Numa de minhas Cronicas, apresentei meu assessor gramatical, professor Linotipus de Azevedo, emérito caçador de erros em placas e anúncios. Como estava desempregado, dei-lhe uma vaga, com salário invejável: meio salário-mínimo, mais ajuda de custo para conserto de meia-sola, pois o professor só anda a pé. Gosta de caminhar enquanto vai observando placas nas lojas comerciais. É de se ver quando encontra alguma falha de concordància ou de regência: seus olhos se iluminam, suas mãos se crispam, o sangue corre mais rápido nas veias. Costuma, então, entrar possesso nos estabelecimentos e pegar o gerente pela orelha, como fazia aos seus antigos alunos. Por uns tempos, servia-se de sua palmatória (lembrança do tempo de magistério) para agredir o infrator gramatical. Desde o dia em que um gerente revoltado ameaçou meter a palmatória em determinado lugar, o professor evita carregar objetos de tal natureza.
Conhece de cor o dicionário Morais, edição de 1813. Uma pessoa que fala coisas como: alhures, haja vista, sopitar, lobrigar, tremeluzir, encomiástica, solerte, comezinha, virago, perlustrar, etc. deve se encontrar mais deslocado que um brontossauro no século 21. Queria ele que eu escrevesse coisas como: vo-los mandei, no-los darão, dá-los-vos-ei. E ainda: "as idéias como as concebo". "A mala, ainda não desfi-la". "A recompensa, não me-la dão".
- Meladão, professor? Não vai ficar ridículo? E como-as com sebo? Não fica meio indigesto? E a mala? Como é que pode uma mala desfilar?
- Semelhante vezo adotavam os profícuos mestres, os clássicos, em suas perorações e prolegómenos (assim fala o professor).
- Mas, professor, as coisas mudam. "Mudam-se os tempos, mudam as vontades", já dizia Camões, que foi o maior dos clássicos.
Não adianta, leitor, o professor Lino é feliz assim, com suas sintaxes, suas placas e tabuletas. Deixemo-lo imerso nesse improfícuo mister.
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