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Contos-->UMA LIÇÃO DE VIDA -- 18/11/2004 - 06:18 (J. B. Xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UMA LIÇÃO DE VIDA!
J.B.Xavier

Cansado de mais um dia de trabalho, quando cheguei em casa já passava das dez horas da noite. Mal pisei em casa, minha esposa veio ao meu encontro, e após um beijo rápido, disse-me:
- Precisamos fazer alguma coisa com Claudinho. Ele está impossíve! Venha ver o que ele fez desta vez! Ele está de castigo em seu quarto a tarde inteira! Imagine, colocou uma cadeira sobre uma mesa e subiu nela...claro que caiu e quase quebrou uma perna......
Eu havia tido um dia puxado, e minha cabeça ainda doía, de maneira que a última coisa que eu desejava agora era um blá blá bla´ a respeito das peraltices do Claudinho. Nervoso como eu andava ultimamente, essa buzina em meus ouvidos bem poderia ser o estopim para outra das discussões que vinham pouco a pouco, minando meu casamento.
- Calma! – repliquei já alterando a voz – deixe-me chegar primeiro, ora bolas! Eu prometi a ele que iríamos ver o último desenho da Disney no shopping. Mas, de novo falhei com minha palavra. Vou lá no quarto dele me desculpar, e lhe dizer que amanhã iremos ao cinema. Depois você me conta o que aconteceu!
- Não o tire do quarto! – sibilou minha esposa irritada, enquanto eu subia as escadas – ele está de castigo e precisa aprender uma lição!
A voz ameaçadora e cheia de raiva chicoteou-me os ouvidos enquanto minhas têmporas latejavam. Era por recepções como esta que, a cada dia, eu tinha menos vontade de voltar para casa. O que me prendia, ainda era o Claudinho, meu filhinho de nove anos, uma dádiva dos céus que eu amava mais que tudo na vida.
A cada dia, sua mãe me contava sobre as peraltices, e a cada dia tínhamos menos paciência com ele. Um amigo de infância, que se hospedara certa vez em minha casa, já havia me prevenido: “cuidado para não perder seu filho” – dissera ele – “essa é uma idade crítica em que ele precisa muito de seu tempo”. Eu já havia pensado muito sobre essa advertência, mas o que eu poderia fazer? Meu trabalho me absorvia cada vez mais, principalmente agora que as coisas estavam dando certo, por isso, confesso, tempo definitivamente era o que eu tinha cada vez menos, não somente para meu filho, mas também para Graça, minha esposa.
Assim, mais nervoso ainda que quando chegara, detive-me diante da porta do quarto e respirei fundo, tentando reunir paciência para não perder o controle com o que me esperava lá dentro.
Quando abri a porta, entretanto, deparei-me com Claudinho debruçado sobre a mesinha onde fazia suas lições de casa, dormindo profundamente sobre algumas folhas de papel, escritas com sua letrinha miúda e ainda feinha, apesar de todas as broncas que eu já lhe dera para que melhorasse a caligrafia.
Tudo o que eu tinha a lhe dizer desapareceu e deu lugar a uma ternura imensa, ao vê-lo ali, em seu mundinho de fantasia, rodeado de ursinhos, carrinhos e super-heróis, num sono só possível às crianças.
Tomei-o cuidadosamente nos braços e levei-o para a cama, onde o deitei e cobri carinhosamente, depositando-lhe um beijo de boa noite nas bochechas rosadas. Amanhã seria sábado, pensei, e após uma passada rápida no escritório, teríamos boa parte do dia para estarmos juntos. Mas, como eu veria mais tarde o amanhã seria muito, muito diferente.
Eu já ia saindo do quarto, quando pousei os olhos nas folhas escritas, sobre a mesinha. Até onde eu sabia ele não gostava de escrever, e sempre que o fazia e vinha me mostrar o que escrevera, eu não perdia a oportunidade de lembra-lo para melhorar a caligrafia.
Desta vez, porém, notei que sua escrita estava ainda pior, como se ele a tivesse escrito às pressas, ou com medo de ser descoberto. Curioso, peguei as folhas e sentei-me na beirada da cama onde pus-me a lê-las. Alguns trechos estavam borrados porque água havia pingado sobre a tinta. Olhei ao redor e não vi nenhum copo d’água. Teria ele chorado enquanto escrevia?
A medida que eu lia, o céu ia descendo sobre minha cabeça, como uma gigantesca prensa, e senti que minha estatura ia diminuindo diante de meu garoto adormecido, até que me senti um habitante de Liliput diante de Gulliver. Em certa altura do texto pude ler...
