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Humor-->Buatania -- 27/08/2003 - 03:07 (Marcelino Rodriguez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UM HUMORISTA
EM
BUATANIA




PRO´LOGO

Esse meu oitavo livro, como quase toda minha obra, foi escrita ao sabor das circunstancias; muitas delas, amargas. E quase sem grandes planejamentos, já que a luta pela sobrevivência de todas as maneiras, nunca me deram tempo de programar uma obra de mais consistência. A humanidade vive um tempo decadente, mesquinho. Talvez o homem esteja mesmo tendo que tornar-se outra coisa. Ou extinguir-se-a´ pela própria mediocridade.
Sou um autor que escreve com seu próprio sangue, e aqui também assumo minha hispanidade, o que fez-me entender o porque que não vejo injustiças com muita tranqüilidade. E já´fui, não poucas vezes, vitima delas. Descobri perplexo que esse largo espaço de terra chamado Buatania, e´todo ele uma terra de ninguém, uma terra de “estrangeiros e instrangeiros”, no sentido que usou Cristovam, de modo que todo homem que reconhece sua origem, sabe que ser cidadão e´ um processo natural da personalidade. E não pode concordar em servir ao erro. Daí minha condição de “estrangeiro assumido”, também como protesto.
Mas não sou saqueador, nem covarde, nem hipócrita, nem ladrão. Sou um homem!
Grande contingente de pessoas agem aqui ainda como saqueadores, não mais de ouro apenas, mas de potencial humano.
Os índios são os únicos nativos puros dessa terra. Deveríamos deixar que eles tomassem conta de vez de todos os poderes, talvez assim a humanidade voltasse a reinar aqui em Buatania, onde a honra, a inteligência, a cultura e a integridade parecem valores cada vez mais esquecidos. Esse livro e´ o reflexo das marcas do tempo que vivo; um tempo de traição e solidão; desencontro, indiferença, perplexidade e dissabores; enfim, um tempo de falta de amor.
Mas continuo apostando na honestidade; na minha, de cabeça erguida, limpo diante de Deus numa conta bastante razoável, pois o mundo se equilibra ainda, fragilmente, pelos homens que ousam defender a justiça, não a dos homens, necessariamente. Essa há dois mil anos atrás já´mostrou que se presta a forças de baixa evolução. Sempre quis e tentei dar o melhor, mesmo protestando, porque como dizia o poeta português “Ser descontente e´ ser homem”. Todo portador de tesouros recebe algumas pedras no caminho daqueles que não sabem ver ainda no bem de seu pro´ximo a imagem do criador; cada ação humana espelha o Deus que adoramos. Assim aqui esta´, e perdura, um homem honrado por principio e inteligente por esforço, pois Deus da´as pernas, mas quem caminha somos no´s; e diante dele, como da vida, somos todos tolos. Algue´m já disse que minha carteira de identidade são meus livros, já a conta bancaria são outra coisa. Esse livro pretende concorrer ao Nobel.

Rio, 18/08/2003



COLHEITA


Todos querem colher flores
E delas viver a vida;
Amor, e provar dele o sabor.
Mas é preciso, no dia claro,
Abrir as mãos e peitos avaros
E deixar cair as sementes
Do que se aspira colher.

31/01/2002


CIDADÃO ZERO

Uma Vez disseram-me que no sistema social que vivemos pagamos para ser maltratados.
Comecei a observar que essa e´ uma verdade verdadeira. Há dois dias atrás senti isso na pele, sofrendo para comprar um fogão numa dessas lojas populares, que , antigamente, funcionava bem, quando a usura do sistema financeiro não tinha feito tábua rasa do nosso credito ainda.
Como não devia nada na loja e estava com o nome limpo, longe por ora, dos spcs da vida, o vendedor adiantou-me que eu compraria sem entrada. Evidente que fiquei radiante. “Puxa, alguma coisa ainda vai normal nessa terra, pensei...”
Minha felicidade durou ate´ eu subir o segundo andar, onde a negociação se efetivaria de vez.
A mulher do crédito era de uma frieza e antipatia assustadoras. Olhou minha ficha aprovada com desprezo, foi no computador e após consultar seus misteriosos dados, falou:
— Seu Jesse, o senhor atrasou sua última compra aqui há dois anos, por que?
— Bem, problemas econômicos, provavelmente.
Não me disse mais nada, deu meus papéis e liberou-me para o vendedor. Pensei que estava livre. Não estava. Voltei ao vendedor:
— Senhor, olha só. Como o senhor atrasou a última vez, a financeira esta´ pedindo uma entrada de trinta por cento, sessenta dinheiro.
— Meu amigo, isso e´ tudo que tenho no bolso. Não devo nada, que papo e´ esse de ter que dar entrada, nunca foi assim...
— Mas e´ a financeira...
— Olha, meu amigo, não posso dar isso tudo, não. Posso ate´ pagar uma prestação adiantada, mas dar isso tudo me parece absurdo. Que crédito e´ esse? ...
— Bem, vou tentar com ela ver se consigo deixar a entrada por quarenta dinnheiro....
Bem, ele não conseguiu comover a financeira, que evidentemente não esta´ preocupada com sua fome ou desconforto, lógico. Nem a firma do qual Jesse e´cliente há dez anos. Nem ninguém. Com nome limpo, sem dever nada e tendo pago juros, saio sem o cre´dito. O mercado quer mais...
Claro que o comercio esta´ burro e nós todos estamos sendo governados por agiotas, patifes e covardes, e que temos ainda a ilusão que isso aqui e´ uma nação e não apenas um conglomerado de pessoas.
Por trás desse mundo satânico, a humanidade.
Fico sem saber quem e´ o pior; ou se gente e o coisa ruim da´ no mesmo.
Cidadão exemplar, nome limpo, volto sem o cre´dito. Quem mandou eu pagar juros?
Quando e´ que no´s aprenderemos a dar calote ou umas chibatadas? Não as deu Cristo nos vendilhões?
Sim. Pagamos para ser maltratados.
Eu, em dia com as contas ; com a cidadania, zero.

