No dia seguinte ao debate na TV BANDEIRANTES uma pessoa conhecida afirmou que Lula havia se comportado de modo ridículo, com ar de bonzinho, como que querendo enganar a população. Emendou a observação dizendo que ele teria tido melhor desempenho se continuasse atacando seus adversários, pois assim estaria sendo o Lula verdadeiro(ela vota no Serra).
Essas observações são muito parecidas com as feitas na Usina por pessoas que não gostam de Lula, sempre se referindo a ele como um lobo na pele de cordeiro, que tenta vender a idéia de moderação, de um Lula-light que abandonou o discurso comunista apenas de mentirinha, pra poder chegar à presidência do Brasil, onde, armado com sua foice ideológica até os dentes, transformará o país na maior nação comunista do globo -- a China não conta, já que a cada dia se torna mais capitalista do que muitos países do ocidente, nem Cuba, uma porção de terra perdida no Caribe!
Foi então que alguns pensamentos me obrigaram a escrever esse artigo.
O principal deles faz alusão à maneira como alguns seres se colocam na posição de juízes da consciência alheia, negando a outros a mesma condição de mudar a compreensão das coisas que arrogam a si próprios. Exemplo perfeito e acabado é o filósofo Olavo de Carvalho, que tem muitos fãs aqui na Usina. Ele confessou ter sido comunista um dia. Disse também que num belo dia de primavera, quando as flores do campo lhe inspiravam profundas reflexões, descobriu que sua mente estava enferma, e a doença era a ideologia comunista. Buscou a cura nos recônditos mais íntimos de sua consciência, a única testemunha fiel da enfermidade, e encontrou o remédio na filosofia humanista. Autodidata, a partir de suas investigações filosóficas, concluiu que o comunismo é a pior desgraça que a humanidade conheceu, e a partir dessa revelação, passou a lutar vigorosamente contra a peste vermelha.
É claro que todas as suas acusações contra os ideais socialistas têm o invólucro sofisticado do verniz da filosofia, de cujas investigações alimenta sua pregação profética contra o apostolado do mal, aqui no Brasil representado por Lula.
Lula, todos sabem, fundou o Partido dos Trabalhadores. Os postulados do partido, verificados em seu regimento e estatuto, são todos baseados no Socialismo, do qual extraiu sua identidade partidária e desde onde orienta sua atuação política.
De uns tempos pra cá, Lula e parte do PT vêm dando sinais de que abriram mão do discurso socialista no que ele tem de mais genuíno, ou melhor, de suas pressuposições primárias a partir das quais, e somente, o Brasil chegaria ao surgimento de uma sociedade justa, igualitária e fraterna.
De alguém que pregava a revolução armada, Lula passou a reivindicar o posto de quem, não abrindo mão das lutas por igualdade social, agora admite que a revolução armada, o comunismo, tornou-se inviável diante de demandas capitalistas intransponíveis, diante de um processo irreversível de globalização econômica. Revistas as posições, Lula quer chegar ao poder democraticamente (e quando não quis e pregou que não queria?), pelo voto, fazendo uma “ruptura democrática” com a realidade cruel posta e imposta ao povo brasileiro pelo consenso de Washington.
Se até pouco tempo o PT pregava a suspensão imediata do pagamento da dívida externa, o novo momento do partido e de seu principal líder revela a disposição de cumprir as obrigações assumidas pelo governo brasileiro junto aos organismos financeiros internacionais, ainda que com as devidas ressalvas.
Apesar de tantas demonstrações de mudança efetivas no discurso e comportamento, a práxis petista soa falsa, hipócrita, aos ouvidos de seus críticos, os juízes que desde sempre condenaram o PT e Lula à condição de “comedores de crianças”, “diabos vermelhos”, “inimigos da liberdade e da democracia”, “comunistas enrustidos em capas democráticas”, etc.
Quer dizer, o comportamento histriônico de pessoas como Olavo de Carvalho, Félix Maier, Dom Kless, Siciliano, Daniel Fiúza de Mello, dentre outros, revela uma contradição: ao mesmo tempo em que alguns deles admitem ter mudado sua compreensão de mundo, tendo rejeitado a ideologia socialista, negam o mesmo direito, a mesma possibilidade histórica a Luiz Inácio Lula da Silva.
Não sendo por puro preconceito, não sendo fruto de uma rasteira avaliação da capacidade do ser humano de confrontar e superar as dificuldades impostas por limitações contingênciais -- como a impossibilidade de freqüentar bancos universitários e não falar vários idioma -- para atingir seus mais caros objetivos, somente resta uma conclusão: as pessoas que acusam Lula de estar se comportando hipocritamente apenas pela sede do poder, revelam que elas próprias nunca experimentaram nenhuma mudança em seus pensamentos, nunca abandonaram suas antigas convicções, avaliando tanto a realidade do mundo quanto os homens que a tentam modificar, a partir de sua defeituosa compreensão da natureza humana, uma vez que nem chegaram compreender a si mesmos.
Resta a esses críticos do PT a lição bíblica extraída do episódio no qual um credor incompassivo, que pedira perdão a um homem a quem devia uma imensa quantia em dinheiro, sendo atendido, não usou da mesma benevolência ao ser procurado por alguém que lhe devia uma quantia irrisória, obrigando o devedor a lhe pagar totalmente a dívida.
Se um dia a História revelar que essas pessoas estão sendo injustas em suas acusações, sua posteridade haverá de ser cobrada, talvez sem culpa, pois o pecado da infâmia descoberto quando acusado e acusador não estão mais presentes jamais é plenamente expiado. Oxalá a infâmia contra o PT e Lula cobre pagamento ainda em nossos dias, ai sim a justiça poderá ser feita...
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