Apenas mais um dos autómatos daquela fila disciplinada e silenciosa, lá estava eu com o pensamento ausente ou somente basal, olhos fixos no entra e sai dos caixas eletrónicos, quando subitamente acordei com uma bolinha fitando-me. Sobre os ombros da mulher humilde e indiferente, à minha frente, rosto e cabeça redondos, olhos, pupilas, nariz e boca compondo um jogo de círculos concêntricos, olhava-me o menino de colo, meio assustado, meio curioso, imóvel, esperando. Esperávamos, todos, a vez e ele esperava um sinal. Mais importante para ele do que, para nós, o objeto de nosso interesse. Encarando-o sério, resisti ao máximo, divertindo-me com a sua contemplação e curiosidade até que, por fim, cedi com um sorriso, instantaneamente correspondido, todos aqueles círculos metamorfoseando-se em crescentes. As duas esferas excêntricas que se apoiavam sobre o ombro avançaram para mim e então, solícito, as segurei, inaugurando um diálogo amistoso, durante o qual, meus pensamentos ocuparam-se de, apreciando aquele cérebro "0 Km", fazer projeções sobre seus próximos dez, vinte, trinta ou quarenta anos. Observando aquela preciosidade que certamente haveremos de distorcer, contaminar e envenenar, não pude me abster de lamentar sobre a irresponsabilidade e a incoerência na constituição de uma sociedade indiferente à preservação e ao aperfeiçoamento dos corações e mentes que se desenvolvem. Uma sociedade cada vez mais adepta do individualismo, da competitividade selvagem, da esperteza equivocada. Elites que permitem seja a mídia o mais vigoroso e prepotente dos educadores, a mídia mercenária e insensível, demagógica e traiçoeira, sempre dissonante da verdadeira nobreza de sua função. Uma sociedade cujas mazelas não são atuais mas que nunca se inclina ao aperfeiçoamento. Em função dela, aquele pequeno coração, com a mais alta das probabilidades, haverá de preencher seu futuro com as amarguras que advirão diante das respostas negativas à s suas expectativas. Aos sorrisos negados, fechar-se-á em círculos e nos retornará fatalmente com o silêncio das mãos apoiadas na incerteza.
Abril de 2001
Daniel Carrano Albuquerque
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