No Caminho do Sol
No caminho do Sol, estou indo.
E numa esquina, dobravam-se olhos alheios.
Um Homem maltrapilho em coreografias lineares alimenta com migalhas amanhecidas, das suas noites em insónia, pombos.
Piso no duro asfalto, ele sublime dança com pombos.
Levanto o braço direito, fazendo sinal à um ónibus de linha urbana, entro, o motorista nem olha para mim, mesmo assim eu agradeço: Obrigada.
Pego o passe, entrego ao cobrador que estava cochilando com a cabeça encostada na janela de vidro, embaçada.
Atravesso a linha imaginária da catraca para o assento, sento.
No caminho do Sol, ouço uma sirene enaltecida, cortava a avenida fria, escura...
E na garganta esquálida dos viadutos, corpos adormecem entre a fumaça apática dos automóveis frenéticos.
Continuo, e, no caminho do Sol, uma janela, dois olhos curiosos, um semblante, a Mulher.
O que pensava? O quê olhava? Ou apenas só olhava o vazio e nada pensava? Será?
Percorro mais alguns metros e semáforos de meus pensamentos e no Caminho do Sol,
A inópia porta de um botequim obscuro, escuro, copos sujos - corpos, pia encardida de mármore - pensamentos.
Na tela antiga da televisão, imagens ambíguas em preto e branco; vidas, sentidos, sem cores, amores; passam em capítulos no coração vazio de um botequim qualquer.
Ao outro lado da rua, mas ainda no Caminho do Sol, outro Homem.
Remendava com lajotas o tapete de concreto.
O prédio amarelo com janelas azuis me chama a atenção. São cores envelhecidas, tristes, como os ares pesados e sombras que envolvem as extremidades do centro da cidade.
Chego. Desço no ponto final da linha urbana, caminho para meu destino, agora sou mais um no meio da fumaça, das vozes, dos cheiros, dos olhares.
Sou mais um que tromba nos ombros de quem passa apressado e não olha por onde anda, e não olha por onde passa, e não olha para onde vai, e não olha ao seu redor, e só olha para dentro de si, e só enxerga o que está dentro de si, e ao longe não tem visão, e olha para baixo, chão. Cabisbaixo é como somos, estamos.
Levantem!
Sinto o cheiro, o cheiro do que vejo, do que penso e do que nada faço.
Erika Viana
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