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Erotico-->21. DOIS ANOS DEPOIS -- 19/12/2003 - 07:11 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Pensei que jamais voltaria a escrever neste caderno. Rosália partiu para o além e me considerei viúvo pela terceira vez. Na verdade, o nosso casamento não foi aquelas maravilhas. Após um relacionamento apaixonado, durante três meses de lua-de-mel, começamos a tratar-nos de modo quase incompreensível, dadas as comparações com os defuntos parceiros.

Conservei o hábito de menosprezar as minhas próprias atitudes, mas desta vez não vou poder fazê-lo, porque tudo quanto disser será a mais pura expressão da realidade, principalmente no que respeita ao fato de que, por me haver casado com uma santa, não teria como aturar u’a mulher de carne e osso, voluntariosa e inteligente.

Deixem-me explicar a conjugação desses dois atributos. Com ser inteligente, não bastaria para me afastar, porque Márcia o era no mais alto grau, mas me oferecia a compensação de carinhoso amor, de profundo respeito e de eterna gratidão. Mas o que esta não se impunha pela fortaleza de uma personalidade marcante, a outra esbanjava em talentos de caráter, sempre prontíssima a me dizer que homens como eu encontraria (houve um dia que me confidenciou que encontrara deveras anteriormente ao nosso matrimônio) em qualquer lugar.

Mas fui levando como podia, desencorajado completamente a oferecer-lhe à vista estas já meio amarelecidas páginas (das quais devo dizer que senti muita saudade). Fui levando, acumulando funções caseiras com outras tantas tarefas nos dois centros espíritas, ligando-me à união federativa do estado, pombo correio da consorte, sempre instado a realizar todas as correções em seus textos, tanto que publicou mais cinco obras nesse curto espaço de tempo, porque fez dar-me no que tenho de mais profissional: a digitação, a correção e a adaptação dos textos à linguagem usual na imprensa e na literatura espírita.

Ainda bem que, perante a minha ação crítica, sou condescendente e não me policio com tanto rigor, abrindo-me a possibilidade de consignar uma escritura ao meu próprio estilo.

Um dia, revelou-se um aneurisma cerebral e ela partiu sem muito sofrimento e sem dar trabalho à parentela.

Ao pé do caixão, todos derramamos lágrimas sinceras, as minhas voltadas para o reconhecimento de seu poder mental e de seu domínio sobre os sentimentos.; as dos filhos e netos, dedicadas quase certamente à companhia nos domingos e feriados e ao inquebrantável desejo dela de auxiliá-los em tudo e por tudo, jamais deixando de ter a palavra correta para cada situação problemática. Outra qualidade inexcedível de seu caráter era a força da verdade que decorria de tudo quanto fazia, sendo-lhe impossível colocar panos quentes em qualquer situação melindrosa.

Estou há um mês hesitante, tendo ensaiado diversas vezes este discurso, cujo principal objetivo é ser único, sem ser evasivo ou bronco. Isto significa que, uma vez formulada a narrativa deste último período de minha vida, não desejaria retornar a ele nem para o elogio das virtudes, nem para a crítica dos defeitos.

Este texto deveria iniciar pelo título: “Colocando uma pedra em cima”. Mas como aprendi a ser prudente, porque tomei diversas vezes daquela água que prometi deixar repousando na talha, também agora não vou fazer promessas vãs.

Desde que faleceu Rosália, não mais me encontrei com os meus enteados, apesar de não ter sequer resquício de nenhuma espécie de melindre, que o nosso relacionamento sempre foi o mais cordato e respeitoso possível. Mas, se disser que não sinto saudade das crianças, minto, que era com quem melhor me relacionava, quem sabe pela ingenuidade e inocência delas e por não correr eu risco algum de ver rejeitada nenhuma de minhas opiniões.

Eis a perspectiva que me estava faltando para justificar o fato de não ter aberto este caderno diante de Rosália. É que a danada não perdia vaza para a crítica perfeita de todos os pareceres que eu emitia sobre qualquer tema doutrinário. Inclusive, após quatro ou cinco palestras a que ela assistiu, umas num, outras noutro centro, dei cabo de minha carreira de expositor, para não me ver mais coberto de increpações por ousadia demasiada perante os elementos correntes entre os próceres intelectuais do movimento espírita.