07/06/2003


DIÁRIO DE CULINÁRIA

“Hoje eu tinha partido em seis, três jilós, para o meu almoço. Faço isso na chaleira de café. O apartamento é pequeno e não cabem muitas panelas. Acontece que enquanto punha a carne cozida em cima do macarrão, esqueci o jiló no fogo. Almocei sem eles. Moral: deixei o jiló pra janta. Vou comê-lo frio. “
Se eu parasse aqui a crônica, e ela fosse ser analisada de um ponto de vista literário e não culinário (um idiota só veria aqui a parte culinária, o que ele pensaria ser o óbvio, mas há um (vários) conteúdos metafísicos) e até das artes bélicas.
Analise do sujeito: o camarada demonstra estar improvisando (faço isso na chaleira de café. O apartamento é pequeno e não cabem muitas panelas.) e oprimido pelo espaço. O esquecimento do jiló demonstra uma desatenção do sujeito, que pode ser um tipo dado a devaneios ou talvez estivesse com o pensamento longe do que fazia no momento por uma opressão externa.
O esquecimento do jiló no fogo poderia ter causado uma tragédia, se não fosse percebido a tempo; um incêndio talvez.
Por que o sujeito comia exatamente macarrão, carne cozida (o que pressupõe que seja carne de segunda) e jiló? Aqui poderia haver uma tese econômica. Marxista ou Capitalista, poderia se dividir o caso do jiló em duas analise distintas. Duas diferentes academias.
O fato é que o sujeito pode ser visto como um estrategista ou apenas um pobre; ou um pobre estrategista ou um estrategista pobre, o que são coisas diferentes.
O mundo pode ser comparado ao Jiló; talvez o jiló tenha antecedido ao homem e dele, o jiló, tenha vindo toda a cultura humana e sua extraordinária complexidade, do folclore popular à tecnologia de ponta. Talvez por isso o mundo tenha gosto de jiló; ninguém sabe com precisão se ele presta ou se não presta – eu gosto. E serei sempre grato de ter esquecido meu jiló para o jantar; jiló frio é outro prato. Moral: quem não tem muito, tem que ser muito. E do jiló de cada dia faço meu cozido.

07/01/2002



Rilke disse que era uma boa para a arte, que nos aproximássemos da nossa infância.
Sinto-me tentado a viagem nesse outro tempo. Nesse outro mundo.
Escrevo aqui na madrugada, insone, pensando em como desvencilhar-me das ciladas e dos canalhas que tornaram a vida nesse pais sordida, quase inviavel.
Minha infancia...
Aquele menino e suas decobertas, a realeza e galhardia daquele coraçao, sua mistica.
Como reecontrar-te, infancia, se estou perdido na noite?
Essa traiçao da vida que deixou-me so, estrangeiro, carregando comigo inuteis tesouros para os infiéis, para os alienados e os indiferentes.
Onde consolar-me , se uma distancia de almas fizeram com que eu perdesse o menino dentro do homem.
Não, o menino não cabe nesse mundo vil.
Ele e´grandioso demais, belo demais, e essa mundo já não o comporta.
Vamos deixa-lo la´ na sua terra remota, no mesmo patamar em que os antigos e eternos deuses habitam.
Deixai ficar so´ o homem e sua sobrevivência...

10/06/2003









O DESTINO FAZ A HISTO´RIA

Não foi por falta de amor que nos afastamos. Sempre houve flores e pássaros em nosso jardim.
Nos afastamos porque o destino fez com que nossas almas se desencontrassem em algumas de suas esquinas... não haveria como explicar-nos, pois os tempos mudaram e hoje costumamos pensar que o silencio e´ crime. E de tanto andar, paramos; de tanto falar, não nos compreendemos.
Havia projetos na minha alma. Não deu-me o nosso tempo a oportunidade.
Foi assim que partiste, levando tuas flores de papel que depositavas para mim toda manha, sobre a mesa.Também levaste a mesa. E deixaste-me talvez algumas injurias no ar.
Tudo na ansiedade do amor e do ódio, como talvez tivesse que ser, porque raramente percebemos na partida do outro um sinal de profunda amizade.
Terás futuro melhor que o te inquietares com os rumos que possa tomar minha poesia ou minha suposta pobreza.
Eu voltarei a ser sob o céu, entre as pedras e o mar, como a ilha e seu mistério.
Lembremos apenas sem arrependimento ou ma´goa que a eternidade nos escolheu para passarmos um tempo apenas, que não deixou de ser eterno, porque tudo que e´ forte e´ eterno.
Sei que me entendes.
Agora despeço-me de ti para a solidão. Compreender o que os anjos murmuram ao crepúsculo e´ um terno e árduo trabalho...

09/06/2003


POEMA NÃO ESCRITO


Dia desses passei uma experiência interessante, causada por um despertar no meio do sono, por volta das três horas da manha. O céu magnificamente estrelado, as ruas silentes, livre do trafego humano, transmitiam uma paz e uma liberdade que fez-me ter uma grande vontade de deixar a civilização decadente das metrópoles competitivas e sobretudo a desagradável companhia dos homens e de seus comércios destituídos de inteligência.
Minha alma estava livre.
Pensei escrever um poema, e depois de algum conflito interior melancólico, desisti. Para que? Também a mim o senso da utilidade já se faz quase um tirano. E´preciso, ao menos enquanto der e valer, sobreviver. Não interessa aos outros meus poemas, ao que parece. O mundo anda um tanto impermeável aos milagres das sutilezas.
O que ainda tenho de poético e humano deixa-me com um senso estranho de estrangeiro entre as pessoas; estarei também virando um predador?
O caso e´que o poema que não escrevi, o primeiro em minha vida que por rebeldia e desencanto reneguei, falaria sobre aquela revelação de ter encontrado num vislumbre iluminado o meu verdadeiro rosto, no meio da noite, entre as estrelas, e que a distancia que separava aquele ser livre que eu verdadeiramente era e aquele que vive aqui, aprisionado na terra baixa dos homens, era a mesma que separa um anjo de um asno.
Assim que a vida me der sorte, fugirei para a noite e seu silencio desértico , a fim de encontrar-me novamente, no espelho natural de paz e liberdade.


05/02/2003






Para mim, a maldade é incompreensível do ponto de vista da inteligência e da sensibilidade. Choca-me como coisa do outro mundo ver as pessoas jogadas pelas ruas sem nenhum tipo de assistência ou carinho. Que futuro podemos esperar dessas crianças que andam vendendo balas a dez centavos dentro dos ônibus? E esses homens em idade produtiva sem emprego exercendo o mesmo “trabalho”? Será possível para sempre que o país que vemos nas ruas sempre será diferente do que apregoam os economistas? Proponho uma educação humanitária para os políticos e educadores, pois não são outros os responsáveis pela insensibilidade humana com que os que se pensam livres da miséria, estando dentro dela vinte e quatro horas.

