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Erotico-->5. AFLORA O PASSADO -- 12/11/2003 - 06:22 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Adonias passou o restante da tarde bastante eufórico, dando vazão a uma alegria quase inconveniente para os locais por onde andou, visitando pacientes na ala hospitalar, conversando com os atendentes nos diferentes setores a que tinha acesso, no refeitório, na portaria, na biblioteca e até no necrotério. Falava do tempo, estendia-se a respeito do sucesso da apresentação do Professor Maciel, introduzia algum tema da moralidade bíblica, buscava decifrar os segredos da dedicação dos que trabalhavam nos setores tecnológicos, principalmente em relação à central de computadores. Até com os técnicos da manutenção dos elevadores foi conversar.

Mas levava um objetivo dentro de si que não revelou sequer através das perguntas que fez, porque estava buscando medir se o empenho de cada entidade emendava o presente ao passado, com vistas a um futuro almejado. Sendo assim, prestava atenção, sobretudo, quanto às referências a passagens pessoais, acontecimentos sociais, funções, cargos e profissões exercidos e, mais que tudo, quanto às notícias dos familiares que ficaram para trás, na Terra, na erraticidade, ou que se encontravam reunidos na colônia ou fora dela. E punha tento em qualquer indício de planejamento arquitetado em relação aos alvos existenciais a serem conquistados em futuro próximo ou remoto.

Recolhido ao seu quartinho mais cedo que de costume, pôde rememorar todos os passos do dia, percebendo, em minúcias, todas as informações diretas ou indiretas que lhe haviam chegado. Pensou em que tudo se iluminava em seu cérebro, bastando enfocar o momento passado como área de interesse, como se os fatos estivessem desenrolando-se naquele justo instante.

Imaginou que esse exercício poderia ter sua utilidade para uma crítica sagaz ou para novas observações relativas às pessoas envolvidas nesse verdadeiro álbum de fotografias ou nessa cinemateca particular, penetrando um pouco mais fundo em suas considerações a respeito do papel da memória como acervo indispensável para a criação de uma personalidade voltada para a imagem ideal de ser humano, correspondente à figura ímpar e superior de Jesus de Nazaré.

Riu nesse momento, recordando-se dos tempos em que assumira uma postura exterior de messias, mas buscou enfronhar-se um pouco mais na intuição de que Jesus, embora considerado perfeito como ser humano, não serviria como modelo a todos e se punha a cavar nos textos arquivados na memória qual o que corresponderia a um Jesus dando curso à lei de reprodução, porque todos os seres vivos têm a obrigação de procriar, agora ele bem o sabia, para propiciar a outras entidades espirituais a oportunidade de uma nova imersão na carne, com vistas às realizações vitais para o progresso, em certos fatores específicos da personalidade.

Viu-se sacerdote e casto. Juntou ao seu retrato os de seus pais, o de sua irmã com o filho, o de Alice e deixou a imaginação avançar solta, unindo e desunindo as pessoas, fazendo as mulheres assumirem outras maternidades, juntando aqueles seres na formação de novos casais, dando um aspecto absolutamente moral a tudo, porque ia pondo cada par em uma nova existência carnal, até que se viu diante de Dona Genoveva em segundas núpcias.

“E agora?”

Perguntou em voz alta sem encontrar uma resposta que correspondesse exatamente à sua idéia de fidelidade matrimonial, ele que oficiara tantos casamentos declarando que a união dos casais se dava até que a morte os separasse.

“E depois da morte? Depois da morte, não existe amor? Se existe, é possível que se encontrem aqui para seguirem juntos dois ou mais cônjuges? Terei eu mesmo me casado em encarnações anteriores? Onde estarão as minhas esposas? Ou os meus maridos, caso eu tenha revestido o organismo feminino em alguma delas? Ou terá sido na maioria delas? Por que mantenho esta figura decalcada em um momento da derradeira vida?”

Ocorreu-lhe observar-se no espelho. Foi ao banheiro e se pôs diante de sua imagem, a decifrar as possíveis mutações desde o decesso. Sua mente fervilhava com todos os retratos desde que se vira e se identificara pela primeira vez. Foi-lhe fácil organizar, em ordem cronológica, as lembranças desde a primeira infância, correndo célere cada fisionomia entrevista, imprimindo à visão interior um movimento cinematográfico, de sorte que a sua fisionomia se modificava rapidamente, mantendo as características fundamentais, mas ganhando ou perdendo ingredientes externos ou internos, como quando se machucava ou engordava e emagrecia. De repente, sustou a marcha das recordações e se fixou no retrato definitivo, aquele que se lembrara de ter visto no dia de sua morte. Foi essa imagem que fez questão de comparar com a presente.

