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Erotico-->AS AVENTURAS DO PADRE DEODORO EM CAMPOS ETÉREOS — XXXVII -- 23/08/2003 - 07:22 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
8. NA COLÔNIA


Quando emergiu para a realidade, Deodoro viu-se com Eufrásio no quarto do hospital. Joaquim não estava e para ele voltou-se o pensamento do Monsenhor:

— Que é feito de meu bom amigo? Não deveria ter sido trazido junto comigo?

— Querido Deodoro, gostaria você de tê-lo ao seu lado?

— Se for do desejo dele, porque não quero causar nenhum problema.

— Pois bem, permanece na Terra, incorporado a grupo de assistência moral e doutrinária, na qualidade de aluno em fase final de preparação socorrista.

— Quer dizer que o rejeitado posso considerar-me eu?

— Se for assim que você pensa de verdade, uma vez que, em sua prece, pedia-nos que “se lesse em seus corações o desejo de partilhar dos trabalhos do amor”. Como havia dois escritos, houve dois atendimentos diferençados.

A explicação convenceu Deodoro quanto aos aspectos lógicos, mas interrogava-se quanto aos psicológicos.

Esclareceu Eufrásio:

— A aplicação de Joaquim às tarefas de auxílio volta-se mais especificamente para os espíritos encarnados. Você tem rejeitado sistematicamente os aspectos do corpo a corpo do convencimento dos mais infelizes, preferindo as grandes soluções, aquelas que envolvem toda uma corporação.

— Temo estar laborando em forte erro.

— De forma alguma, querido. Mas, como você se sentiu bastante perdido perante as iniciativas que lhe competiam junto aos sofredores encarnados e como preferiu conduzir os desencarnados a mãos mais experientes, talvez pelo insucesso com os do desastre aviatório, é justo que desenvolva as suas próprias tendências, segundo as perspectivas que somos capazes de imprimir às atividades de nosso educandário.

— Quer dizer que a rogativa quanto a me matricular...

— ... está sendo convenientemente atendida. Resta-nos, apenas, um tópico a considerar, antes que você se dedique às matérias do curso, qual seja, o de que deve recuperar o contato com as pessoas que se constituíram em seus parentes próximos na romagem derradeira pela carne.

Sentiu-se Deodoro compungir com a lembrança do amigo, porque, para tanto, não teria coragem de solicitar-lhe os préstimos. Eufrásio susteve o degringolar da emoção do parceiro:

— Mantenha-se calmo, íntegro sentimentalmente, uma vez que deveremos prepará-lo para os encontros, tantas foram as alterações existenciais desde os últimos contatos, ainda que consideremos as duas ocasiões em que você, durante o sono, recebeu a visita deles há mais de quarenta anos.

Tudo o que lhe era transmitido, Deodoro assimilava no mesmo instante, sem considerações de que poderiam estar sendo apresentadas fugazes alegorias ou imaginosas criações. Manteve-se, verdadeiramente, equilibrado, tanto que, ao final da curta exposição, não tinha pergunta para fazer. Punha-se inteiramente à disposição do amigo.

Por sua vez, Eufrásio também não se surpreendeu mas explicou:

— Não me admira que você esteja cônscio de muitos fatos que, para outros, provocariam reações até perigosas. Vejo que aprendeu a se controlar, segundo um critério de absorção da realidade que não lhe permite dúvidas. Muitos perguntariam se, durante a ausência desta casa, permanecemos atentos para as atividades externas deles. Outros gostariam de saber se mereceram o apoio dos protetores, revelando que o seu procedimento se voltava também para o agrado deles. Você se sentiu, ao contrário, o enjeitado, como se o mérito maior tivesse de atribuir-se aos companheiros. É evidente que somos capazes de ler em sua aura quando você não verbaliza os pensamentos segundo a verdade. Mas esse aspecto foi abolido por sua firme determinação de assimilar todos os ensinos. Quero, porém, que não se esqueça de que é automática a rejeição dos maliciosos. Se a nossa capacidade de análise da aura é profícua e ampla, o mesmo não se dá com a verdadeira personalidade enfronhada nos refolhos da constituição espiritual. Todavia, enquanto não demonstrar pelo trabalho que se dispõe amorosamente a oferecer-se para os irmãos, seja aos que precisam de ajuda diretamente, seja aos que necessitam de auxiliares técnicos bem dotados de inteligência e de vontade, com certeza não se harmonizará com os eflúvios dos círculos maiores, que sempre nos solicitam quando evidenciamos progresso real.

