O escritor Wolf Wondratschek pergunta:
"Faxina na casa do idioma?"
Trad.: zé pedro antunes
Eu mesmo não tenho nenhum apego especial pelo slang [gíria]. Eu não escrevo, mas penso em slang. Desperta o meu interesse. Como falam os saltos das minhas botas? A rua, o que responde? O que canta um corte de cabelo? Quanto tempo ainda pretendem guardar silêncio as árvores sob as quais eu caminho? É este o tom de voz que eu preciso acrescentar à língua materna, quero lograr algo desses sobressaltos, que se distinguem tanto pelo portentoso brilho formal, como pela indeterminação do conteúdo. Sons naturais talvez, que poderiam ser de animais, ou do vento que os traz às minhas orelhas.
Tal como o que dele se serve, como autor, o idioma é um ladrão. Em sua camada central, opulência e abandono, inseparáveis uma do outro. Há que aceitá-lo. Pois há algo de inaudivelmente presente, sempre, uma outra coisa que fala, obscuramente apenas, seja masculina seja feminina, de madeira, ar, pedra, ouro. Emociona.
Tediosos, ao contrário, são os enganadores, sobretudo os que provêm dos pelotões de faxineiros. Eles que, como ouço agora, se dispuseram à faxina na casa do idioma. Mas quem ocupa ainda essa residência? Lunáticos não sóem ser sedentários. Seria preciso desinfetar o fluido. As tropas estão perfiladas diante das paredes. Para elas, encontra-se impedido o acesso. Mesmo do telhado, elas não conseguem tocar o céu. Antes, risos, como se de gaivotas, por sua causa. A ausência de perspectiva da empreitada faz com que elas tomem ao pé da letra tudo o que ouvem. Como reagir? Existe uma ordem a ser cumprida, há que negociar. Os ausentes passam a constar em ata como excluídos.
Alguém grita "merda", e soa patriótico nesse contexto. A mesma palavra, espirrada numa das paredes como grafito, causa repugnância.
|