“Se me tivessem perguntado, eu diria que minha aparência é a mesma desde o acidente fatal. Vejo agora que dei andamento, inconscientemente, às alterações faciais, como se vivo tivesse permanecido, envelhecendo fisiologicamente. No entanto, pelo pouco que li da biografia de Maciel, por exemplo, sua figura atual está paralisada numa idade aproximada de quarenta anos, enquanto faz mais de cem que está de volta ao etéreo da última peregrinação terrena. Quer dizer este fato, evidentemente, que ele resolveu todos os problemas e que agora caracteriza sua pessoa da forma que julga a mais conveniente para sua apresentação pública. Certamente, indo a outras plagas, a sua imagem se adaptará às novas circunstâncias, podendo ser um jovenzinho de vinte ou um velho de oitenta, conforme as necessidades. Quais seriam essas necessidades? Imagino que ele possa estar cursando algumas aulas avançadas, curso superior, em esfera de maior luminosidade espiritual. Aí vai com a aparência dos vinte anos. Depois, para impor respeito a uma assembléia de austeros senhores recentemente reintegrados à erraticidade, como no caso do mosteiro onde os sacerdotes ficam no aguardo dos anjos que virão tirá-los do purgatório, ele vinca a pele com sulcos profundos, branqueia os ralos cabelos e...”

Ia falar que daria menos brilho aos olhos mas espantou-se ao observar que sua própria visão estava perfeita e que havia deixado de se utilizar de seus óculos há bastante tempo.

“Estarei apto a executar essas metamorfoses? Se bem me lembro, houve um momento em que perdi completamente o domínio de meus recursos mecânicos. Isso se deu no instante em que descobri que não pertencia mais ao mundo dos vivos. Agora estarei habilitado para forçar uma transformação?”

Passou-lhe pela mente a idéia de que, tal como a memória mais antiga, também esse domínio adviria naturalmente, conforme fosse evoluindo. Mas não viu mal nenhum em realizar um exercício bastante simples. Pôs-se de novo diante do espelho e concentrou-se em sua imagem dos vinte anos de idade. Não deixou que sua mente vagasse pelo passado mas desejou ver no espelho as alterações pleiteadas. O que viu deixou-o estarrecido: estava diante de outra fisionomia. O retrato espelhado era de outra pessoa. Observou suas vestes e elas estavam também transformadas. Passou-lhe pela lembrança o quadro em que assassinava alguém e reconheceu-se o criminoso. Olhou com atenção para sua vítima, mas não obteve nenhuma reminiscência que a identificasse. Mas estava assustado, tanto que desejou volver ao estado presente, transmutação que se operou de imediato.

Demorou um pouco para restabelecer-se, mas terminou por considerar que, um dia ou outro, haveria de enfrentar-se no passado, perspectiva que achou agradabilíssima, tendo em vista que era capaz de sair dessas experiências sem grandes prejuízos.

Então, dispôs-se a regredir a memória para antes de sua última encarnação.

Ao olhar, porém, para o painel do terminal de computador embutido na parede, percebeu que piscava a luzinha do chamado interno. Ligou o aparelho e logo a imagem de Alice apareceu na tela, ao vivo, com quem estabeleceu a seguinte e rápida conversação:

Alice: Querido. Precisamos conversar. Eu soube pelo Doutor Adão que você teve uma visão retrospectiva de uma existência anterior e gostaria de estar presente, quando você voltasse a rememorar fatos tão importantes de seu, ou melhor, de nosso passado. Será que poderíamos encontrar-nos agora?

Adonias: Claro que sim! Onde você marcar. Estou disposto. Aliás, tenho algo mais para lhe dizer.

Alice: Estou no refeitório. Se você quiser, nós nos encontramos aqui e depois vamos para um lugar mais propício para o despertar dos fatos antigos.

Adonias: Você sabe que eu estava preparando-me para uma regressão à vida anterior, ou melhor, aos acontecimentos que entremearam as minhas duas últimas encarnações?! Pois a sua intervenção chegou na hora. Pensando bem, é sempre útil ter alguém de confiança do nosso lado, pessoa mais capacitada para sofrear problemas e elidir respostas...

Alice: Cuidado, querido, que as suas expressões estão ganhando um cunho fortemente misterioso para mim. Que quer dizer com “sofrear problemas”? Será que eu teria condições de evitar que os fatos relembrados causassem transtornos a você? É isso? E elidir respostas significa obstruir algum processo psíquico que seria oneroso para o equilíbrio de seu sistema emocional?

Adonias: Sabe que tais palavras me surgiram na mente como que vindas do nada? Eu apenas caminhava em certa direção e meus pensamentos se anteciparam até a meus próprios raciocínios. Você saberia dar-me uma explicação a respeito?

