Édipo Rei: a forma do trágico
“Há mais coisas no céu e na terra, Horatio,
Do que sonha a tua filosofia”
Shakespeare, em Hamlet
Ao se comentar sobre a tragédia grega, a partir de Sófocles em Édipo Rei, é importante ressaltarmos, a priori, alguns aspectos básicos de caracterização, em sentido literário, de tragédia, enquanto uma modalidade do gênero dramático. Seja pois, adotando-se a definição aristotélica, temos:
"É pois a tragédia imitação de um caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamento distribuídas pelas diversas partes do drama, imitação que se efetua não por narrativa, mas mediante atores, e que suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação destas emoções."
E assim sendo, a partir dessa premissa, lançamos olhar à estrutura da obra de Sófocles, compreendendo o detalhe(causa) deflagrador do sentido da trama. Ou seja, Édipo, bem como seus ancestrais, são criaturas que sofrem represálias por uma negação ou fuga das predeterminações do oráculo. E por assim dizer, o enredo vai ser sustendado pelo poder de manipulação dos deuses sobre o destino humano, castigando e determinando fados terríveis e repugnantes. Tal como no caso de Laio que recebe a predeterminação de que seria assassinado pelo próprio filho, e este por sua vez desposaria a própria mãe.
Ainda nesse sentido, a irresignação humana frente aos desígnio divinos, representada pela atitude de Laio ao mandar matar Édipo quando criança, vai acrescentar o ingrediente necessário para eregir-se a moral do sentido trágico. Como nos diz Albin Lesky em Tragédia Grega: "Todo trágico se baseia numa contradição inconciliável" (p.31). E dessa forma, Laio tenta instaurar uma contradição ao seu próprio destino. Mas, todavia, a inconciliabilidade desse ato vai estar no fato de Laio não deter informações sobre de que maneira ou forma dar-se-á seu destino, e cegamente ele imagina fugir de seu fado sem aperceber-se de que percorre o trilho que o levará a concretização dos desígnios divinos. Uma vez que ao imaginar que exterminaria o filho Édipo, furando-lhe o pé e entregando-o a um pastor que deveria deixá-lo abandonado no monte Citeron, fez tão-somente uma atitude, talvez já escrita e pré-determinada, que consumaria, contrariando sua vontade, na sobrevivência de Édipo, que posteriormente viria realmente a matá-lo, casar com sua esposa Jocasta e ser rei de Tebas. Portanto, vê-se que as ordens divinas apresentam-se irrefutáveis e inconciliáveis, ainda que se revelem em formas aterrorizantes e trágicas.
Como se a tragédia grega viesse traduzir em Édipo Rei a incontestável soberania divina, em atos de prepotência, Édipo que, por manipulação divina, veio cumprir a vontade do oráculo a Laio, consequentemente, por esse feito, vai sofrer represálias. Tebas, seu reino, é atacado por uma epidemia, produto dos deuses, que passa a dizimar todos os seus súditos. E os deuses, para tirarem a peste sobre Tebas, vão exigir que o assassino do antigo rei Laio seja exilado ou morto. Logo, inocentemente, Édipo põe-se a uma investigação profunda sobre o assassinato de Laio, e vai descobrir, de forma desesperadora sua própria culpa pelo crime.
Ai! De mim! Ai! De mim! As dúvidas desfazem-se! Ah! Luz do sol. Queiram os deuses que esta seja a derradeira vez que te comtemplo! Hoje tornou-se claro a todos que eu não poderia nascer de quem nasci, nem viver com quem vivo e, mais ainda, assassinei quem não devia! (Sófocles,p.82).
Sendo assim, a partir de uma avaliação de inculpabilidade da situação de Édipo, vemos seu trágico destino imerecido, seus castigos por razões meramente atávicas. O que vai refletir no leitor ou expectador um sentimento de dó e piedade, revelando assim a outra característica estrutural da tragédia - o efeito de piedade - ora definido por aristóteles. E a partir de então, Édipo e Tebas se purificam cumprindo a ordenação trágica dos deuses.
Em suma, a respeito do que a tragédia pode significar em termos de ensinamentos, é algo muito abrangente, indo ter desde os ensinamento mais úteis aos mais impróprios. Contudo, a esse texto, temos a frisar apenas o fato de que tudo na vida é movido por uma lógica relação de causa e efeito. Onde destino vai significar senão uma “consequência”, a nós humanos, imprevisível. Uma vez que também ignoramos suas “causas”. E por assim dizer , pode ser verídico o fato de que qualquer atitude humana trata-se de um cumprimento do destino, e a realização de um destino, por sua vez, vai também ser “causa”, na medida em que desencadeia novos acontecimentos e consequências. E assim o enredo da vida se desenvolve.
Referências Bibliográficas:
Costa, Ligia Militz da e REMÉDIOS, Luiza Ritzel. A tragédia, estrutura e história. São Paulo: Ática, 1998.
D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais. 2 ed. São Paulo: Ática, 1997.
FILHO, Domício Proença. A linguagem Literária. São Paulo: Ática, 2000.
LESKY, Albin. A Tragédia Grega. São Paulo: Perspectiva, 1996.
SÓFOCLES. A Trilogia Tebana. 8.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
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