Fi-lo com dor no coração mas cônscio de que, se tivesse razão para não fazê-lo, prosseguiria independentemente das críticas de que era alvo. Cada vez que Rosália, com sua entonação característica, me chamava: “Murilo, precisamos conversar...”, eu tremia na base doutrinária, porque sabia que vinha chumbo do grosso.

Deus me livre, pois, sequer de imaginar o que diria ela a respeito de todos os meus desenvolvimentos nestas folhas em que tudo parece mais o repositório das intuições preliminares que devem ter passado pela mente de Kardec, antes de sua obra de codificação, pela orientação superna dos espíritos de luz.

Mas Rosália partiu e o primeiro impulso que tive foi a de reatar este meu vínculo comigo mesmo, fórmula ideal de preparação para a minha vez de ultrapassar os umbrais da morte.

Rosália, minha amiga, Deus a receba em seu seio de glória, pela mão luminosa do pai de seus filhos. Assim seja!



Vou precisar de um tempinho para restabelecer o hábito de escrevente sem leitor, ou melhor, de muitos leitores ideais ou, como dizem modernamente, virtuais.


...............................................


Notei, ao analisar o texto que de um jato pus no papel, dois fatos primaciais:

1. Deixei transparecer nuanças de profundo desprezo pela maneira de ser de Rosália, como se tudo o que escrevi estivesse sob o signo da ironia. Devo revelar que não me passou pela cabeça exatamente esse sentimento. Isto é o que há de mais grave, porque reconheço a existência do desagrado íntimo em relação aos tempos em que convivi com ela. Pelas fórmulas antigas, se não estou enganado, deveria agora temer por uma temporada a maior nas Trevas, para resignar-me à sorte que me foi destinada, para a compreensão de que as pessoas todas devem receber de nosso coração o afeto mais incondicional.

Neste ponto, perpassa-me pela mente o pensamento de que o precipitado fui eu mesmo, que desejei oficializar os nossos vínculos afetivos, quando poderíamos ter mantido um róseo período de amizade mais chegada, despedindo-nos, sem rancores, sem susceptibilidades feridas, sem compromissos no etéreo de resgate dos sentimentos (ou vibrações) em descompasso com a harmonia que deveríamos estabelecer, tendo em vista o dom de perfeição de que somos informados.

Eis que, neste ponto, pareço defender o amor livre ou, na pior das hipóteses, o pluralismo conjugal ou a poligamia. Nada seria mais injusto para comigo, porque assumi o matrimônio e não tive, em momento algum, o desejo concreto de separação. “Agüentei as pontas”, como meu coração me determina escrever.

Agora é minha consciência que ergue a voz que tento sufocar, sem sucesso. Ela me diz: “Murilo, e se você, levado por estes últimos tempos de leito partilhado, estabelecer que as tais amizades coloridas são de qualquer modo úteis para o seu equilíbrio fisiológico?...” Aí, deverei volver a esta página e refazer os elementos das premissas, para argumentar diferentemente.

Brincadeira!

É que me envergonhei de haver redigido tão prontamente as idéias que, tais ligeiras abelhinhas, zuniam ao derredor de minha vontade insuspeita de elaborar um texto mais longo e também bastante promissor. Nutria a esperança assaz subjetiva de volver a este bazar de idéias e conceitos, longe do olhar inquisidor da “megera indomada” (valha-me a referência canhestra ao texto shakespeariano). Este é como um refúgio de minha alma e me pareceu estar bem evidenciado no texto acima.

2. Não é verdade que estou parecendo mais velho, ou melhor, mais velhaco, e que a convivência com Rosália me amadureceu em certos aspectos, como se tivesse realizado estágio num convento, na qualidade de enclausurado, tonsurado, afligido pelas tremendas penitências de severo confessor, recluso na cela apenas para sair com o objetivo do trabalho comunitário de hortelão, cozinheiro, despenseiro e copista?

Acho melhor parar por aqui, senão arquivo este texto direto no cesto ao pé da escrivaninha. Aliás, faz tanto tempo que não manuscrevo, que me dá ganas de colocar tudo na tela do computador. Então, diria: “desarquivo” este texto, “deletando”-o, ou mando para a “lixeira”...

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