17/07/2002


JOVEM NO MUNDO VELHO

Vinha pela rua sentindo o vento com alegria franciscana. Seu jovem coração vermelho nunca se realizaria talvez nesse mundo. Sabendo, porem, da sua dignidade, estóico, Jesse carregava no peito uma alegria que jamais poderia partilhar: o sonho de ver uma felicidade coletiva, com as pessoas se importando umas com as outras.
Sabia que o mundo estava distorcido, que jamais o amor teria prioridade sobre o lucro. Que botões, cartazes, tecnologia, tudo estava voltado para o consumo rápido, sem futuro.
O futuro havia morrido.
Mas Jessé jamais, em momento algum, se traíra.
E continuava a ver a todos, mulheres e homens, velhos e crianças, bichos e anjos com o mesmo sentimento de fraternidade; continuaria carregando aquela estranha fidalguia, aquele orgulho ate´ o momento da sua morte, ate´ seu encontro com Deus ou com o grande silencio.
Quem ama, nada precisa explicar.

03/1/2003



LIBERDADE

Uma porta há de haver
Ainda que estreita;
Uma janela,
Ainda que pequena,
Mas aberta ao céu profundo.

Há de haver
Entre todas essas teias
Que nos cercam
Um vasto, um pássaro, um sonho
Que nos regresse
Um imortal caminho para a liberdade.

O REI E O HOMEM


J vinha pela calçada distraído quando topou com uma carta de baralho virada; a curiosidade o fez virar para descobrir naipe e figura. Topou então com o distinto Rei de Copas. Sentiu-se estranho. Por que achou ele aquela figura, uma única carta? Um rei?
Olhou em volta, para o céu, sentindo que estava diante de um mistério, um enigma real que também agora lhe dizia respeito. Não era confortável aquela confrontação. Se, por um lado, o rei era seu cúmplice; por outro, sentia-se atualmente distante de qualquer majestade.
E no entanto topara com o Rei.
Sabia que podia, se quisesse, fingir que era apenas um acaso aquele encontro. Mas resolveu aceitar que o rei lhe trazia uma mensagem, um desafio. O rei solitário, sem nenhuma outra carta que compusesse com ele um sentido.
Carregou o Rei para casa, para perguntar o que a mulher acharia daquilo. Ela ponderou que era um signo de boa sorte. Um rei, figura proeminente; copas, simpático naipe sentimental.
Ouviu a opinião e jogou a carta fora, pois J a algum tempo jurara não juntar mais papel, de tão sentimental que era acumulava-os em profusão.
Mas o Rei ele carregaria na alma, sabendo que jamais decifraria a razão da sua existência, porque agora o mistério o subjulgava. Escolhera o rei ou fora escolhido? Para que missão?
Jamais saberia.
O Rei de copas lhe denunciara que tudo e´miste´rio e silencio num livro paradoxalmente aberto, e que jamais saberia decerto qual seria seu verdadeiro rosto.

09/01/2003






CHUVA


Chove, enquanto penso. Fecho a janela para que a água não me afogue em casa. Protegido pela solidão, tento entender a melancolia inerte que me envolve.
Vivo em muitos tempos dentro desse tempo confuso.
Chove sobre as revoluções que passaram e sobre as que não vieram; sobre as guerras que se foram e que sobraram.
Chove sobre escombros.
Abato-me sobre ele, repleto de líricos sonhos que já não me iludem.
Um olhar de polonesa triste, a lembrança de um filme, os caminhos que trilhei e não valeram, a consciência profunda da realidade que um dia tropecei e que não me salvaram nem meus poemas nem os poetas.
E assim e´ que achei-me so´ nessa chuva, uma chuva desenganada e forte.
Cresci finalmente, grave como a chuva.
E nessa viagem nos tempos penso que a chuva nunca comoveu os homens, empenhados em sofrer e fazer sofrer.
Mais triste que a chuva e´ que não consigo chorar; desaprendi quase completamente.
Apenas a vejo, com triste deleite, impedir-me de sair de casa, e de iludir-me. Do naufrágio da tarde consciente que se vai, erguido sobre a solidão heróica dos pensamentos e dos fatos que, dizendo nada dizem, fecho-me no exercício de fabricar com as palavras barquinhos de papel que permitem meu sobrevivente naufrágio na chuva absoluta.
05/11/2002
.

O DRAMA DELES

— Amor, adivinha o que o Flavio nos deu de presente de casamento?
— Não tenho a mínima idéia — responde ele.
— Não quer arriscar?
— Sei la´, um som?
— Não.
— Então, o que?
— Chuta ai? O que Você pediu?
— Nada. Qualquer coisa.
— Bem, ele deu um dvd. E como no´s já temos um, vamos vendê-lo e comprar um som.
— Ei, perai, meu bem, as coisas não são assim; ele foi meu padrinho, quem decide sou eu.
— Não. Nos estamos precisando de dinheiro.
— Pra que?
— Ora, todo mundo precisa de dinheiro.
— Querida, as contas estão pagas, um som e´barato.
— Então manda trocar.
— Jamais. Não vou incomodar o sujeito de maneira nenhuma. Ele já fez muito.
— Ah, se eu encontrar eu vou falar, não tenha nem duvida, quero nem saber..
— Meu Bem, assim não da´; não estou te reconhecendo.
— Você pensa o que, gastei dinheiro nesse nego´cio.
— Eu, não, por acaso?
— Você quer botar no papel?
— Quero, vamos lá.
— Os moveis?
— A cômoda foi eu, meu bem. A estante também.
— Ta´, e fogão, geladeira, sofá?
— Esqueceu a cama de casal, querida?
— Vamos contar então?
— Sacrifício por sacrifício?
— Quem trocou o conforto por essa espelunca?
— Espelunca? Isso aqui e´ espelunca? Vá casar com o Onassis, minha filha?
— Dexei meus pais, fui me meter-me com um artistazinho sonhador, agora estou nessa atoleira.
— Meu bem, casamento não e´ nego´cio.
— Eu não vou ficar com dois dvs, ta´ ouvindo.
Bem, o fato e´ que duas horas depois o casal estava em prantos, sentindo-se miseráveis, ambos irreconhecíveis em la´grimas, pois o inesperado e valioso presente despertara ambições e sombras em ambos. Sentiam desejos suicidas, homicidas e fratricidas. Quase sangraram de sofrer...
A noite a angustia de morte espocou nele num sonho libertador: Sonhou que amarrara o dvd ao estomago como se fosse um terrorista e atirou-se da janela. Lá embaixo encontrara entre fragmentos do presente, seu corpo inerte e sorridente, finalmente em paz e no nada que sempre pedira aos céus.


