Eu hoje estou preguiçoso. Não tive inspiração para outra coisa a não ser este relato, uma miséria de um dia de minha semana, cuja rotina foi quebrada pela morte de um motorista de ónibus. Embarquei no mesmo carro de todo o dia. Fiquei surpreso ao me deparar com uma cara nova no volante. Eu já estava habituado à quele motorista bigodudo, "gente boa", que sempre facilitara minhas paradas. Ele tinha o dom para a profissão, era gentil, atencioso com todos, prestativo; enfim, aquilo que falta para muitos profissionais: vocação.
Sim, como eu ia escrevendo, o bigode não estava. Os demais também comentaram na surdina sua ausência; até que um sabe tudo cochichou que ele morrera, vítima de um infarto, no dia anterior. "Foi de repente, coisa do coração. Estava em casa e pum!"
Dois fatos a respeito da morte: morreu logo após o expediente e no seu dia de folga, e mais: no final do mês! Vejam que exemplo. Um detalhe soprado mais tarde pelo mesmo sabe tudo me causou ainda maior impressão: ele morreu em casa, após o jantar, limpo e deitado na sua cama. Nem os familiares perturbou. Eta homem bom!
A morte é conclusão de tudo, embora se viva com a doce ilusão de que ela não exista. Um dia ela chega. É cruel, implacável, pum! Diante de tal fato vivemos um constante vai e volta, rodando feito barata tonta e quando acordamos fechamos os olhos. Ela nos pega se surpresa. Poucas vezes ela chega após o jantar com banho tomado.
Morre bem significa necessariamente viver bem. A morte boa é construída durante o tempo em que aproveitamos nossas oportunidades. Elas surgem, Ã s pencas, mas aproveitamos uma, no máximo duas. Isso é claro pelo fato de associarmos felicidade com dinheiro. A oportunidade pode estar num volante de ónibus, num cabo de vassoura, numa sala ampla ou numa casa de prostituição. É fundamental não associar-mos felicidade com ilusão. Felicidade é uma vida comum, que não significa ostracismo. Tudo pode ser complexo e simples ao mesmo tempo, depende de quem observa. Com certeza nosso motorista via de forma simples e honesta.
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