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Humor-->Era uma vez... -- 28/08/2003 - 17:08 (J. B. Xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era uma vez...

Max Gehringer


Na terra de Gramática viviam quatro advérbios de tenra idade, de nomes Portanto, Logo, Todavia e Sempre. Eram filhos legítimos e morfológicos de Antônimo e Fricativa, casal etimologicamente correto e engajado em campanhas do tipo "Salvem as Onomatopéias", pela preservação das espécies ameaçadas.

Porém, numa noite em que os asteriscos coruscavam pelo céu ortográfico, Antônimo e Fricativa foram participar de uma passeata de protesto contra os neologismos e se meteram em uma confusão polissílaba. Os dois tentaram escapar embrenhando em um período composto, mas foram perseguidos por fanáticos neólogos e agredidos por golpes de travessão. As pancadas afetaram-lhes profundamente os tritongos, e daquele dia em diante eles nunca mais conseguiram conjugar coisa com coisa. Os jovens advérbios tiveram então que ir morar com um velho til, já meio intransitivo, que cultivava apóstrofos silvestres.

Sob a tutela sintática do til, Portanto, Logo, Todavia e Sempre cresceram equilibrados como um ponto de exclamação. Eram cheios de prosódia e andavam sempre adjuntos, colecionando prosopopéias e empinando catacreses. Acordavam com as primeiras badaladas do sinônimo da Matriz e, à noite, antes de dormir um sono sem vocativos, faziam suas orações coordenadas.

Mas a felicidade é fugaz como um pretérito imperfeito. Numa triste manhã de paráfrase, enquanto escovava seus solecismos, o velho til sucumbiu a uma fulminante metáfora aguda no particípio. E os pobrezinhos dos advérbios ficaram novamente órfãos, mais perdidos que cedilha no Japão.

Apelaram então para Dona Semântica, venerada mestra de plenos predicados, que um dia os havia ensinado a brincar de mesóclise. Já com idade suficiente para requerer obsolescência por tempo de serviço, habitava a mestra em uma diminuta conjunção, cheia de antigos objetos indiretos. Apesar de acometida por um forte hiato na silepse, dispôs-se Dona Semântica a recebê-los e aconselhá-los. Paciente como uma desinência da quarta declinação, a mestra explicou aos adverbiozinhos que eles teriam que começar a procurar trabalho para garantir o sustento. Caso contrário, poderiam vir a ter o mesmo fim dos infelizes Tu e Vós, que perderam as coordenadas e acabaram no Manicômio dos Versos Alexandrinos.

Podia ser um conselho cruel, mas era grátis. E de graça, pensaram eles, até interjeição na veia. Mas por onde começar, se nem amarrar um topônimo eles sabiam?

Resolveram bater à porta da prestigiosa empresa Vernáculo & Fonético, líder do ramo de homógrafos. Lá, foram recebidos pelo pomposo doutor Étimo, Diretor de Relações Consoantes, um senhor cheio de respeitosos circunflexos e que começara sua brilhante carreira por baixo, abrindo parágrafos.

O doutor Étimo se compadeceu do drama dos advérbios desempregados, mas após as entrevistas explicou-lhes, compungido, que a crise estava acentuada. E com acento grave. Poderia até encaixar o ditongo oral, Todavia, numa função de Auxiliar de Hipérboles, mas, infelizmente, não havia nenhuma vaga proverbial para os três paroxítonos.

Portanto, Logo, Todavia e Sempre saíram da Vernáculo & Fonético em estado de absoluta cacofonia. Sabiam que não poderiam viver entre parênteses o resto de suas vidas, e que precisavam se atualizar para poder competir no mercado. E que, sem uma boa hifenização, jamais passariam de simples anômalos.

Puseram-se a estudar, e estudaram tanto que seus anacolutos ficaram com indeléveis sinais diacríticos. Enfim, devidamente diplomados em Assindética, imaginaram estar com o futuro garantido. Mas qual o que: agora, diziam os empregadores com aquele ar rizotônico, o problema era que eles não tinham experiência anterior. A imperativa revelação feriu-lhes de chofre a concordância. Desconcertados, saíram pelas crases a vagar, monossilábicos e em total abstração. O que seria de seu futuro?

Foi então que uma voz passiva lhes sussurrou que, muito além dos limites da Terra da Gramática, havia um lugar chamado Brasil, onde as regras gramaticais viviam em estado de absoluta lambança. Lá, talvez, eles conseguissem encontrar alguma colocação.

E foi o que os jovens advérbios fizeram. Mas a mudança de ares e a entrada no mercado de trabalho brasileiro não lhes assegurou um futuro tranqüilo. Até pelo contrário: com o minúsculo que ganhavam, jamais tiveram condições para comprar um pleonasmo zerinho, nem de passar férias no Léxico. Mas, pelo menos, estavam empregados, e não demorou muito para que cada um começasse a se acostumar com a eterna rotina de vida dos trabalhadores brasileiros... Sempre endividado, Logo conformado, Portanto sem perspectiva e Todavia otimista.
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