”Puxa, fiquei tão feliz quando consegui alcançar aquele livro sozinho! Eu estava ansioso por mostrar a você o que você me ensina. Fiquei na pontinha dos pés. Ainda assim não consegui. A estante era muito alta. Também, o mundo parece ter sido feito só para os adultos! Fiquei muito triste por pensar que não poderia apanhar o livro. Então me lembrei que quando você guarda meus brinquedos em cima do guarda-roupas, você sobe numa cadeira. Ainda bem que Deus é bonzinho e permite que a gente tenha idéias! então eu usei uma cadeira também! Se você usa, é porque funciona! Logo fiquei quase da altura de você. De novo na pontinha dos pés, eu me estiquei todo para alcançar o livro. Eu já estava até imaginando você sorrindo de felicidade por ver como eu consegui tirar seu livro de receitas da estante sozinho. Mas ele ainda estava muito alto! Me estiquei mais um pouquinho. A cadeira tremia toda, e tive que ficar só na pontinha dos dedos dos pés, mas alcancei o livro!Era o meu prêmio! Mas logo que o retirei da estante, vi que era muito pesado para mim. Você nunca me avisou disso! Não agüentei o peso e quando soltei o livro, eu já estava desequilibrado. A cadeira escorregou e eu caí. Droga! por que eu não tenho os braços fortes com os de papai e as pernas firmes como as suas? Papai pega os livros na estante como se fossem penas, e você sobe nas cadeiras e elas não tremem. Mas eu não! E lá estava eu no chão. A cadeira virada e o livro rasgado. E que barulhão eu fiz quando caí! Justo quando eu só queria pegar o livro, quietinho, e levar para você fazer coisas deliciosas para nós.
Então você chegou. Estava tão zangada que pensei que fosse me matar! Eu tentei dizer para você que eu só queria mostrar que já era grande, mas você gritou tanto comigo...você disse coisas tão feias para mim...coisas que você já tinha me proibido de dizer para os outros...você me chamou de burro, de desastrado, e por muito tempo, você ficou sobre mim, gritando desesperada. Droga! mais um fracasso! Eu era mesmo um burro e desajeitado. Você disse isso, e eu sempre acredito em você. Mas, então por que às vezes você me acaricia e diz que me ama muito? eu acho mesmo que você não me ama nada e diz isso só pra me consolar...Como a senhora pode amar um menino tão desajeitado e burro? No outro dia foi o copo que quebrei. Lembra? Eu não sabia que ele estava ensaboado. Nem sabia que sabão era liso! Ah! E tem também aquele brinquedo que desmontei. Você gritou muito comigo naquele dia...Puxa! Eu só queria saber como ele era feito e o que tinha dentro! Acho que ser curioso é muito feio.
Eu não gosto de gritos. Eles me assustam e me fazem ter sonhos maus à noite. Á vezes faço força para não dormir, só para não sonhar coisas ruins...Puxa vida! e eu só quero agradar você e papai! Eu queria que ele tivesse tempo para mim. Eu tenho tanta saudade dele durante o dia! Eu só quero mostrar que eu já sei fazer coisas. O Juquinha, a senhora conhece, não pode andar. Ele vive numa cadeira de rodas. Outro dia, eu estava brincando com ele, e quando fui correndo buscar a bola que ele atirou com seus braços fininhos, vi a mãe dele chorando baixinho sentada na escada onde a bola caiu. Ela falou tão baixinho que quase não ouvi: Ela disse: ‘eu queria tanto que ele fizesse tudo o que você faz!’ A mãe do Juquinha não é feliz. O pai também não. Mas você também não é feliz comigo, porque fazendo o que o Juquinha não pode fazer, eu me torno um desastrado. Imagine, rasguei seu livro de receitas! O Zezinho, sim, tem uma mãe e um pai legal! Outro dia, ele ganhou um carrinho e começou a desmontar. O pai dele disse: ‘Você vai conseguir montar isso outra vez?’ O Zezinho olhou para o pai dele com cara de quem não tinha muita certeza. ‘tá bom’ - disse o pai dele – ‘eu te ensino a desmontar e depois te ensino a montar de novo’. Foi da hora! Descobrimos cada coisa legal dentro do carrinho!
Daqui a pouco o papai chega. Eu sei que vou me assustar de novo com os gritos dele quando você contar a ele que eu caí da cadeira. Hoje à noite vou ter sonhos ruins. Sabe, eu amo muito você e o papai, mas queria tanto ser irmão do Juquinha ou do Zezinho...”
Não sei por quanto tempo fiquei a olhar para o papel, pairando numa espécie de torpor indizível, onde eu podia ouvir as batidas de meu próprio coração como se fossem um tambor soando no infinito de minha alma. Não sei como minha vida desfilou diante de mim em átimos de segundos, como me lembrei de meus medos infantis, das mãos de minha mãe, que seguravam as minhas até que eu adormecesse.
Olhei para meu garotinho dormindo e acariciei seus cabelos. O que estávamos fazendo a ele? Prometi do fundo da minha alma que daquele dia em diante, ele nunca mais teria sonhos ruins. Só voltei a mim quando minha esposa tocou meu ombro.
- Acho que ele aprendeu a lição – cochichou ela – deixe-me cobri-lo melhor...
- Não sei se havia algo a ser aprendido – respondi, enquanto lhe estendia as folhas escritas –mas certamente acabou de me ensinar maior lição de minha vida, a de que a felicidade raramente está ausente, nós é que não notamos sua presença...

* * *
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jbxavier@multipremium.com.br

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