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Artigos-->Nietzsche versus Wagner II -- 16/08/2002 - 12:03 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nietzsche versus Wagner II



O primeiro encontro de Nietzsche com Wagner data de 15 de maio de 1869. Nietzsche &
61485; emocionado &
61485; chegava a Trebischen, onde Wagner morava: uma bela vila, alugada pelo rei Luís da Baviera, seu protetor. A audiência, no entanto, foi adiada. Enquanto esperava, porém, diante do imenso jardim que circundava a casa, ouviu um acorde, repetido e repetido ao piano. Anos depois identificaria naquele acorde repisado o clamor de Brunilda no terceiro ato de Siegfried: ”Ele me feriu, aquele que me despertou ...”(Martins, 1965, p.10). Essa admiração, sabemos, sofreu uma profunda inversão.



A obra de Beethoven, o compositor mais venerado por Nietzsche, significou uma ruptura com (e a partir) do classicismo de Haydn e Mozart, em direção ao romantismo, do qual não chegou a fazer parte. A música alemã, posterior a Beethoven, pertence ao Romantismo, inclusive o fenômeno Wagner.



Nietzsche, conforme Souza (1992, p.4), também foi músico. Autodidata, compunha já aos nove anos, suas composições eram prendas que oferecia à mãe e à irmã, em ocasiões como Natal e aniversário. A desavença com Wagner e com todo o romantismo, liqüidou seu impulso musical, que era essencialmente romântico. Como pensador se coloca na ruptura, rumo à modernidade, que não chegou a vivenciar: foi um preparador. Concebe sua obra como luta contra o romantismo. Identifica-o como sintoma da barbárie moderna de uma época de esgotamento nervoso, combinada com uma superexcitação nervosa. É precisamente porque vê nele uma caricatura da verdadeira expressão do instinto que ele chama de “dionisismo”.



Mário de Andrade, profundo conhecedor de Wagner, como também, conhecedor dedicado de música, além de professor no Conservatório Dramático e Musical, que prolonga suas aulas no volumoso Compêndio e na Pequena História da Música, etc., poderá, melhor do que ninguém, esclarecer-nos esta complicada questão. Como imitador da Grécia, o que Wagner pretendia, diz Mário (1951, p.149), era “conceber a música no sentido artístico totalizado de fusão de todas as artes: a Arte das Musas”. O teatro era o único lugar possível para tal fusão, de tal forma que as artes tivessem igual importância. As artes plásticas (a arquitetura da cena) devem estabelecer uma união indissolúvel com as artes sonoras (música e poesia). Um único artista deverá escrever o poema, a música e determinar o espetáculo cênico para conseguir uma unidade absoluta de concepção e realização. O poema determinará o valor dramático da obra (“o seu sentido espiritual”) e condicionará as outras artes como concordantes e não como subalternas. O papel da poesia, conclui ele, “é, pois, dar a significação intelectual básica da obra. O papel da música é reforçar essa significação com seus valores que são mais dinâmicos, mais profundos que os da palavra”.

“A música romântica chegará ao máximo das suas intenções com o wagnerismo,” confirma Mário de Andrade — portanto, em sintonia com Nietzsche — no artigo “Reação contra Wagner” (foi publicado anteriormente na ARIEL Revista de Cultura Musical, a.1, n.8, 1924, p.279-85):



“Tornara-se ao mesmo tempo exasperadamente subjetiva — comentário psicológico de seres e ações — e exasperadamente descritiva, não sujeitando os seus programas a traços largos e fáceis de imitação de ruído da natureza. ... A orquestra pretendia ser um livro aberto; facilmente legível e compreensível desde que conhecesse de cor o dicionário misterioso dos motivos condutores. A música perdera aquela prerrogativa, tão saliente no período setecentista, de se valer por si mesma, liberta da literatura, para se tornar de novo ancila do pensamento e do drama da vida”. (Andrade, 1951b, p.50)



Wagner, como ator que era, explica Ludwig (1947, p.282), mesmo que se restringisse apenas às palavras, necessitava de espelhos. Encenador constante, requeria palcos comemorativamente ornados. A insistência incansável com que repete os motivos de suas óperas, inspirarão Hitler a ponto deste recomendá-lo “como o melhor meio de tornar acreditável tudo que se quiser, até mesmo a mentira”. Neste sentido, Wagner envenenou a Alemanha. As “inovações” lançadas ao mundo musical foram capazes de paralisar a vida artística de toda uma geração. Nietzsche previu e não o perdoou:



