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Contos-->GENTE FOLGADA -- 04/11/2004 - 00:33 (JOSÉ RICARDO ZANI ) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Na provedoria de civilizações em transição cósmica, uma instrução extraordinária acaba de ser editada. Motivo: uma súbita contaminação por energias intrusas ameaça propagar-se em um berçário da jurisdição, o que exige cuidados muito especiais. Convoca-se uma força-tarefa para acudir à emergência na ala pré-infantil, onde estão populações recém-nascidas. Com isso, muitos mestres são chamados em regime de urgência. Alguns terão de abandonar temporariamente seus longínquos postos de trabalho para reforçar o quadro de socorristas. Quem chamar? Quais missionários e guardiões podem abandonar suas funções atuais sem que isso cause maiores problemas? A sede-geral resolve que serão chamados aqueles ocupados com nações em estágio de auto-suficiência, povos que podem dispensar seu guardião-mor por uns tempos. Mas os provedores logo vêem que precisarão de mais reforços, o que motiva a chamada daqueles outros missionários dedicados a causas perdidas. Como terceira opção, serão chamados também os ocupados com povos que têm problemas crônicos de baixo aproveitamento. B-1, apesar de muito jovem, é uma nação marcada por inexplicável teimosia no sentido de não retirar proveito da sabedoria e dos poderes do seu dedicado guardião-mor. Obviamente, está na terceira opção, mas, não se sabe exatamente por que, tem o azar de aparecer logo na primeira lista de convocações. O resultado é que essa nação alegre e despreocupada ficará temporariamente sem a vigilância de seu protetor. O missionário abandona seu posto em B-1 e segue em missão especial no berçário cósmico, onde passa 20 anos. Para os parâmetros mais primitivos, isso é muito tempo. Mas, na verdade, é um período equivalente a umas poucas jornadas, segundo a contagem cronológica dos planos mais avançados. Lá, na missão provisória, há trabalho incessante, recheado de concentrações exaustivas e cuidados rigorosos. Felizmente, com o esforço unido de uma legião tão grande, a batalha é dada por vencida sem maiores dificuldades. Encerrada a missão, lá está o guardião arrumando os mantos para retornar à tranqüila e descontraída B-1. Mas eis que, de repente, a perspectiva de voltar para aquele antigo posto deixa-o pouco animado. Compara os brilhantes resultados do trabalho que acabara de realizar com aquela velha vida em B-1, onde as coisas quase não avançam, apesar da sua dedicação e dos seus esforços... Pensou em pedir férias ou transferência para alguma outra nação. Mas preferiu aconselhar-se com o subprovedor, seu superior imediato, antes de qualquer decisão. -- Agora é um bom momento para você fazer uma reavaliação dos seus pupilos, aconselhou o superior. Vá até lá e faça um teste. Se eles se saírem bem, continue, exercite suas virtudes. Do contrário, volte aqui e veremos o que fazer. Durante a viagem de volta, vai o missionário logo anotando alguns itens que gostaria de checar. Pensa nas velhas questões que, por pior que fosse o rendimento dos seus meninos, já teriam resolvido muito bem durante sua ausência. Entende que seria o caso de examinar itens de grande alcance. Desenvolvimento fraterno, aprofundamentos filosóficos, amadurecimento ético, aperfeiçoamento nas questões doutrinárias e sociais. “Como andará o senso de fraternidade do meu povo? E os progressos na área da educação? Quais os avanços conseguidos no setor da saúde coletiva? E a eficiência da justiça, como andará por lá?” questiona o guardião consigo mesmo. Recorda-se dos conflitos sociais e das desigualdades injustas. Percorre na memória lembranças sobre tantos escândalos de desonestidade política, lamenta as agressões ambientais e se benze ao lembrar de preconceitos velados e também de outros escancarados. Recorda-se de algumas tradições de debilidade moral em altas esferas do poder e de incorrigíveis equívocos dos eleitores nas urnas. Mas, do alto de sua sensatez, pondera e sente pena... Se