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Erotico-->40. PLÍNIO VAI PARA O OUTRO LADO (Fim do romance) -- 16/10/2003 - 07:09 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vamos surpreender o nosso herói passando uma temporada nas praias do Nordeste, um ano depois dos últimos acontecimentos.

Já não traz mais aquele ar macambúzio nem as costas descaem culpadas de erros que a consciência não aponta. Está muito feliz, enquanto passeia pela orla, com intenções claras de perpetrar um ato definitivo.

Tira da cintura um recorte de jornal, foge das marolas, mas permanece sobre a areia úmida. Senta-se, acomodando-se para efetuar a leitura do texto. Dentro da alma, algo lhe diz que é a derradeira leitura de uma página relida dezenas de vezes.

Passa a repetir, quase sem olhar para o papel, porque conhece de cor as opiniões do articulista:

“Se Kardec fosse vivo, teria sobre que falar ao povo, quanto aos cuidados que os médiuns devem observar. O nosso título de ‘Mistificador Emérito’ se justifica plenamente pela falta de tino, pela ausência de percepção da verdade, pela ingenuidade infantil na captação de uma peça que se desejou autêntica, mas que está pontilhada de más intenções, como se o argumentar não devesse pautar-se pela honestidade e pela racionalidade. O fato de o médium ter enviado a sua página para ser publicada entre as cartas dos leitores não diminui, ao contrário, aumenta a responsabilidade dele junto ao público espírita incapaz de discernir entre o que advém da espiritualidade superior e o que é produzido nos antros mais torpes das regiões trevosas. Falar do Cristo, de sua manifestação corpórea e espiritual, de suas divinas lições de amor e fraternidade, de sua religião filosófica ou de sua filosofia religiosa, sempre haverá de ser muitíssimo perigoso para qualquer um. Acrescentar a essa intenção de ensino universal a respeito da mais alta entidade, da mais perfeita, conforme os espíritos de luz afiançaram a Kardec, que veio ao mundo para salvar os homens e as mulheres, o nome sagrado de João Evangelista, como se fosse um rapazelho de recados, é cair na malha de engodos dos espíritos da mais baixa procedência.; é instigar a maledicência contra o movimento espírita.; é colocar em ridículo a própria Doutrina.”

Em lugar de enxugar as lágrimas costumeiras, Plínio sorriu, suspendeu a leitura do texto, que prosseguia por várias colunas, voltou a ordenar as folhas, leu o título do jornal: “Páginas do Amor Espírita”, e caminhou decidido contra a arrebentação. Foi aprofundando-se até que as ondas ameaçaram engoli-lo e soltou o papel inteiramente molhado, como se oferecesse ao oceano o produto de suas esperanças.

Passou as mãos sobre os olhos a afastar o sal que os irritava e gritou, sabendo que seria ouvido:

— Meus bons amigos, a minha vida não valeu. Vim até o ponto máximo que o meu ideal materialista imaginou como a suprema realização corpórea. Tenho dinheiro, tenho carros, tenho mansões, tenho mulheres, tenho iates, a saber: o dinheiro de minha mediunidade.; os carros de minhas mensagens.; as mansões dos templos que me acolhem, as mulheres de minha família: minha mãe, minha esposa, que me deu filhos, minha nora, que me deu meu querido netinho.; os iates de minhas viagens pelas esferas superiores. Mas a mediunidade eu a perdi, porque não prestei atenção ao roteiro de cautela e de sabedoria que Kardec registrou em sua obra.; as mensagens se reduziram a cinzas, enquanto a minha covardia e o meu orgulho me impediram de registrar outras.; os templos, que deveriam ser as casas espíritas, são as sedes religiosas em que meu filho e pastor vem pregando, com extraordinária facilidade e eloqüência.; as mulheres: mamãe vem me visitar em espírito para me aconselhar — graças a Deus! —.; Margarida realiza a proeza de viver na corda bamba, entre os arroubos de Ovídio e o arrependimento mórbido do marido.; Aurélia vive para a família e me induz a pensar em que a felicidade existe.; os iates se perdem no futuro desta minha idade ainda cheia de vida, mas sem as perspectivas de atender ao roteiro que devo ter traçado antes de reencarnar. De qualquer forma, Senhor, meu Deus, e Jesus, meu mestre, e Kardec, meu professor, e João Evangelista, meu amigo, e Saldanha, meu protetor, e Ari, meu mui amado filhinho, devo agradecer ter chegado até este ponto elevado de minha existência, porque não creio que jamais, em qualquer plano ou círculo em que fixei morada, pude compreender a mim mesmo e ao universo com tamanha dignidade e tão poderoso significado.

Enquanto regressava em direção da areia, os olhos feridos pelo sol ainda alto, recordava-se de um episódio que lhe dera motivo para as mais profundas reflexões:

“Se o Doutor João não tivesse dado a Ovídio uma cópia da célebre página sobre o corpo de Jesus, Cleto não teria o que mostrar a Honorato nem este o que entregar a Moisés. Sendo assim, as cópias não teriam sido encaminhadas, via fax, à sede, nem reproduzidas para a façanha da rápida distribuição, nem me causariam o transtorno de me justificar perante a comunidade espírita. Com certeza, as minhas missivas aos jornais não mereceriam publicação nem comentários e eu estaria de bem com os amigos espíritas. Ariovaldo me daria cobertura.; Ana Beatriz, Judite, Olívia e Antonieta o apoiariam.; Silvinho e Moacir me abraçariam com mais energia ainda.; Severo estabeleceria novo roteiro para o meu trabalho.; os demais...”

