


Meus estimados irmãos, fraternidade querida do “Louvor ao Pai”, Jesus esteja com todos os meus amigos, nesta hora bendita em que os guias da casa se ativam, para que os trabalhos atinjam os objetivos a que todos se determinam, quer pela orientação dos espíritos infelizes, quer pelo acréscimo de convicção de todos os que ainda não se convenceram no íntimo de que servem a uma comunidade espiritual de socorristas.

Leitor assíduo das obras de Allan Kardec, o nosso Codificador emérito, sei quais são as questões que se gostariam de propor a quem tão cedo se apresenta após a morte para lhes falar das coisas dos vivos. Sendo assim, proponho-me a efetuar rápida descrição da passagem de uma à outra vida, situando-me no etéreo, para dar-lhes o estímulo necessário para seus empreendimentos virtuosos.

Meu desprendimento foi rápido. Não bastasse estar com o relato de minha vida fresco na memória por vir escrevendo parte dos seus acontecimentos, ainda meu cérebro se viu num esfuziante momento de recordação de todos os fatos importantes, muitos dos quais completamente esquecidos, por não me interessar por eles ou por rejeitá-los inconscientemente. Em todo o caso, fiquei contente com o resultado, porque percebi que os feitos de boa qualidade são ressaltados, quando a gente, na verdade, tende a deixá-los abafados pelas lembranças que mais nos preocupam. O saldo, se quiserem saber, foi positivo, especialmente porque as minhas horas dedicadas ao movimento espírita, em função da divulgação da doutrina e do atendimento das pessoas com problemas de todas as espécies, foram tidas como de benemerência e como tal levadas em conta para arrefecer certas ondas de baixa vibração que eu suspeitava que poderiam prejudicar a reaquisição da lucidez.

Hoje, sem sequer imaginar o que seja a perfeição, posso considerar-me feliz, porque extasio-me com as paisagens etéreas, reconhecido ao Pai pela sacratíssima misericórdia que me fez saber que a última encarnação é que me orientou neste sentido a vista, revelando-me, como num painel sem relevo, as dificuldades anteriores de minha personalidade. Sei que nem todos os pontos estão elucidados, mas a proposta de investigação feita pelos meus mestres nesta “Escolinha de Evangelização”, que estou freqüentando, inclui o auxílio de poderosa equipe de socorristas, entidades experientes totalmente aparelhadas para auxiliar-me em caso de desfalecimento.

Pedem-me para ir direto ao ponto, porque o meu médium está ficando cansado e não pretendo deixar para outra oportunidade o que vim dizer.

Peço a Maria que não se aborreça se o meu livrinho de reflexões sobre alguns apontamentos de minha vida nada signifique perante a extensa biblioteca das obras espíritas. Acho, porém, que toda contribuição deve merecer um olhar condescendente, principalmente quando houve honestidade e enorme desejo de compreensão dos fatos à luz do Espiritismo. Mas, se o conjunto da obra não despertar o interesse dos editores, ao menos que sirva para que alguns amigos se entretenham em observar as suas próprias tendências psíquicas, colocando-se no lugar do autor.

Quanto a Osmar, já não mantenho o ponto de vista expresso numa das páginas, porque sei que a vida é dele e será ele o inteiro responsável por seu progresso espiritual. Talvez até estivesse eu iludido quanto ao valor de minhas observações, como se a educação de meu filho pudesse dever algo a uns escritos que se tornarão antigos quando ele tiver maturidade suficiente para estabelecer crítica serena e construtiva a respeito das ponderações que amealhei.

Sei que Ana e Letícia aprovaram o que sobre elas escrevi. Peço-lhes perdão se algo ficou não totalmente favorável ao reconhecimento de seus méritos. Quanto às pessoas do lado de cá da existência, obtive alvará de todas elas: Augusto, Márcia, Rosália, Dona Paula e “Seu” João Antônio (meu pai).

Como a publicação está em suas mãos, querida amiga Maria, se quiser, esteja à vontade para cortar o que não tiver calhado bem na descrição de sua personalidade amorável.

Um beijo a Osmar. Devo dizer que, quando estiver crescido, poderá entender que a minha pessoa estará com a responsabilidade de acompanhá-lo na qualidade de protetor. Nada disso. Ele está muitíssimo bem resguardado, por seres de sua ancestralidade, que muito o amam e torcem para que sua peregrinação terrena seja proveitosa.

