História de um boletim
Octávio Caúmo Serrano
Hoje vou contar a história
Do primeiro boletim
Que a professora do Grupo
Entregou-me e disse assim:
-Leve ao pai, para assiná-lo,
E depois traga pra mim.
Esse era o primeiro mês
Das minhas notas na escola.
Com apenas sete anos,
Menino de boa cachola,
Eu gostava de estudar
E só depois jogar bola.
Logo que cheguei em casa
Dei ao pai o documento
E então pude observar,
Com meu olhar sempre atento,
Que ao assinar nem sabia
Como pegar no instrumento.
Ele nunca usou um lápis
E nem mesmo uma caneta.
Percebi que para ele
A situação ficou preta
Pois a caneta pesava
Muito mais que uma marreta.
Tentou escrever “otávio”
Quase furando o papel,
Que até sentia em sua boca
Um gosto amargo de fel…
-Porque, meu Deus, o meu filho
Não tem um pai bacharel?!
Depois de passado um tempo,
Ele conseguiu, por fim,
“Assinar” o tal papel
E então entregá-lo a mim,
Dizendo: -É a última vez
Que assino o seu boletim.
-O estudo é para você,
Você não estuda pra mim;
Se você for mal na escola,
Poderá sofrer no fim.
Portanto, é a você que cabe
Cuidar do seu boletim.
-Se quiser mostrar-me as notas
Eu vou gostar de saber…
Mas isso você decide,
Não é obrigado a fazer,
Pois importante é que saiba
Sempre cuidar de você.
A partir daquele dia,
Com responsabilidade,
Eu honrei o nome dele,
Demonstrei maturidade,
Pois sempre fiz minha parte
Com toda dignidade.
São quase sessenta e cinco
Anos que isto aconteceu
E já vão quarenta e nove
Anos que meu pai morreu,
Mas inda está viva em mim
A lição que ele me Feira, Junho 29
Quando entro nas catedrais,
Onde espero encontrar paz,
Vejo um Cristo pendurado,
Numa cruz toda de ouro,
Que pereniza o desdouro
De um erro que está gravado.
Mas eu busco um de verdade,
Não que me inspire piedade
Traído e preso ao madeiro;
Quero um Cristo que oriente
E que minha alma apascente
Por me servir de luzeiro.
Meu Cristo é o Cristo Divino,
Igual àquele menino
Que nasceu na manjedoura,
Porque aquela criança
Veio trazer a esperança
De uma fé imorredoura.
O Cristo que eu necessito
É um ser calmo e bonito
Que não conheceu fracasso.
Por isso em minha missão
Eu uso a sua lição
Para guiar os meus passos.
O Filho de Carpinteiro,
Vendido no mundo inteiro
Por religiosos venais,
Serve hoje de criado
E nos templos é usado
Em sórdidos comerciais.
Quero o Cristo caminhando,
Pelas ruas ensinando,
E não um morto pregado,
Abandonado e sozinho,
Com uma coroa de espinhos
E o peito dilacerado.
Não quero o Cristo suarento,
Exibindo sofrimento,
Imóvel, quase sem luz…
Quero vê-lo entusiasmado,
Tendo o rosto iluminado
Como era o Mestre Jesus.
Eu busco o Cristo da paz
E não o que ali jaz
Jogado como indigente;
Quero-o de sandália e manto,
Andando e enxugando o pranto
Daquele que está doente!
Meu Cristo é o Cristo de Deus,
Que ama até mesmo ateus
Pois faz de homens irmãos!
Este é o meu Cristo Jesus,
Que me orienta e conduz
Nas lutas da evolução.
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