Durante toda a exposição, não saía da mente do discípulo a figura de Hermógenes, que o surpreendera por desejoso de refazer o caminho de que se desviara outrora. E também lhe aparecia Joaquim, sempre reconciliador e extremamente vivaz na argumentação. Os outros quatro faziam-lhe falta, pelo apoio de sua atenção e pelas contribuições de suas experiências.

— Por que, Eufrásio (ou “Eustáquio”?) estou um tanto no ar, sem a turminha que me ajudava na filosofia?

— Primeiro, Deodoro, quero dizer-lhe que “Eustáquio” foi criação do Padre Crisóstomo, para fazer que você, de algum modo, viesse a desmerecer as informações que eu lhe havia passado. Penso que a sua pergunta reflita a tendência a considerar como incorreta a proposição de quem estava imerso em tão grave alucinação, incapaz para a compreensão da realidade mais simples das leis da justiça, pelo processo saudável do princípio de causa e efeito. Quanto à falta que lhe faz a presença dos amigos, é indício claro de que vocês formaram um grupo de fortes vínculos sentimentais. É bom compreender, como Francisco já adiantou, que o encontro com novos irmãos irá preencher o vazio. Fique, não obstante, a noção de que, no Reino de Deus, terão plena realização todos os amores.

Deodoro ouvia o amigo sem o vezo de contrariá-lo que trouxera do sacerdócio e que se manifestara com tanta intensidade quando despertou naquele mesmo quarto. Pôs reparo nos móveis, no cortinado, na janela e na porta, avaliou que havia uma cama e duas cadeiras, uma mesa bastante tosca e que conversavam de pé, ao lado da cômoda.

— Observo, adiantou-se Eufrásio a explicar, que você está se deixando empolgar pelos objetos, crendo que esteja na mesma cela que o agasalhou antes. Na verdade, o padrão segue o seu nível de aspiração de servidor da Igreja. Se, na dependência anterior, existiam os mesmos utensílios e móveis, só significa que fomos capazes de traduzir os seus pensamentos, configurando a paisagem mais adequada para recebê-lo. Como você sabe, conforme testemunhou na biblioteca, podemos ampliar ou acrescentar, bastando, para isso, que se criem as necessidades correspondentes. O que deveria ser mais de seu interesse verificar é a diferença operada em sua organização perispirítica, comparativamente com a que apresentava ao chegar. Agora você está saudável, bem disposto, dono de seus movimentos, com força para reagir aos impactos emocionais. Sendo assim, irá passear no pátio, sem o desejo de colher o fruto da árvore da vida, porque não mais está transtornado pelos arquétipos de que se impregnou no exercício religioso. Não lhe parece que fez bem a você o período em que vagou pelo etéreo?

Não havia como não responder afirmativamente. Deodoro, contudo, não estava à vontade para os desenvolvimentos teóricos. Queria, desde logo, conhecer a programação preparatória para o contato com os parentes.

Eufrásio bem lhe compreendeu o anseio:

— Perdoe-me a referência ou alusão descabida ou pretensiosa, nesta altura da caminhada para o aperfeiçoamento no socorrismo de seu espírito, mas você me induz a imaginar a situação em que estará o leitor de sua narrativa neste ponto em que lhe cresce a angústia pelo conhecimento das condições em que se encontram os seus e fica o protetor a protelar o desfecho, marcando passo em considerações que ele julgará impertinentes ou superadas.

