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Teses_Monologos-->Reescrevendo "Sai pra lá, Maria Kafka!" -- 28/01/2003 - 07:00 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Sai pra lá, Maria Kafka!”, foi o que ouvi dizer no quarto ao lado, juntamente com o espoucar de vassouradas nervosas ou um chinelo que cantava na parede. O chega-pra-lá tinha por alvo uma réles barata, bem brasileira, naquele hotelzinho de terceira, Deus sabe onde à beira de uma estrada, e não o "inseto monstruoso" em que se viu transformado Gregor Samsa, ao despertar, não apenas na tradução feita diretamente do alemão por Modesto Carone, "de sonhos intranqüilos".

Houve uma vez os INIMIGOS DO REI e uma canção de sucesso sobre uma barata chamada Kafka. Mas isso foi muito depois de ter havido, para infelicidade de tantos, como querem alguns, um certo Torrieri Guimarães. Esse entrou para a história por ter traduzido quase toda a obra do escritor tcheco "diretamente do original americano". Conheço quem o defenda, pessoas que não se sentem lesadas, por ter feito o que lhe foi possível fazer a seu tempo.

Ocorre que, depois dessa sua famigerada tradução, as letras pátrias se viram infestadas por Joões e Marias Kafkas, fato que levou o poeta Carlos Drummond de Andrade a se sair com uma boa tirada: "Kafka, um autor que se tornou mundialmente famoso por imitar diversos escritores brasileiros". Quem nos conta essa, entre tantas outras impagáveis, é o Otto Maria Carpeaux de "Meus encontros com Kafka", um ensaio memorável, ele que, aos 21 anos de idade, enfrentou dificuldades em seu primeiro encontro com o franzino Franz, na época, lá como cá, tão desconhecido quanto ele. Foi numa festa em Berlim, regada a celebridades, que ele quis saber, de um amigo, quem era o rapaz de aparência soturna, isolado a um canto. Ouviu que era autor de alguns contos esquisitos. Um certo KAUKA. Nada importante.

Ao rever "O Processo" de Orson Welles, eu me pergunto como, se e quanto o criador de "Cidadão Kane" não terá naufragado na mesma canoa furada em que se meteu por inteiro o nosso malfadado Torrieri Guimarães. O filme também surgiu num momento em que, pela mão dos editores americanos, Kafka em definitivo se instalava na Weltliteratur, mais sisudo e soturno, com toda certeza, do que aquele rapaz magrinho, o mesmo rosto da foto que tanto intrigara o jovem Peter Handke ("se espinhas não tivera?"), sobrancelhas espessas, um principiante, incógnito no grand monde literário berlinense.

Foi Roman Polanski, quando da montagem de "A Metamorfose" em Paris nos anos 80, quem chamou a atenção dos críticos para a não compreensão de algo tipicamente eslavo, um humor lingüístico que se houvera instalado nas entrelinhas do alemão protocolar do autor tcheco que escrevia em alemão, com expressões capazes de sugerir coisas absurdas, incompreensíveis talvez para ouvidos ocidentais, como a idéia de um sujeito qualquer, um obscuro e cumpridor funcionário de uma Companhia de Seguros, um belo dia, acordar transformado numa barata. Ainda mais, eu acrescentaria, com a contribuição milenar de todos os erros, passando pelo auxílio luxuoso das traduções indiretas e do caótico boca-a-boca que assegura a permanência das obras literárias, seja como êxito, seja como fracasso.

Ou não será que o ocidente, com o ardor de quem ainda não encontrou suas palavras, ansiasse por visões que o ajudassem a compreender situações que, a partir de então, seriam descritas como "kafkianas", fantasmagorias de uma vocação totalitária latente, pronta para explodir, pipocar por toda parte ao longo de um século, que hoje, pelo retrovisor, e cheios de incredulidade, tentamos localizar na bruma espessa do tempo? Welles optou por uma interpretação sociológica, bem ao gosto dos jovens que ocupariam as ruas naquela década.

Para falar da importância de Kafka, Carpeaux lembra que só Dante e Shakespeare chegaram a tanto, ter seus nomes incorporados, como adjetivos, ao falar cotidiano das pessoas em todo o mundo. Entre "cenas dantescas" e "tiradas shakespearianas", o mundo aprendeu a conviver com o "absurdo kafkiano", que alguém já achou de dizer "tão nosso".

[continua]

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