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Cordel-->Conversa com meu pai morto -- 26/03/2008 - 10:08 (mestre Egídio) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Conversa com meu Pai morto
(morreu em 1986)

I
Lembra-te, Pai, do tempo das caçadas?
Sei que te lembras, quem esqueceria?
Ansiosos dias antecediam o dia,
E as madrugadas, longas madrugadas.

Nós as crianças, cordas desfiávamos,
Fazíamos do sisal, as buchas de espingardas,
Bolinhas, todas iguais, nas palmas enroladas,
E após tê-las bastante, nos bornais guardávamos.

Na noite, à véspera, lembras pai? Ainda...
Mãe ficava até tarde na cozinha
Preparando a farofa de galinha,
Que era farnel... Êi pai, tu lembra ainda?

A noite ainda escura, e a azafama,
Mãe sempre nestes dias, cedo estava em pé,
Fazia tapiocas, e o cheiro do café,
Era uma força extra a nos tirar da cama.

Quando além, no horizonte a barra mal surgia,
Espalhavam-se no ar os acordes plangentes,
De maviosa valsa em tons crescentes,
Como uma saudação ao novo dia.

Vinha lá da matriz, da torre, encima,
Reverberar na urbe, o som possante
Da boca poderosa do autofalante
Ao toque magistral do José Lima.

As valsas eram lindas, ele as escolhia,
Valsas sentimentais, que falavam de amor,
Alegrava-nos o coração o irmão do monsenhor
Quando a luz matinal crepuscular crescia,

II
Eu era ao teu lado, pai, a pura euforia,
Que lindo para mim era o raiar do dia,
As cercas de aveloz ladeando o caminho,
Depois o vadear do rio salgadinho,
De mansa correnteza, e água tão gelada,
Que eu achava lindo, assim, de madrugada,
Gritando de alegria ao ver um peixinho.

Chegando a algum lugar tranqüilo e aprazível,
Sentava-te a sombra, e armadas de espingardas,
Seguiam os manos em suas caçadas,
E eu por ser criança ficava contigo,
Gozando tua presença, a salvo do perigo,
Com minha baladeira atirava pedrinhas,
Comia quando em vez, pedaços das galinhas,
Que tu me davas, pai, (como eras bom comigo).

Mas mesmo ali, tranqüilo e acomodado,
A tua moda, tu também caçavas,
Pois abatias dali de onde estavas,
Com tiros infalíveis, fulminantes,
Fossem socós, rolinhas ou avoantes,
Que buscassem abrigo na ramada
Dentro do alcance de tua espingarda,
E eu iria busca-las em instantes.

Hoje não há mais nada pai,
Hoje mais nada existe,
De andasses por lá irias ficar triste
A visão que se tem, olhando lá do horto,
É que na região ta tudo morto,
Como um lugar êrmo e desolado,
Um campo de batalha arrasado,
Ta tudo morto, pai, morto! Morto!

III
E a tua garrucha, pai?
Como eu a achava bela...
Alimentava o sonho de atirar com ela
... Um dia, numa caçada, talvez adivinhando
Aquêle sonho meu, qu’eu vinha alimentando
Puseste-a em minhas mãos, eu tremi ansioso,

Tu me recomendastes: seja cuidadoso!
Nunca aponte a ninguém, ainda que desarmada,
Deve sempre supor que esteja carregada,
Lembra pai? Lembra? Lembra?...
Foi lá nos “carás”, nas grandes pedras pretas
Tua bela garrucha, como as escopetas,
Tinha o cano curto e reforçado.,
Do lado da culatra ele era sextavado,
O guarda-mato e o cão eram bronze fundido,
Toda coronha feita em jatobá polido.

Deitei na rocha negra e lisa, emborcado,
Ambas as mãos, seguras firmemente
Na coronha da arma, e esta a frente
Apontava, certas concavidades que haviam,
Na rocha, cheias d’agua, onde bebiam
Matando suas sedes, as vitimas inocentes,
Pacificas, inermes, e que nós, inclementes
Matávamos sem do nem piedade.
Sentíamos prazer nesta perversidade.
(Hoje não o faríamos, pai, nós estamos diferentes).

IV
Acossada pela sede, uma avoante,
Sentou a beira d’água e num instante,
Detonei a garrucha...Que estampido!
Pelo recuo violento fui impelido
Para trás, no declive, escorregando
Fui entre duas rochas projetado...
Lembra pai?? Podia ter morrido!

E dos serões pai, lembra?
Eu lembro todo dia...
Se pudesse voltar eu voltaria
Tinha prazer de trabalhar contigo
Tu eras realmente meu amigo,
Tu nunca me ofendeste ou maltrataste
Exerço a profissão que me ensinaste
E os meus filhos à aprenderam comigo.

Comigo estás pai, e embora não te veja,
Sinto tua presença benfazeja,
E por ti tenho um amor sem medida,
A minha vida pai, com tua vida,
É uma vida só, entrelaçada
Em cada obra que faço é projetada
A tua arte, o âmago da minha arte,
Pois na integra de ti foi aprendida.

Ao fim da vida, caso haja outra vida,
Espero encontrar-te a esperar-me,
Assim continuarás a ensinar-me,
A tua experiência adquirida,
E pra ti, eu em contrapartida,
Te contarei as minhas aventuras,
Os risos, as alegrias, os prantos e as agruras
Da minha própria vida bem-vívida.
... “A Bença”, Pai!
... também Deus te abençoe...
Se te fiz algum mal, te peço, me perdoe.
Até lá! Teu filho: Egidio.

Belém- PA, 20 de janeiro de 2000.


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