Foi, então, que Deodoro marcou, pela primeira vez após o regresso, com vigor, a sua vontade:

— Não queira o amigo Eufrásio (que poderei passar a chamar de “Eustáquio” — veja lá!) fazer-me o autor exclusivo de uma obra cujo estímulo adicional obtive diretamente de Kardec, como você deve saber. Que seja o meu ponto de vista, a minha perspectiva ou a minha pessoa o centro de interesse da história, que vá! Concordo. Mas não escreverei uma única página na condição de onipresente ou onisciente, na qualidade de personagem-narrador. Rememorarei todas as minhas falas, selecionarei os substantivos e verbos que julgar adequados para a descrição psíquica de minhas reações, mas não assumirei total responsabilidade quanto à composição da peça. Exijo, além do mais, que estejam presentes todas as figuras que se constituírem em personagens, ou que as busquemos onde se encontrarem para que permitam expressamente a inclusão de seus nomes ou de suas personalidades no relato. Qualquer desvio, no que respeita à verdade íntima de cada ser, já aprendi que pode atrair dos leitores ondas de vibrações desairosas, uma vez que não estamos em condições de acompanhar todas as leituras e as respectivas preparações magnéticas ou que outro nome se dê às influências deletérias de quem se manifesta contrário ao caráter ou às atitudes de cada um. Se fosse obra de pura ficção, ainda assim estaria a temer pela emissão do desagrado, por causa do incentivo de imoralidade, de hipocrisia, de maldade, seja lá de que vício intelectual ou emocional cuidasse o texto. Venho pensando muito a respeito e, se não for esta a hora mais adequada para a minha manifestação de vontade, que grave você, meu bom amigo, os dispositivos segundo os quais me atreverei a redigir sem arrependimentos futuros, pois que não quero lamentar tenha um dia pensado em escrever as minhas aventuras, para mais tarde oferecer aos dirigentes da colônia, aos diretores da escola, aos mentores dos socorristas, a quem de direito, as restrições que devo impor, segundo a sólida formação que trouxe dos tempos em que participei do corpo editorial da Igreja. Pelo que li em Kardec, se não contiver a mensagem os rigores doutrinários e os experimentos mais reais, dentro da natureza deste campo energético em que subsistimos, apenas iremos despertar a curiosidade mórbida de quem não se estimulará aos estudos sérios das obras capitais do Espiritismo. Obra de fancaria, com perdão do termo, não me atreverei a realizar.

Eufrásio não perdeu a serenidade mas foi obrigado a redargüir:

— A sua preocupação é justíssima e a sua peroração, oportuna. Entretanto, caro amigo, os cuidados estão a desmerecer a retidão do proceder do governador e dos ministros da colônia, que não permitiriam jamais que entregássemos às mãos dos humanos qualquer obra que provocasse desvios da conduta evangélica. Mas, levando em consideração o seu noviciado (para não dizer a sua ignorância — será que deveria chamá-lo de “Antenor”?), vou apenas anotar o seu sermão, considerando-o simples requerimento protocolar de advertência de intenções. Em todo o caso, registre-se o fato para que saibam os terrenos, em tempo hábil, que a questão foi ventilada e que a resposta foi taxativa. O mais correrá por conta do próprio texto. De acordo?

Só, então, percebeu Deodoro que extravasara as idéias que lhe vinham fermentando na mente profunda. E citou, de si para consigo mesmo, a sábia lição do Cristo, mas fazendo-se entender de Eufrásio:

— Creio que me cabe, guardadas as devidas proporções, o que o Mestre enfatizou aos discípulos na parábola do fermento, como se lê em São Mateus (XIII: 33): “O reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado.”

— Queira Deus que assim seja, meu irmão. Mas vamos ao que lhe interessa mais particularmente, ou seja, o plano para efetuarmos os seus encontros com as pessoas mais caras, desde que, vou advertindo desde já, também a elas a sua presença venha a ser agradável. Muitas vezes nós nos enganamos com os seres com quem simpatizamos. Não lhes percebemos a ojeriza pela nossa maneira de ser e pensamos que estamos sendo bem recebidos. Isto acontece mais freqüentemente entre os vivos, porque a categoria social das pessoas as obriga aos atos de vassalagem, de sorte que toda ordem de adulação se realiza com o fito...