Que Jesus seja benigno com todos nós, enviando-nos eflúvios de seu amor, em vibrações de muita paz e felicidade.

Graças a Deus!


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Essa longa mensagem, diferenciada dentre as que apanha costumeiramente o médium de que se serviu Murilo, causou um rebuliço na casa espírita. Não apenas o médium mas ninguém mais sabia de nenhum dos tópicos assinalados referentes ao livro de memórias. A curiosidade foi muito aguçada, muitos desejosos de saber se seu nome tinha sido citado e quais as impressões do amigo de tantas aventuras doutrinárias a respeito de tudo quanto ali se produzia em favor da caridade.

Prometi-lhes fazer algumas cópias caseiras, na impressora do computador, com duas condições primordiais: a de que me ressarcissem das despesas (contas que prestei rigorosamente para saberem que o preço que lhes cobrei é o de custo) e a de que se obrigariam a uma página de apreciações a respeito do texto, com o propósito de fundamentar a minha convicção sobre uma edição em livro.

Estes acontecimentos se deram há cinco meses e tudo se cumpriu de acordo, conquanto eu tenha recebido apenas duas críticas favoráveis à divulgação integral do texto. As demais foram evasivas ou meramente protocolares, sem observações que se pudessem considerar consistentes em relação às colocações de nítido caráter filosófico do autor.

Em todo o caso, aguardo as respostas de vários editores a quem enviei cópias encadernadas e cuidadosamente digitadas pelo amigo que me revelou os segredos dos arquivos do “micro”.

Caso venha a receber apoio para uma edição, acrescentarei estas minhas observações, porque o texto que enviei foi até o pontilhado acima.


VI. — AS EDITORAS RESPONDEM

Logo obtive algumas análises muitíssimo gentis de várias editoras, especialmente daquelas para quem Murilo trabalhou de graça por anos a fio.

Em resumo, para não me estender em algo que me parece deficitário no ambiente espírita e que não me valeria ponto algum nesta minha aspiração de publicar a modesta contribuição pessoal de meu marido, o que me disseram é que o texto não possui muitos atrativos para os leitores acostumados à aquisição das obras espíritas.

Em primeiro lugar, disseram-me, o autor não tem nome conhecido, o que os faria arriscar uma campanha de “marketing”, sem nenhuma perspectiva de que a propaganda consiga promover o texto (ainda mais que o escritor só pode aparecer através de terceiros), dado que os problemas doutrinários, por demasiado profundos, refogem à média cultural do público, não correspondendo, por outro lado, aos anseios dos críticos, que não se aventurariam a aconselhar a aquisição de uma obra meio reclusa em problemas de interesse meramente individual. Sem cerimônia, dois deles sugeriram que os capítulos teóricos fossem supressos, como se todas as reflexões não tivessem o cunho da aplicação dos preceitos kardecistas à vida positiva e real das pessoas.

Em segundo lugar, fizeram-me ver que os tópicos concernentes às memórias propriamente ditas, aqueles episódios em que existe narrativa ou ação, se encontram não apenas pouco desenvolvidos, como sem relevo para a dramaticidade, em função das repercussões psíquicas sobre o autobiografado, perdendo-se o enredo no que teria de mais lúdico, de mais próximo, portanto, do dia-a-dia dos leitores, cujas vidas estão eivadas de problemas que os fariam identificar-se com as personagens. Para estes eu teria a argumentar que o ponto a distinguir é a poderosa influência da teoria espírita, principalmente como filosofia e religião, a exaltar os preceitos cristãos mais importantes, no caso, o perdão como o carro-chefe, a arrastar o amor, a amizade, a esperança, a fé e a caridade.

Para não dar a impressão de que estou a defender uma escrituração com graves defeitos, tendo em vista que foi escrita ao correr da pena, sem revisões oportunas, porque não terei eu mesma condições de empreender quaisquer correções, vou dizer que a idéia menos ferina das editoras foi a de uma que se propôs a uma tiragem pequena, cujos custos eu ou uma entidade espírita cobríssemos. Essa editora providenciaria, pelos preços de mercado, a distribuição da obra, sem prometer-me, contudo, que a venda iria realizar-se, colocando-se, na mesma linha das anteriores, inteiramente descrente no sucesso de público.