09/01/2003

OS DIAS

Mais um dia que passa,
Mais um dia que passa
E não me leva.
Permaneço, então,
Deixando-me ir com os dias,
Tateando a graça pelos caminhos
Como um barco esperando a onda
Que lhe mostre a praia definitiva.





ENCONTRO COM O ETERNO

Entrou na livraria e viu com angustia a enormidade de títulos e estímulos. Já lera um tanto na vida, um bom tanto. Pegou um exemplar nas mãos e lia-o ollhando em volta. Queria ler tudo. Mais queria talvez mais... livros... tudo aquilo era a sua vida. Na verdade, o que queria era escrever, inventar, ser mais, superar-se, dar-se em arte e criação ate que so sobrasse de si um passaro livre e a eternidade. Sim, o que precisava era criar. Só dessa maneira saberia ser e vier-a-ser . A escrita era seu ato consumado e sua transcendência.

10/01/2003

SACOLAO

Cato as moedinhas para ir ao sacolao. Percebo, de uma forma nítida e dramática, que talvez minha ruína financeira seja irreversível. Poderia barganhar com Deus na hora da minha morte: “veja, cometi alguns pecados, mas você também deu-me uma vida difícil”. Um grande cérebro, capaz de imaginar grandezas estelares, uma exuberância de talento, e jogou-me, como se eu fosse um qualquer, no terceiro mundo de um pais extravagante latino-americano...
Comprava tomate, pepino, cebola quando, dilema metafísico, percebi que havia meio quilo de lingüiça a três e cinqüenta e fiquei em duvida se o compraria ou não. Meu tormento de alguns minutos pareceu um século. Quase morri de angustia. Decidi apostar na minha fé em Deus. Que se dane, Ele provera! E comprei a lingüiça.
Na hora de pagar, as moedinhas que havia esquecido caíram no chão e bastaram, pois o sacoleiro, confiando na minha honestidade, deixou que eu devesse trinta e cinco centavos.
O Buataneiro do norte, vizinho de baixo, catador de papel que usa por vezes chapéu tipo Lampião, ouvia alto “Te Voglio Bene”. Senti-me no primeiro mundo, então.
“O pão nosso de cada dia nos da hoje” – Cristo sabia das coisas...


07/01/2002
UM HOMEM TRISTE


Ha´ tempos nao escrevo uma crônica, pois nem as ilusões ou as desilusões andam valendo a pena. Voltei do interior e vejo que o caos urbano e a decadência humana continua. Noventa por cento do que escrevi para namoradas, noivas e esposas de ocasião podem ser esquecido da minha obra. Como diz ai o povão, viajei na maionese. Elas decepcionaram. Entao as mulheres não devem ser tema para mim tão cedo, ou nunca mais. Todas. Curiosamente, para a única que se salvou, nunca escrevi nada, mas nos separou o destino limitado de ambos. Pulemos as mulheres, a política, a metafísica. Vou falar hoje de um olhar de um homem triste.
Foi num bar da no Centro de Buatania. E´ramos uma meia dúzia de pessoas que pensamos por pensar que uma utopia fosse possível talvez. Mas sabemos pela carruagem de burro em curso, que toda esperança esta´ castigada. E fomos tomar cerveja. Um deles, o homem do olhar, não queria sentar. Adivinhei seu motivo e brinquei com ele "pode deixar, ninguém´m vai te discriminar por estar duro". Ele riu e sentou. Esse era de fato o motivo. Todos nos conversávamos e bebíamos e ele calado, o olhar distante, o riso forçado e generoso. Via-se na sua alma a ferida profunda, que poderia estar vindo de va´rios motivos. Algumas vezes tentei anima´-lo com humor negro, porque sei bem o olhar da dor.
Sei bem o gosto da tristeza.
E um homem triste merece todo meu respeito.
Por isso essa crônica e´ em homenagem ao olhar desse jovem, que era para mim como um espelho.


UM CORONEL ENSINANDO

O marinheiro aposentado dava ao enteado com autoridade lições de como matar baratas e ratazanas, explicando detalhadamente o remédio que inventara e as vendas que fizera. Sempre com o brilho no olhar de felicidade que nem a bengala provocada pelo derrame lhe tirara. Ele jamais admitiria qualquer tipo de derrota, nem morto.
— O principal da mistura é o acido bórico. Pode-se também por um pouco de cerveja que atrai as baratas pelo cheiro. Cebola e queijo ralado. Não fica um. No restaurante da praça não ficou um rato, minimo que fosse. Quando eu ia la o Portugues me servia ate´ bacalhau com chopinho.
— O senhor que inventou? _ perguntava o jovem melancólico, imaginando com inveja como ele poderia estar feliz com atividade tão estranha, e sentindo-se pobre e inadequado de não saber como tirar daquilo uma razão metafísica.
— Eu tinha metade do macete, o resto eu criei. Mas não dou a formula a ninguém. Rato e ratazana não é a mesma coisa; as ratazanas podem ate´subir pelas janelas, certo? os ratos não, se escondem.
O jovem pensava como pode alguém enveredar a mente por um nego´cio daqueles, embora admitisse que ratos e baratas de fato deviam ser mortos; sequer entendia porque Deus os criara; assim como as cobras, sapos e outros bichos repugnantes. Achava a vida sórdida a maior parte das vezes.
O velho coronel parecia ficar gigantesco ao narrar sua habilidade para produzir veneno e vendê-lo sem nenhuma vergonha. A própria bengala que ele usava parecia-lhe sublime, uma arma a mais no porte do padrasto, contando essas coisas num dia de Domingo.
Pensava se aquele surto de arrogância e felicidade era um blefe do coronel. Se so´ele carregava aquela insatisfação espiritual básica com a existência.
Sentia vontade de ser outro, ou de não ser. E ficou pensando, ao deixar a presença do velho, se alguém ao vê-lo caminhar admiraria nele o que quer que fosse e também sofreria algum tipo de impacto como aquele que o coronel lhe fizera sentir no Domingo nublado.
“Ninguém vive no mesmo mundo” – pensou, enquanto ligava o aparelho de televisão, talvez para esquecer o quanto sempre seria fraco diante do velho que o criara.

