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cronicas-->Papo de lotação -- 29/07/2003 - 02:31 (Patrícia Köhler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Papo de lotação

- Aqui em São Paulo tá fogo, menina. Adoro aqui, estou há mais de vinte anos, mas a coisa tá ficando cada vez pior. Quem vem do sertão, do interior, por mais tempo que fique aqui nunca acostuma totalmente. Já assaltaram minha lotação duas vezes só este ano.
- E você é de onde?
- Paraíba. Uma cidade que nem tem em mapa nenhum, nem adianta tentar encontrar algum dia.
- Tá...e veio pra cá atrás de dinheiro...né?
- Comida, minha filha. Pelo menos comida eu tinha que dar um jeito de arrumar pros filhos...porque dinheiro, dinheiro mesmo, até hoje tó atrás...
- Sei...mas conseguiu alimentar os filhos, pelo menos?
- Ó...e ainda todos estudaram...nenhum é doutor, mas o mais velho é gerente da Drogasil, o Cleiton fez computação desde moleque e mexe com isso até hoje, numa empresa de...como é que é mesmo o nome, meu Deus??..sófiti...sófitiué...
- Softwares.
- Isso. E a Michelle, com menos de 18 anos, já ganhava quase o meu salário dançando numa casa de shows...mas não dançava pelada, não, que eu já fui ver...ai dela se fizesse uma coisa destas...dançava de shortinho...axé...agora engravidou e casou...a única desempregada...mas o marido não ganha mal...e ela logo logo volta pra vida de dançarina...tem o corpo bom, a danada.
- Ahhh...e você só tem três filhos?...raro isso...
- Não, não existe nordestino só com três filhos...ainda tem a Nayara, que ainda estuda e não deixo trabalhar...enquanto posso dar roupa e comida, filho meu só estuda. E o caçula, o Ronaldo, que tem oito anos e só joga bola. Dei o nome por causa do Ronaldinho. Vai pelo mesmo caminho, se Deus quiser. Ninguém segura os chutes dele.
- Deus te ouça! A seleção sempre vai precisar de craques.
- E você, faz o quê?
- Estudo.
- O quê?
- Faculdade. Jornalismo.
- Só?
- É...
- Bom não precisar trabalhar, né?
- Se o senhor acha que é bom ficar desempregada...
- Mas você não faz faculdade? Deve estar desempregada por opção.
- Meu senhor, o senhor não lê jornal, não? Tá assim, ó, de universitário, muitos até já formados, desempregados. E garanto que não estão por opção.
- E por que este povo todo quer fazer faculdade? Se é pra ficar sem emprego, melhor fazer um curso técnico, jogar bola, qualquer coisa. Não tó certo?
- Não sei...
- Olha o Lula, minha querida...aliás, qual o seu nome?
- Patrícia.
- Então, Patrícia, olha o Lula...não tem nem ginásio completo e tá lá, em Brasília. Presidente. Sem entender nada de inglês, aliás, nem português falava direito tempos atrás.
- Sim, mas o senhor há de convir que é um caso atípico.
- A o quê?
- Não é comum isso acontecer. Um caso em cem mil, talvez. E outra, a gente muitas vezes tem nossos sonhos, né? E muitos deles estão nas faculdades, e não nos cursos técnicos ou no futebol. Eu, por exemplo, sempre quis ser jornalista.
- Ah, que legal. Aparecer na tv, né? Tipo o casal do Jornal Nacional.
- Bem, não é o que eu quero.
- Não?
- Não. Quero escrever. Só. Ficar atrás das càmeras.
- Mas que besteira, você é bonita, aproveita seu rosto. Deve ficar bem na tv.
- Brigada pelo elogio, mas não quero aparecer na tv.
- É, Deus dá asas a cobra...sabe que o sonho da Michelle sempre foi aparecer na tv? Dançar no É o tchan, Cia do Pagode, estes grupos.
- Bem, ela então tem que ir atrás do sonho dela, né?
- E você, vai escrever sobre o quê?
- Sobre tudo.
- Tudo?
- Ah, tudo que der vontade. Política, economia, música, variedades, filmes, artistas. O que pintar. Qual o seu nome?
- Gerónimo. Com g.
- Então, seu Gerónimo, vou escrever até sobre o senhor.
- É? Olha lá o que vai dizer, hein? Minha mulher lê a Contigo.
- Não escrevo na Contigo, Gerónimo. Não escrevo em lugar nenhum. Pode deixar que ela nunca vai ler. E também o senhor e eu só estamos conversando, né? Ela não ficaria chateada.
- É...olha, Priscila...
- Patrícia.
- Patrícia, desculpa. Então. Quer um conselho? Escrever não dá dinheiro. Vai pra tv. Trabalhar na novela das 8. Vai por mim. Seu rosto é bonito e sua fala é gostosa de ouvir.
- Tá certo, Gerónimo, vou pensar no assunto. Brigada mais uma vez pelo elogio. E pelo conselho. Agora o senhor pode parar aí neste próximo ponto?
- A senhorita manda.
- Tchau, Gerónimo. Adorei o papo.
- Eu também, Patrícia. Vai com Deus. Ah, e não esquece de escrever sobre mim, hein?
- Pode deixar.

Desci da lotação - que, ao contrário do nome, só abrigava nós dois - e vim escrevendo isso mentalmente, tentando me lembrar do papo na íntegra. E torcendo pra não ter de ir parar na novela das 8 ou dançando axé pra ganhar dinheiro.

Patrícia Köhler, estudande de jornalismo e desempregada.

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