bem conhece aquela gente, talvez nesses 20 anos ainda não tivesse evoluído a ponto de superar certos patamares do progresso moral e espiritual. Reflete e condescende. Mais sábio seria limitar-se a questões menores e aplicar um teste simples, bem elementar. Itens prosaicos mesmo, como se fosse mera conferência por amostragem. Assim, sendo mais tolerante, poderia valorizar cada milímetro de avanço, fazendo disso uma saudável forma de incentivo ao progresso daquela gente amiga. Seguro de sua decisão, convoca o auxiliar imediato e instrui: -- Comece a anotar. Anote apenas 20 itens dos muitos que eu gostaria de verificar. Não estranhe a mediocridade de alguns assuntos, há elevados motivos para isso. Depois vá até lá checar e traga-me o resultado. Para cada resposta “NÃO”, some um ponto. Despreze as respostas “SIM”. Vamos lá, eis o que desejo verificar, item por item: 1. Para abrir saquinhos de compra no supermercado as pessoas precisam lamber os dedos? 2. Para comer na praça de alimentação, as pessoas têm de disputar lugar e dançar a dança da cadeira com a bandeja nas mãos? 3. As roupas vendidas nas lojas trazem aquela etiqueta costurada com fio de nylon, com a ponta exposta para arranhar a pele? 4. As moedas metálicas continuam com aquele formato inútil, excelente para se perder nos bolsos e imitar pandeiro no console do carro? 5. Celebridade só namora celebridade? 6. Os médicos permanecem ilegíveis? 7. Latinhas de refrigerantes continuam com aquela tampa perfeita para reter impurezas? 8. Adolescentes ainda brincam de filme de aventura ao volante do carro do papai? 9. Obrigar as pessoas a fazerem recadastramentos desgastantes é mania de quase todas as empresas e instituições? 10. Ao ligar para uma central de atendimento, em vez de ser ouvido e atendido gentilmente, o cidadão tem de obedecer instruções impessoais de uma gravação idiota? 11. Motoristas de certas regiões buzinam a cada 5 minutos só pelo prazer de fazer barulho? 12. Ainda há agentes do crime atuando como advogado? 13. Os diretores das companhias de eletricidade ignoram que algum problema sério vai causar novo apagão em breve? 14. O melhor jeito de escapar da cadeia é transformar-se em autoridade? 15. O diretor do presídio desconhece que lá dentro alguém está tentando facilitar uma nova fuga e que outra rebelião está sendo planejada? 16. Para resolver problemas públicos, as soluções mais adotadas são as menos honestas? 17. A mídia eletrônica é escola de maus costumes? 18. O jeito mais usual de reparar fracassos da administração pública é encomendar um plano milionário de marketing político na TV? 19. Ladrões ainda podem se candidatar a cargos públicos? 20. Irregularidades no setor público são apuradas somente depois que os responsáveis já estão fora de alcance? Passadas algumas semanas, retorna o auxiliar, ainda ofegante e cabisbaixo, escondendo a face avermelhada – que intimamente gostaria de atribuir aos dias de trabalho duro naquele sol de verão. Em uma das mãos, tem o pacote de questionários preenchidos. Na outra, um estranho formulário do departamento pessoal em branco. Vai o guardião ao seu encontro, com a atenção mais direcionada para o volume de papéis do que para a expressão do ajudante. -- Veja bem, meu caro, explica o mestre. Pensei muito nesses dias e resolvi facilitar ainda mais as coisas. Não espero muito dos meus pupilos, apenas um progresso simbólico, algo aí em torno de 5 pontos, certo? Se alcançarem essa pontuação, tudo bem, terão outra chance. Mas tem uma coisa: abaixo disso, tô fora. Nesse caso, por mais que eu goste do meu rebanho, vou fazer alguma coisa mais útil do que passar os séculos protegendo gente folgada... Então? Diga lá, quantos pontos eles fizeram? -- Chefe, responde o auxiliar, enxugando o suor da testa. Ao retornar, passei na gerência de recursos humanos. Lá, informaram que há vagas para missionários nas oito nações relacionadas aqui neste formulário. Para qual delas o senhor gostaria de pedir transferência?


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