13/01/2003


A FOME

Entro num restaurante na Praça de Buatania, peço o prato “citadino”, que e´ composto de bife, arroz, ovo e batata frita. A vida anda dura e confesso que por vezes tenho medo de faltar-me os recursos de sustento. Tenho me virado em mil para ganhar dez.
Creio mesmo que Jesus tem me ajudado a ganhar esses dez e caminhar essas mil léguas. Meu destino tem sido o de um romeiro da metrópole em busca de achar um porto seguro. O dinheiro curto fez-me pensar num russo, que não tenho certeza do nome, que escreveu um livro chamado Pão. Estava com esses pensamentos quando um rapaz, vestido de modo simples e portando uma bolsa nas costas me pediu comida, dentro do restaurante. Olhei em volta, vi que tinha gente menos preocupada e comendo pratos mais caros que o meu e perguntei-me porque o rapaz veio direto a mim.
Sentou-se do meu lado.
Eu já´ havia posto o bife, arroz, feijão e alguma batata no meu prato. Dei-lhe a outra parte que ainda restava na bandeja, mas não lhe dei a água mineral, que ele olhou de forma sorrateira. Não quis demonstrar muita bondade, porque poderia ser contraproducente. Fiquei pensando na situação inusitada do sujeito pedir comida a um cliente do restaurante e não ao dono ou gerente. Era um jovem, dizendo estar desempregado. Eu ali, dividindo meus limites com ele.
Terminei de comer pensativo nesse acontecimento.
E pedi a Deus que nunca me deixe chegar na situação daquele rapaz.
Fiquei triste pensando porque ele me escolhera e não a outro.
Impossível, mesmo dentro de um restaurante, fugir a indignidade desse pais, que comercializa a vida e a integridade humana a um preço sórdido e a uma covardia sem par.
E parece que só´ eu me incomodo com isso.
Deve ser porque sou estrangeiro.

08/07/2003




Meu romantismo anda acabando, confesso. Ao menos em relação a mulheres. Já´ desperdicei poemas e juras a mais ingratas do que devia. Acho que em geral nem as mulheres nem a maioria das gentes sabe bem o que e´ e como e´ um poeta.
Talvez as areias do mar, os peixes e os pássaros e as estrelas nos entendam. No mais, e´ um exílio inexorável.

08/07/2003


RECREIO DOS MARES


Um pouco adiantado da hora que tinha marcado na casa da amiga no recreio dos mares, resolvi passar um tempinho olhando o mar, por volta de uma da tarde.
A praia um tanto vazia, com alguns bons vivants fazendo acrobacias, batendo palmas e uma beldade de topless, infelizmente virada de bruços.
Nenhum sinal de pobreza por perto.
Ruas limpas, pouco transito, um pedaço de sossego.
Deixei-me ficar ali, olhando as ondas e rezando para que a beldade desse-me uma chance de ver sua beleza praiana. Rezei em vão.
Restou-me ver a grandeza do mar e questionar Deus porque não e´tudo assim: mar e beleza.

09/07/2003





TECNOLOGIAS DE PAZ

“Os seguidores de Jesus”, fora os primeiros santos da Igreja, são muito engraçados. Ou melhor, os que pensam serem seguidores dele. A imensa maioria sequer, pude constatar, leram o evangelho. Muita cara-de-pau.
Primeiro, porque para esses “crentes”, o Nazareno e´ uma espécie de banqueiro celeste. Querem basicamente pedir-lhe prosperidade material e a fácil felicidade terrena.
Segundo, porque, a espiritualidade, se existe, fica em quinto plano. O projeto de caridade ou paz espiritual e´ zero.
O objetivo desses falsos seguidores e´a riqueza, ou a derrubada dos inimigos, os reinos desse mundo.
“Quem quiser me seguir, pegue sua cruz, negue a si mesmo e siga-me.” – Ele bem o disse.
O que Jesus ensinou e pregou, de fato, foi uma imensa tecnologia de paz, através do perdão, da caridade e do amor ao próximo, notadamente aos desassistidos, que não possuem consolação nessa terra.
Por isso que o primeiro a conquistar o paraíso foi São Dimas, o ladrão que estava ao seu lado na cruz e o reconheceu como um homem honesto e santo.
Porque Jesus nos ensinou que e´renunciando a certas farturas , a vaidade pessoal, que de fato o seguimos.
Vejo muito pouca gente indo curar os enfermos, visitar os presos, servir ao próximo ou se confessar pecador. Ninguém quer lavar os pés do seu próximo, principalmente se forem pobres. Tanto que esses vivem jogados como lixos, embora os que se dizem cristãos são noventa por cento do mundo.
Por favor, não confundam aquele que não tinha onde encostar a cabeça com “os santos” desse mundo, que vivem encastelados nos juros e lucros da miséria alheia.
Jesus, ao contrrio do que se pensa, não e´ poder. E´paz celestial de um reino que “seus seguidores” estão longe de exalar.
Alguém se lembra de São Francisco?
10/07/2003





UM ENCONTRO

Encontro um conhecido na Praça Pena dos Santos, o que e´ sempre um alivio quando andamos pela multidão de estranhos que pouco se importam uns com os outros.
— Como vai? – Pergunta-me ele
— Tentando me defender, como sempre.
— Escrevendo ainda?
— Que jeito. E´o que sei fazer menos mal.
— Esta dando?
— Não necessariamente.
— Por que Você não vai embora? Isso aqui não e´ uma nação, e´um conglomerado de gente junta.
Olhei em volta e percebi a dimensão da minha solidão e da verdade de suas palavras.
Quando passa um avião fico olhando maravilhado como deve ser viver numa pátria em que a bandeira nos defenda e com um povo que se comunique.
Falta apenas o dinheiro da partida.
Nada tenho a perder, senão olhar para trás.

