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Teses_Monologos-->Reescrevendo "Sai pra lá, Maria Kafka!" (2) -- 31/01/2003 - 01:58 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eu nunca havia imaginado uma trilha sonora para Kafka, como se sua linguagem protocolar não comportasse partitura, como se os pesadelos dispensassem melodias. Em "O Processo", de Orson Welles, a surpresa de vê-lo pontuado pelo patético do "Adaggio" de Albinoni.

Para os estudiosos, e alguns sequer conseguem aceitar tranquilamente que a autoria seja mesmo de Albinoni, o órgão foi acrescentado ao que restara de um fragmento barroco, alguns compassos e a linha do baixo, supondo que originalmente se destinasse a uso religioso. No filme, é inevitável que isso aconteça, a sonoridade remete à longa tradição da interpretação teológica do escritor tcheco.

Contrariando o desejo do amigo, Max Brod não apenas deixou de queimar-lhe os escritos inéditos, como tratou de cercá-los, para publicação, de uma exegese tendenciosa. Criava-se um mito. Em "Kafka nunca foi santo", Milan Kundera documenta a metamorfose de Kafka em sisudo sofredor tísico e assexuado, mártir, cordeiro pascal que viveu e morreu pela humanidade.

A página de entrada de um site que visitei sugere um altar: sobre fundo preto, a foto do escritor, efígie ovalada ao centro, ladeada por castiçais com velas bruxuleantes. Por mim, a página traria, à guisa de epígrafe, uma anotação de Peter Handke em "Fantasias da Repetição", um de seus diários já publicados: "Odeio Franz Kafka, o Filho Eterno!"

Mas o filme de Welles traz uma outra música, mais próxima da ausência de música que eu imaginara: 850 máquinas de escrever, espalhadas sobre 850 escrivaninhas, tecladas simultaneamente por 850 funcionários no cumprimento de suas 850 rotinas cinzentas, rigorosamente idênticas.

Essas e outras cenas, que o cineasta, por problemas de última hora (Guerra Fria), não teve permissão para rodar na Iugoslávia, foram transferidas para os suntuosos espaços vazios da Gare d’Orsay, em Paris, então desativada.
Na montagem, Welles chega a fundir, numa única cena, monumentos arquitetônicos de três diferentes cidades: Zagreb, Paris e Milão. Num cenário de pesadelo, tudo termina num único e uniforme espaço desumanamente burocratizado, o espaço da Lei, em cujo interior, povoado por uma hierarquia indevassável de juízes invisíveis e pela estropiada multidão dos sentenciados, o processo morosa, incompreensível e interminavelmente se arrasta.

Condena-se o viés sociológico do filme, mas, com todos os senões, ele traduz aspirações de uma época, os anos 60. De quebra, ajuda a superar a fraude teológica e a extensa folha de desserviços prestados à literatura - não só de Kafka - pelo recurso à psicologia.

As gargalhadas que Peter Bogdanovich ouviu de Welles no escuro das cinematecas européias fazem supor que, para ele, o "absurdo kafkiano" tivesse algo de afetação, de comédia, de pantomima.

Tanto em Kafka, como em Welles, as cenas finais, com Joseph K. sendo arrastado ao local do sacrifício por dois algozes de pastelão, são dignas dos melhores cartunistas.

Nos desenhos do próprio Kafka, sugestões de ordem não-verbal parecem comentar seus ataques de riso ao ler passagens do texto para os amigos.

Kafka deixou de ser apenas um escritor, diz Peter Handke, para se tornar um personagem da humanidade. Esboço do homem comum, esse ser coletivo, seu feito só se compara ao de um outro grande artista do século XX, outro grande humorista: Charlie Chaplin.


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Sobre o primeiro texto desta série, um leitor me pergunta de onde, afinal, vem a idéia de que Gregor Samsa acordou transformado numa "barata", se as três traduções que consultou, incluindo a de Torrieri Guimarães, falam de um "inseto", e de um "inseto monstruoso", não "gigantesco".

Só um leitor atento para nos salvar do lamentável tributo à pressa e ao senso comum. Errei ao citar de memória e por não checar dados que tinha como inquestionáveis. Corrijo, e saímos farejando o que nos falta. Este texto continua em aberto, como todos os textos. A interpretação do mundo é tarefa coletiva. Valeu, Jônatas Protes.

[continua]
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