Fiquei a imaginar quanto autor se viu incentivado por Murilo, o qual jamais, em exame nenhum de qualquer obra, deixou de demonstrar os pontos positivos, discriminando o melhor possível o que os autores deveriam explorar para darem condições de divulgação aos seus trabalhos. Encontrei diversos livros que voltaram modificados e que receberam o “nihil obstat” do amável censor.

Acho que me precipitei um pouco nesta apreciação, com certeza movida pela decepção e íntima fúria por não ver reconhecido um texto que me provocou tantos arrepios e me incentivou para a pesquisa de inúmeros tópicos doutrinários, encaminhando-me para leituras de obras consagradas, cujos desenvolvimentos, muitas vezes, estão até aquém da lucidez do pensamento de Murilo. Enfim, restam ainda duas editoras mas, pela amostragem das demais, não me dão aquele sentido otimista que deveria manter acesa a minha esperança. Então, fico a reconhecer que Murilo tem toda razão quando afirma que “se o conjunto da obra não despertar o interesse dos editores, ao menos que sirva para que alguns amigos se entretenham em observar as suas próprias tendências psíquicas, colocando-se no lugar do autor.” Como isto já está concluído, que o grande público aguarde por um autor que preencha os requisitos que sustentam a linha editorial das empresas.


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Como havia previsto, a obra foi recusada pelas duas últimas editoras. Paciência! O mais interessante é que me passaram a idéia de que nem ler leram, porque havia folhas coladas que assim se mantiveram, tendo a resposta sido dada em impresso de computador, claramente adaptado para a devolução da obra em apreço. Melhor assim, porque não correram o risco das mentiras protocolares de quem não deseja comprometer a sua opinião. Afinal de contas, é justo admitir-se que a programação das novas obras esteja antecipada de dois anos...


Antes de concluir definitivamente, vou deixar assinalado que, enquanto esta peça, que considero literária, não for para o prelo, irei juntando uma a uma todas as mensagens que Murilo houver por bem transmitir.

Nada melhor do que terminar com uma palavra dirigida ao Senhor. Então transcrevo:

“Que Jesus seja benigno com todos nós, enviando-nos eflúvios de seu amor, em vibrações de muita paz e felicidade.

“Graças a Deus!”


POSFÁCIO

Coube-me a sagrada tarefa de encerrar o texto que meus pais redigiram.

Há dezessete anos este opúsculo repousava recolhido nos arquivos e “backups” aqui de casa, tendo desaparecido todas as cópias que mamãe sempre mencionava que iria me deixar ler quando eu tivesse maturidade.

Li uma boa parte do que meu pai escreveu e fiquei emocionado quando vi que ele pensou muito em mim, como se eu pudesse um dia aproveitar-me de seu trabalho e de sua laboriosa conscientização espírita.

Vou providenciar uma publicação particular em homenagem a eles e para configurar um respeito imenso pelas pessoas dos dois.

Pretendo recuperar todo o dinheiro aplicado mas de um modo criativo, ou seja, vou enviar pelo correio uma cópia para cada centro espírita do país, dedicando o livro à biblioteca, sem condição de pagamento, mas com o débito da leitura.

Caso a pessoa gostar do que leu, deverá, se puder, enviar o valor correspondente ao preço de capa para o endereço do Centro Espírita “Mensageiros da Espiritualidade Superior”, sabendo que o que exceder aos gastos será aplicado em obras de benemerência pelo Departamento Social.

Lamento apenas que a saudosa Dona Maria não tenha cumprido a promessa de acrescentar as mensagens mediúnicas do Sr. Murilo, com certeza porque não disseram respeito a este livro de memórias.

Sei que deveria colocar como prefácio o que estou registrando no fim, mas é porque não pretendo pôr em destaque as dificuldades inerentes a uma obra que recebeu tantos desestímulos, embora mamãe sempre me fizesse ver que havia encontrado pessoas que se deliciaram emocional e intelectualmente com a agilidade mental de papai e com a capacidade que desenvolveu de entender os traumas existenciais.

Desejo encerrar agradecendo ao meu professor de Português a gentileza de sua contribuição para esta minha modesta página, bem como ao incentivo que tenho recebido de meus primos e de todos os colegas do Centro Espírita “Louvor ao Pai”, que é onde estou desenvolvendo a minha capacidade de dirigente, responsável que sou pelos jovens que ali se congregam.

Deus nos abençoe esta iniciativa e alongue um olhar de profundo amor a todos os nossos leitores.

Muito obrigado!

Osmar.



Indaiatuba, de 25.05 a 10.07.98.
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