10/07/2003


AMIGOS

Curioso, no fundo o que sempre procurei nessas andanças foi encontrar amigos. Gente que estivesse de coração aberto para trocar idéias e ideais, beber alguma coisa, defender-me de algum perigo. Encontrar aquele sorriso largo de satisfação quando nos avistarmos; amigos a quem não precisamos de mascara de fortaleza e derepente podemos ate´chorar.
Toda a literatura, trabalhos, leituras e empreitadas que entrei não tinha outro objetivo senão encontrar alguém que eu pudesse ser amigo, e através dessa interação de amizade construir um mundo mais rico de valores.
Nada nesse mundo e´ superior a amizade, porque ate´ mesmo o amor, se não tiver o cimento da amizade, desaba.
Continuo procurando amigos, mesmo entre os cães. Essa e´ a tarefa dos sadios na vida.
Como disse um Rabino “Ou a vida com companheiros ou a morte”.

11/10/2003



O CARCERE DA MEDIOCRIDADE

Buatania, ao que parece, desde a sua formação, esta´condenado a ser um estado eternamente medíocre, pequeno-burguês, com uma educação e uma mídia que só forma idiotas e individualistas de péssimo caráter.
Ai o sujeito começa a ganhar algum “status quo” e se acha um exemplo de bom buataneiro , enquanto as favelas crescem, a violência extrapola, juntamente com a juventude que nada sabe sobre sua própria cultura e nem onde a banda passa.
Um povo sem cultura e´ um povo subjugado.
O castigo desse descaso dos ricos buataneiros, e´ viverem cercados de grades e capangas particulares, para se protegerem da imensa população de miseráveis que não lhes comovem os olhos.
Chamar de elite os ricos de Buatania e´ uma impropriedade absoluta, que beira ao absurdo.
Elite e´ a classe artística, cientifica e intelectual de um povo, não seus ricos, necessariamente.
Como disse-me uma vez um português, aqui “o errado esta´ certo e o certo esta´ errado".
Há quem se conforme em bater tambor, perder tempo pagando para ver homens correndo atrás da bola, ou assistindo as pegadinhas do Domingo.
O mesmo português concluía: “e´ preciso ter estomago de urubu”.


11/07/2003



REFLEXẨO DOS TEMPOS

Parece que o caos econômico global e a desvalorização da vida e da humanidade empurra-nos para uma espécie de espiritualização forçada e doentia. E` o que eu chamaria “desespero dos novos tempos” e “o fim da esperança” como a conhecíamos; ou seja, a utopia de realização que sempre acompanhou a humanidade.
Havia ideais coletivos; fé no futuro; senso de pertencer a uma grande comunidade comum: hippies, pacifistas, socialistas e nacionalistas. Hoje os paradigmas são outros.
O sujeito encontra-se aparentemente só nas suas lutas, desamparado do social, desiludido dos grandes e demorados projetos. Tudo urge.
Quem se atreveria escrever uma epopéia hoje, se a própria existência diária se torna heróica, pois se vive subordinado ao estado, ao mercado tecnológico e a violência?
Seria possível ainda os grandes romances com a banalização do amor e dos fatos? Os grandes indivíduos com a morte das individualidades?
Hoje vive-se de fragmentos. Tribos.
Quem leria os novos potenciais?
O fato e´ que essa busca mística se tornou uma necessidade premente de não se perder a alma nessa contemporaneidade diabólica que aparenta ser cheia de atrativos, mas se a olharmos bem a fundo veremos que e´ o fundo de um poço vazio.
Nosso desafio agora, enquanto espécie, e´ descobrirmos novas formas diárias de sociabilizaçao, comunicabilidade e transcendência, posto que os desafios que surgem nos aponta uma única saída: Deus.
O que queremos dele?
O que ele quer de nós?
Cristo já havia dito que nenhum sinal seria dado senão o sinal de Jonas. Estamos, todos, portanto, espécie e indivíduos, na barriga da Baleia, como o profeta rebelde.
Quando o aparentemente real se torna impossível, o impossível acontece. Logo entraremos na era dos milagres, que vira´ com a revelação de nosso verdadeiro sentido.

13/01/2003


VIDA

Não existe tempo, nem fórmula.
Não existe espaço nem doutrina.
Não existe razão nem medida.
A vida é uma viagem, uma aventura, um processo mágico e misterioso.
Não que seja boa e sem sofrimento – há´sempre inapelavelmente, a dor.
Os dias e noites se sucedem, alternando esperança e desespero; existe mais confusão do que certezas.
O que podemos escolher, porém , diante dessa passagem pelos fatos que passamos e causamos, é se queremos ou não acrescentar-lhes grandeza.
Só isso podemos escolher: sermos grandes ou mesquinhos.
Nós seremos os artistas e juizes da nossa própria consciência conforme os tempos passarem.

07/02/2003












LIÇOES DO ZOOLO´GICO


Faz mais ou menos um mês que tive no jardim zoológico, depois de tantos anos. E nada melhor que a natureza para nos ensinar certas sutilezas concernentes a lei da vida. Exemplos:
Leões e leoas preferem a sombra. Assim como os tigres e os macacos; esses últimos com a fina ironia de que, quando querem, nos devotam um desprezo singular.
Jacarés, imóveis, parecem de pedra.
Mas nada impressionou-me tanto quanto os gaviões de vários matizes. Belo na aparência, se olhado sem demasiado senso critico, e´ um predador inigualável. Os ratinhos esquartejados que o digam, sob suas patas!
Definitivamente não podemos tomar a vida pelas aparências, para que não acabemos como esse camundongos... O nosso mundo humano difere pouco ou quase nada do mundo animal.
Acredito que os otimistas exageram.

07/06/2003
O AMIGO E O ETERNO

Ele estava naquele período da manha em que sonho e imaginação se confundem, quando Jorge, o finado porteiro de seu prédio, seu amigo durante quase vinte ininterruptos anos, lhe aparecia dizendo:
— Eu tento falar com a minha mulher, mas não consigo.
— E ela sabe disso – ele respondia, sem entender como fora parar naquela cena insólita de falar com o amigo morto.
— Sim, as vezes ela ate toca minha cabeça.
Quando despertou, possível ate´ fosse que sua conversa com o amigo falecido tivesse sido mas longa – mas só lembrava dessa parte do dialogo.
Ficou intrigado, pois tudo fora real demais, como quando amigo era vivo e viviam rindo ate´ da morte, entre cervejas e vinhos.
O amigo o deixava ser.
O que faria com essa experiência? Não era dado a espiritismos, embora desde pequeno fenômenos de sensibilidade o intrigavam; como uma intuição muito desenvolvida, percepção de quando havia alguém se aproximando, ainda que sorrateiramente, já era para ele coisa normal.
Neste caso pensou que era pouco provável ser sonho, posto que na visão e na conversa, ambos sabiam suas respectivas condições de vivo e de morto.
Estava diante de um dilema.
Ocorreu-lhe contar o caso a viúva.
Sim, tinha diante de si um mistério que poderia revelar a condição eterna dos seres, e ate´ de universos paralelos.
Mas no intimo de seu coração, metafísica `a parte, ficara a indelével sensação de ser lembrado pelo amigo, mesmo depois de morto.

