"Os pais se emocionarão vendo a fita, alguns anos depois. Mas e a criança? Como vai se sentir aos sete, quinze ou vinte anos, vendo-se sair da vagina dilatada de sua mãe? Escrevo essa frase e penso que ela é de um mau gosto brutal. Tão brutal quanto a imagem de nosso próprio corpo irrompendo das entranhas ensangüentadas do corpo materno. Não é a mesma coisa que ver um parto anônimo no cinema. É nosso corpo e – o que é bem mais difícil de encarar – é o sexo proibido da mãe.
Chego a pensar que filmar um parto é tão obsceno quanto filmar uma agonia, até o último suspiro. Mas não, a vida em vídeo não quer saber de registrar a hora derradeira. Ainda temos um pouco de pudor diante da morte.; o longo filme que começou na sala de partos tende a terminar antes do capítulo final."
[São os parágrafos finais de "A vida em vídeo", de Maria Rita Kehl, poeta e psicanalista, em http://noticias.aol.com.br/colunistas/maria_rita_kehl/2003/0011.adp]
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