Alice: Eu não, mas, lá no Departamento de Regressão Assistida, existem irmãos habilitados a dar todo tipo de explicação. Se nós nos encontrarmos com o Doutor Anésio, ele já conhece bem os meandros de sua consciência, vamos dizer assim, para você receber, não uns ensinamentos de caráter geral, mas um diagnóstico efetivo de sua condição.

Adonias: Enquanto você falava, ocorria-me uma visão estranha, um ato de contínua perturbação, como se eu estivesse adentrando uma fase de esquecimento, mas do avesso, ao contrário. Suponho que minha natureza esteja concordando com minha ansiedade em descobrir o que fui e o que fiz, de sorte que estou passando desta última encarnação para a fase imediatamente anterior de perturbação crescente para a implantação de meu espírito no ventre de minha mãe. Não sei onde, mas me lembro de haver lido algures que se trata de um período de constrição perispiritual, de miniaturação ou miniaturização, terminologia que não me provocou uma boa reação... Você não acha melhor que eu leve estes problemas diretamente ao Departamento que você citou, onde nós nos encontraremos em alguns minutos?

Alice: Acho bom, porque você está em franco processo de descoberta de si mesmo.

Desligado o aparelho, Adonias pôs-se a suspeitar de que Alice, de algum modo, recebera mensagem telepática que ele transmitiu ou que ela foi capaz de estabelecer um vínculo energético qualquer com as preocupações que ele não fizera menção alguma de resguardar.

De repente, sem que tivesse saído do lugar para atender à sugestão da amiga, desencadeou-se em seu cérebro um processo incoercível de rememoração anterior à barreira de sua última encarnação, de sorte que se viu, numa seqüência inversa, sendo implantado no útero de Dona Genoveva, tendo uma reunião com o Seu Fernando, seu pai, e com a mãe, ambos em espírito, mas com uma faixa luminosa a configurar sua condição de encarnados, havendo, no círculo, outras entidades, entre as quais reconheceu, apesar das diferenças fisionômicas ponderáveis, a amiga Alice, o Doutor Adão e a irmã Clarice. Em seguida, viu-se imerso num sono profundo, até que sua consciência se aclarou, estando no centro de um grupo muito estranho de seres envoltos em trajes como de escafandristas ou de astronautas. Mais um pouco e se deparou numa clareira obscura, ajoelhado, clamando por socorro, pedindo perdão por um crime hediondo, reconhecendo a culpa e julgando da justiça das leis que lhe tinham sido aplicadas. Então se viu correndo por entre espíritos tão desesperados quanto ele, até que teve um momento de trégua, enquanto a sua mente fervilhava de acontecimentos que lhe pareceram conhecidos, mas que se embaralhavam quando tentava fixá-los.

Adonias entendeu que era a rememoração dos fatos da vida pregressa, logo após haver perecido. Tentava sustentar as reminiscências nesse ponto, a ver se sofria, mas os sentimentos apenas se reproduziam para o seu testemunho, como numa película cinematográfica em que as personagens atuam e o espectador observa, participando com pensamentos e eflúvios emocionais isentos de verdadeira identificação.

Mas não foi capaz de ir além, porque, conforme percebeu, havia parado para examinar as ocorrências segundo um prisma atual.

“Se eu me tivesse deixado ir, com certeza, estaria agora recapitulando a penúltima existência do começo para o final. Mas não tem importância, vou ter muito mais que contar à minha amiga.”

Mas a luzinha voltou a piscar:

Alice: Que aconteceu, Adonias? Faz um tempão que estou esperando por você. Até já preveni o pessoal, que me garantiu que o Doutor Anésio virá. Que houve?

Adonias: Não se preocupe comigo. Tive uma avalanche de recordações, mas acho que venci as diferentes circunstâncias, tendo em vista que o meu poder intelectual agiu com soberania sobre os estremeções sentimentais. Apenas estou sentindo-me um pouco zonzo, nada, porém, que me possa causar transtornos. Já estou de saída. Espere por mim. Obrigado pelas providências. Com o Doutor Anésio aí, ficarei absolutamente tranqüilo e seguro do resultado de minha regressão...

Alice: Quer que eu mande um grupo paramédico para atendê-lo?

Adonias: Acho que seria muito bom, porque assim eu teria a certeza de que conseguiria achar o caminho do Departamento de Defesa do Patrimônio Espiritual...

Nesse momento, Adonias escorregou da cadeira e caiu desmaiado. Um minuto depois, era retirado do quarto e conduzido para uma sala de restabelecimento e energização.

Ali estavam Adão e Anésio, que diagnosticaram uma recaída quanto ao antigo processo de obstrução cuidado anteriormente. Nada que uma injeção específica não tivesse o condão de contornar.

Em dez minutos, Adonias estava perguntando aos amigos se podia contar para aquela hora com uma sessão de restauro da memória.
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