19/01/2003




TEU CORPO, MEU CORPO

Não me ames com palavras, mas com teu corpo, teu olhar, tua sedução tão natural de tornar-me teu. Me ames com tuas mãos que sabem acariciar-me nos pontos certos, com seus lábios que fazem com que eu todo me entregue...
Me ames com tua perda de controle...
Me ames com teu instinto anterior ao entendimento...
04/10/2002












O PRETENSIOSO

Gostaria de escrever uma coisa que ficasse assim na memória de todos, se é que podemos contar com a fidelidade da memória alheia. Tenho sérias desconfianças que o ser humano não é um ser sólido, muito menos confiável. As cobras me assustam menos.
Escrever uma coisa que fosse como o ser ou não ser shaskepriano. Ou como o provérbio espanhol das bruxas. Ou a pedra de Drumond, embora essa não fosse tão longe quanto poderia, dada a extravagância geográfica e lingüística do país e sua localização continental.
Quem diz que a vida é difícil?
Ora, isso depende de um ponto de vista estreito, pensar assim. Primeiro você deve ver o pôr do sol, certo? Custa alguma coisa? Olhar as estrelas? Custa alguma coisa? E as mulheres, então, todas a seu alcance, que tal? A tecnologia a seu dispor? O maravilhoso mundo globalizado moderno? Vá ao mar, meu velho, ao mar...
Mas eu vou arriscar um provérbio. Vocês podem depois pesar se tenho ou não razão. Todas as posturas por trás de todas as cadeiras, mesas, camas, podem ser traduzidas pelo expressão: “tudo é fácil, difícil é pagar as contas”.
Será que cola?

10/04/2003
Me diz que ainda estas ai
Com tuas mãos brancas
Amparando meu naufrágio.

Me diz com tua voz
Que nunca mais
Morrerei de silencio.

Me diz que não me abandonaste,
Que não morrerei sem sua canção.
Que anjos especiais nos uniram
Para que eu atravessasse
A tormenta pelos teus olhos.

Me diz, me diz, me diz
Pois já´ não consigo dizer
Meu nome sem tua vida.


15/07/2003


COISAS DE ESPANHOL


Não seja consumista.
Seja comunista.

Não seja normal,
Mas radical.

Não veja pela televisão
Sua vida.
Não viva de mentira.

Toda mediocridade deve ser condenada
— Porta fora da estrada.

Leia idéias novas: Cultura. Reforma na Educação. Boicote aos produtos americanos. Viva o cinema nacional!!! Viva a língua espanhola.

Saia da inércia.
Porco é que se conforma com chiqueiro.
Seja forte, pois toda oposição é o medo que o inimigo tem da nossa força.

Troquem os shoppings ´pelos parques.

Aprendam os fatos: a história é contada por quem vence a guerra. O que não quer dizer, necessariamente, que todo escrito histórico é verdadeiro. Os fatos são a história.

E os trabalhadores? Um dia vão trocar a cachaça pelos livros ou viverão sempre anestesiados?
Bem Aventurados os que tem sede e fome de justiça.

Um bom espanhol sempre está à esquerda ou a direita, nunca no centro.

23/04/2003

BUATANIA

Sinart sempre se vira naquela situação dos filmes dramáticos. Muita mulher, muito desencontro, muita la´grima. Desde menino o cinema e a televisão o educara para os grandes lances.
E agora ele se encontrava numa encruzilhada do destino.
O casamento acabara. Não pelas causas que Sinart via no seu pais, em Buatania, pela televisão. Nenhum triangulo amoroso. Nada disso. Foi as despesas do dia a dia que levava Sinart a ter com a amada discurssoes quase cotidianas que tornaram a vida insuportável.
Em Buatania, a única coisa que funcionava era a televisão e o cinema estrangeiro, onde tudo no fim se resolvia sem cortes telefônicos ou desemprego.
O irônico era que Sinart era cineasta, mas em Buatania era para ele impossível tentar esse ramo, pois certos postos em Buatania pareciam coisa de deuses. So´ os ricos tinham acesso.
Tentou outros e nenhum deu certo, porque Buatania foi feito para não dar certo, senão faliriam a televisão e o cinema estrangeiro.
Hoje em dia, com a casa vazia tanto quanto a alma, Sinart fica olhando os aviões passarem pensando se a televisão ou o cinema também´m não mentiram sobre outras terras e outros povos.
Sempre ouvira dizer que o povo de Buatania era bom, mas nunca vira essa gente fazer outra coisa que tacar e carregar pedras, e Sinart não tinha o menor jeito pra isso, pois seu senso o fizera estudar os chamados “livros proibidos”, que lhe ensinaram coisas certas sobre cinema, realidade e patrocínio.
Mas isso, os livros, era linguagem proibida em Buatania, que afinal já tinha na televisão e no cinema estrangeiro sua idéia central – viver e´ tacar e carregar pedras.
Por isso Sinart olhava os aviões com confiança, afinal sempre lhe disseram que Buatania era o melhor lugar do mundo, mas Sinart contava nos dedos os seus dias felizes.
Qualquer semelhança com um pais real e´ mera coincidência, pois Buatania, como todos sabem, não existem. Assim como os escritores de Buatania também não.