De repente, ao vir dando com o solado dos pés na água rasa, borrifando divertido ao derredor, atinou com uma resposta que fazia tempo aguardava:

“Foi ela, é claro: Liberata. A velha senhora também recebeu uma cópia da mensagem das confissões do Evangelista. Aqueles cabelos brancos não poderiam suportar outras cargas de responsabilidade e ela deve ter esquecido de esconder o texto. Só pode ter sido ela.”

Abriu a mente para receber o influxo das vibrações dos companheiros do etéreo, porém, não ouviu nenhuma confirmação da suspeita.

Deu as costas para a orla marítima e passou a observar as ondas que se formavam ao longe e vinham, muito serenas, esparramar-se em borbotões de espuma junto à areia. Aquele ir-e-vir enleou-o por muitos minutos. Um diálogo se reproduziu em sua memória:

— Querida, você está me pedindo algo muito sério. Deixar de me oferecer à mediunidade por quatro ou cinco anos vai ser o mesmo que jogar fora uma habilidade que venho desenvolvendo...

— E que vem lhe causando sérios problemas...

— Mas isso há de mudar, você vai ver.

— Não vou ver, não! Você precisa dar apoio ao Cleto.

— E o Ovídio? Nestes dois meses desde que ele está de volta, não passa uma semana sem que vá ao centro duas ou três vezes. Ele acredita em mim e nos meus textos.

— Ele também vai entender que o Cleto precisa da gente. Vamos dar uma força ao mais velho. Depois, você cuida do Vidinho. O tempo é a garantia do nosso sucesso.

— Essa frase não é sua...

— E que importância tem isso? Eu digo que o tempo vai correr ao nosso favor.

— E se a gente morrer antes que o Cleto se estabeleça?

As lembranças se interrompiam aí. Logo se viu diante do mais novo, a conversarem reservadamente:

— Meu caro, a sua mãe está me forçando a abandonar por uns tempos o Espiritismo. Que você pensa disso?

— Kardec e seus amigos da espiritualidade superior afirmam que, em primeiro lugar, vem a família, para dar às pessoas a certeza de estarem agindo em conformidade com as leis cósmicas. É assim que as pessoas adquirem amigos eternos e desfazem as inquietações.

— Quer dizer que você está de acordo que eu me inscreva entre os crentes do culto protestante?

— Eu acho. Mas o que eu acho não deve ser o que você deve fazer. Eu sei, por exemplo, que você está me consultando “pro forma”. Na verdade, já tomou sua decisão. Mas fico muito contente que esteja preocupado comigo. Vá em frente! Mais tarde, como o tempo é o mestre da vida...

— Essa frase não é sua...

— Ela vale para eu dizer que o mundo dá voltas e você vai poder restabelecer o prisma espírita de sua tendência existencial.

Plínio meditou longamente sobre se o filho tinha dito mesmo a frase “restabelecer o prisma espírita de sua tendência existencial”.

“De qualquer modo”, concluiu, “neste momento, não vejo como não me alegrar por pertencer a uma igreja que apenas me dá satisfações. Dificilmente vou negar que Jesus não tenha abençoado minha vida, com uma profissão rendosa, com uma casa confortável, com filhos, nora e neto saudáveis, com muitos amigos importantes, pastores e bispos, na companhia de quem tenho me recreado e divertido. Se for de meu destino, voltarei para a seara espírita, onde vou prosseguir ajudando os pobres, distribuindo alimentos, agasalhos e remédios, de noite e de dia, como venho fazendo na congregação evangélica. Talvez, numa próxima encarnação, todos nós retornaremos para retomar a doutrina do ponto em que paramos. Isso se Jesus não nos acolher desde logo em seu reino de paz e amor, depositando nossas almas aos pés de Deus.”

Sentiu que lhe aspergiam de água a cabeça, como se estivesse recebendo o batismo no Jordão. Era Margarida, toda sorrisos, que o abraçou pelas costas, deixando perpassar-lhe pela mente a idéia de que estivesse sendo assediado por um obsessor. Mas logo se desprendeu, para correr lépida e elegante, em suas formas esbeltas, provocando-o, para que a pegasse.

Plínio hesitou um instante, mas pôs-se a perseguir a esposa, querendo alcançá-la antes que penetrasse nas trevas.

Enquanto isso, o sol expandia-se, em forte luminosidade, refletindo-se na multidão de corpos de ouro e de ébano.
Indaiatuba, de 07.10.97 a 02.01.98.





Existe uma edição impressa em dois volumes (A Paixão de um Espírita e Plínio: um Espírita Autêntico) pela EDITORA MNÊMIO TÚLIO, Rua Jaguarão, 175, Cidade Vargas — São Paulo — SP — Cep 04318–040 — (011) 558-83511 (mnemio@zaz.com.br).
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