“Wagner é uma grande calamidade para a música. Adivinhou nela um meio de excitar os nervos cansados e foi assim que tornou a música doente ... O sucesso de Wagner &
61485; sobre os nervos e portanto sobre as mulheres &
61485; fez de todos os ambiciosos do mundo musical discípulos de sua arte oculta. E não somente os ambiciosos mas também os malandros... Hoje em dia só se ganha dinheiro com música doente: nosso grandes teatros vivem de Wagner” (Mann, 1944, p.114).



Brahms Foi o continuador de Beethoven, permanecendo fiel à linha mestra deste. Foi o último a dominar todas as formas absolutas de música. Nietzsche, conta-nos Ludwig, (1947, p.284), pretendendo efetivar o rompimento com Wagner, em silêncio, colocou uma peça de Brahms sobre seu piano. Mário de Andrade coloca Brahms, juntamente com Cesar Franck e Verdi, como representantes das possibilidades duma evolução além de Wagner. Conforme Andrade (1951, p.50-3), no florescer da Wagnerofilia, Brahms, só com muita dificuldade, conseguia espaço, mesmo dentro da Alemanha. E só depois de 1868 consegue alguma celebridade com a apresentação do “Requiem”. Cósima Wagner, conta-nos Mário de Andrade, jamais perdoou Brahms: “Disseram-me que o snr. Brahms fazia música...” escreveu ela numa carta, a sua morte, em 1897, tamanho foi o ressentimento. A razão do mal-entendido foi a divulgação, inoportuna por antecipada, do manifesto musical neo-beethoveniano, elaborado por Brahms e o violinista Joachim. Os amigos e admiradores de Wagner repudiaram-no. Brahms não queria se opor pessoalmente a Wagner, “apenas não compreendia o romantismo dramático do outro. Seus Amores eram todas as idades clássicas ... Seu ideal era o retorno às formas e fórmulas beethovenianas. E realizou-se efetivamente com aplicação e, mesmo, por vezes, genialidade”.



Um último aspecto, para finalizar. O filósofo, ao longo da sua controvertida relação com Wagner, mantém inalterado seu apreço por Tristão e Isolda, conforme manifesta-se em Ecce Hommo: “Desde o instante em que houve uma partitura para piano do Tristan ... eu era wagneriano. ... Mas ainda hoje procuro por uma obra da mesma perigosa fascinação, de uma mesma arrepiante e doce infinitude”. Presta, por isso, um reconhecimento a Wagner &
61485; tirando “vantagem do mais problemático e perigoso”, já que é forte o bastante para tanto &
61485; denominando-o o grande benfeitor de sua vida. Acrescenta ainda:

“Tomo como uma felicidade de primeira ordem ter vivido no tempo certo, e precisamente entre alemães, para estar maduro para esta obra: até que ponto chega em mim a curiosidade do psicólogo. O mundo é pobre para quem jamais foi doente o bastante para essa “volúpia do inferno”: é permitido, é quase obrigatório empregar aqui uma fórmula mística. ... e, sendo assim como sou, forte o bastante para ainda tirar vantagem do mais problemático e perigoso e com isso tornar-me mais forte.”( Nietzsche, 1987, p.152)



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



ANDRADE, M. Música, doce música. São Paulo: Martins, 1951b.

ANDRADE, M. Pequena história da música. São Paulo: Martins, 1951.

LUDWIG, E. Os alemães. Trad. Adda Coaracy e Vivaldo Coaracy. 2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1947.

MANN, H. O pensamento vivo de Nietzsche. 2.ed. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Martins, 1944.

MARTINS, M. Nietzsche. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1965.

NIETZSCHE, F. W. Obras incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: nova cultural, 1987. 2v. (Os pensadores).

SOUZA, P. C. Nietzsche polifônico. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 set. 1992. Mais, p.4.

WISNIK, J. M. A paixão dionisíaca em Tristão e Isolda. In: CARDOSO, S. et al. Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.195-228.



Dante Gatto

Professor da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)

gattod@terra.com.br

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