17/07/2003

MEUS DISPARATES


As pessoas tendem muitas vezes a confundir a vida do escritor com seus escritos, achando que noventa por cento do que ele escreve e´ autobiogra´fico.
So´ se a imaginação contasse como fato vivido, o que não e´ o caso.
Absolvendo-me assim, vou imaginar que entre aqueles e aquelas que lêem o que escrevo, que e´ um numero honrosamente mínimo, exista uma moça chamada Clara, ou Clarice, que e´ mais bonito.
Digamos que o nome casa bem com a moça, que e´ clara e bela. Suponhamos que ela questionasse meus disparates contra Deus e o mundo com termos assim : “O importante é estar bem consigo mesmo e cônscio de nossas limitações e verdadeiros objetivos,assumindo nossos defeitos e os dos outros de forma tolerante” ou -“Precisamos buscar a nossa própria visão do mundo e nos adaptarmos. Ninguém fará isso por nós, por que ninguém é capaz disso além de si próprio.”
O que mostra que a moça seria dona de uma sensatez extraordinária.
Creio ate´ que ela diria essas palavras, se isso fosse verdade, com medo que eu me tornasse um terrorista. As mulheres, quando querem, tem o poder de suavizar nossa vida.
O pate´tico e´ que so´ consigo vislumbrar eu e Clarice num lago azul, sentados na grama verde, sozinhos, comendo bolo de fubá, deixando cair os farelos no chão e rindo das gaivotas. Imagino também que ela pussesse flores brancas nos cabelos, perto das orelhas.
Mas tenho certeza que Clarice jamais pensaria coisas assim, antes iria me fuzilar com argumentos filoso´ficos imbatíveis, articulações intelectuais de ponta, coisas do gênero.
Termino de escrever essas linhas com o canto de um passarinho próximo, não sei onde.
Como vêem, sou um sujeito pate´tico.
Ainda bem que tudo aqui e´ ficção, mas imaginar que Clarice exista faz-me adiar as bombas de fabricação caseira.
Com espanhol não se brinca.
Afinal, estou contra tudo, menos contra Clarice.

15/08/2003

OFICIO, ESTRANHO OFICIO

Daqui do baixo da minha solidão, arquiteto mais um livro. Estou, com minha pouca idade, virando uma fa´brica de palavras.
Digo do baixo e não do alto, porque não estou nas montanhas da Escócia, nem tenho ainda conta bancaria na Suíça, o que e´ uma lastima.
Estou aqui pagando juros, ouvindo desaforos, vendo guris e gurias drogados e prostituídos, abandonados, como eu, a Deus...
Certa vez um livreiro me disse : “eu quero la´ saber de crônicas”. Também sobre poesia já ouvi coisa parecida.
Tenho um romance inacabado, policial, porque estou escolhendo as próximas vitimas do meu assassino.
Fora a corrupção em que andam metidos, todos os mortos do meu romance são gente acima de qualquer suspeita, desses que a sociedade adora; ou melhor, os fúteis adoram.
A sociedade na verdade e´ um termo muito abstrato.
Escrevo assim, gente, com pouca luz, por causa das sombras que vejo sempre - a humanidade sem rumo.
E fico pensando: “onde vou por toda aquela paisagem que so´minha alma conhece? De onde ela vem? ”
A mais bela imagem do mundo: o olhar da Virgem Maria.
Senhora, rogai por mim, não me deixeis sem amor, dinheiro e companheiros, pois preciso contar aos homens e mulheres que a caridade e´ a única coisa necessária para que todos os montes se movam, todas as lagrimas sequem e todas as guerras se extingam.

15/08/2003



O DIVÓRCIO



Encontrei o amigo no bar, triste e cabisbaixo, tomando seu chopinho.
- O que há, meu amigo?
- Minha ex-mulher, ale´m de ter me tratado mal quando éramos casados, agora ainda me acusa na justiça de um monte de patifarias, que ate´ por elegância sou incapaz de cometer.
- Ex mulher e´ assim mesmo, o diabo.
- E olha que eu poderia ate´pedir pensão, segundo a nova lei civil, mas minha dignidade de homem não permite.
- E´, meu caro, algue´m já disse que separação judicial e´ aquilo onde um paga pelo erro de dois.
- Curioso e´ que aqui em Buatania,l Você e´re´u ate´ ser julgado, mesmo que não tenha feito nada.
- E Você já´ deu a separação?
- Claro. Daria ate´ o divorcio. A mulher chamava meu apartamento de gaiola, nosso bairro de bairreco, queria que eu dormisse de pijama todo dia. Era cheia de protocolos. Namorei um doce, casei com uma megera, que ainda por cima tem uma irmã que e´uma dessas advogadas pedantes, que pensa por rótulos jurídicos.
- E Vocês não se davam bem?
- Sim; mas ela era fútil. A guerra do Iraque para ela significou nada. Eu fiquei arrasado. O que ela queria mesmo era comprar um carro do ano e me tirar a TV a cabo para pagar a auto-escola, já´ que rachávamos a Net.
- E agora, Jose?
- Quero me ver livre o mais ra´pido possível. Ela e´ que ta´complicando.
- E´, meu caro, ex mulher e´ o diabo.

16/08/2003




O DIVO´RCIO 2, O DIA DO CHOPP

Voltei a encontrar o amigo que esta´divorciando, dessa vez rindo igual um demônio azul chupando manga. Perguntei-lhe:
— E ai, conseguiu se livrar da ex?
— Não
— Então, ta´rindo de que, Você e´hiena?
— Não.
— Então, me explica. Você estava tão preocupado com o andamento da causa, ela não queria te deixar em paz, etc. o que houve?
— A minha Mama Mia, chefona da Máfia, deu-me uns conselhos sábios, do alto de seus oitenta anos.
— Que diabos de conselhos?
— Fazer da cada audiência o dia do Chopp.
— Como assim?
— Toda vez que eu for numa audiência, festejar, tomando chopp.
— Coisa de doido, rapaz?
— A Mama sabe o que diz. Assim eu vou la´ em juízo, faço o protocolo, depois encho a cara de chopp. Maravilha!
— Quantas audiências vocês tem que ter ainda?
— Bem, era para ser só´ uma, duas com o divo´rcio. Mas ela não quer me deixar facilmente. Caso de fixação sexual. E´ terrível!
— E´, cara, tu vais ter que beber muito ainda!
— Não, a juíza e´ experta. Já´ sentiu a armação e a tara.
— E se ela descobrir que tu ta´ te divertindo, a ex?
— Eu mudo de estratégia. Fico franciscano, faço Jejum. O nego´cio e´ chegar na audiência relax.
— Cara, você e´ um demônio!
— Azul, meu caro. Um demônio azul. Alias, Você quer o fone dela?
— Não, não. Pode deixar. Eu pago teus chopps.
— Obrigado.

24/08/2003


Jesse Leiria, escritor/humorista, conta suas experiências em Buatania, para onde viaja para encarnação, apo´s ser advertido por um Lord Ingles de que as coisas não funcionam, as que funcionam não funcionam bem e oitenta por cento da população e´ louca.

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