— Pode omitir essa parte, querido Eufrásio. Conheço suficientemente a teoria para não me deixar engodar na prática. A sua introdução deixou-me evidente que vocês irão definir se a recíproca é verdadeira, caso denuncie eu um afeto maior que o que venho recebendo, o que impedirá que nos enganemos. Sei também, pelas leituras kardecianas, que muitos parentes se constituem em antigos inimigos, agrupados para o efeito da reconciliação, o que nem sempre se realiza à perfeição, devido aos percalços naturais da vida gregária. Se estiver precipitando-me, avise-me. Caso contrário, vamos enumerar desde logo as pessoas com quem gostaria de me corresponder ou de privar, segundo esteja a criatura encarnada ou disponível para o coleguismo.

— Você está saindo-me além da encomenda, meu caro. Aliás, se lhe disser que me surpreende talvez não esteja dizendo toda a verdade, porque, pelos entendimentos que tive com o meu grupo, manifestei o desejo de vê-lo antecipando as conclusões, facilitando-me sobremodo o serviço. No entanto, a clareza com que expõe as situações possíveis torna-o emérito como discípulo e privilegiado como assistido.

— Modestamente, acredite, devo agradecer-lhe as palavras do mais lisonjeiro incentivo, prometendo esforçar-me por merecer que permaneça com tais sentimentos, para que eu possa superar logo esta fase de entretenimento programático, uma vez que a relação das pessoas deverá prescrever a consangüinidade como principal aspecto a considerar-se. Sendo assim, comecemos pelos meus pais, de quem tive a notícia de que estão encarnados. Não é verdade que foi você quem me informou a respeito?

— Perfeitamente, mas sempre haverá de ser possível a reunião em horas de sono deles. Quer ir comigo ou prefere que eu vá investigar se estão dispostos a recebê-lo?

— Anseio por participar da excursão à face do globo, agora que sei como agir ali.

— Antes disso, vamos ver se existem seres de seu relacionamento prontos no etéreo para o contato.

— Meus avós e até um bisavô que conheci de pequeno. E meus irmãos, com quem não convivi muito harmoniosamente.; no primeiro momento, porque me senti preterido.; depois, porque me destaquei dentro da família pelo fato de me tornar pastor de almas. Todos passaram para cá antes de mim. Tios e tias, primos e primas, cunhados e cunhadas são capítulos especiais, os mais velhos, pelas relações distantes.; os coetâneos, pelas disputas que eu mesmo propiciava, invejoso.; os adventícios, pelo espaço físico que acabou sedimentando o desconhecimento uns dos outros. Filhos, você sabe muito bem, não os tive. Restam as mulheres com quem me envolvi amorosamente, mas penso que não estejam tão ligadas a mim pela precariedade das promessas que nos fizemos, além de que, sabendo umas das outras, irão ter motivos sobejos para me repudiarem qualquer iniciativa afetiva. Que sugere o amigo?

— Só podemos começar mesmo pelos avós e pelo bisavô, posto que este último não deva estar preso a você pelo contato da derradeira peregrinação. Só se vocês se entenderam bem nas vidas anteriores.

— Para o que, Eufrásio, deverei ser despertado quanto a reconhecer as personagens, atualizando-lhes os nomes e as imagens.

— Vou reservar uma vaga para você numa das cabinas de consistência de memória, desde que seja aprovado pelo setor de equilíbrio emocional, teste obrigatório porquanto existem limites de imunidade vibratória os quais, uma vez ultrapassados, despedaçam o delicado aparelho, o que torna o sujeito extremamente sensível às ondas deletérias emitidas pelos inimigos. Mas vou anunciando, desde logo, que você não terá tal problema, porque viajou sem ser gravemente atacado pelos desafetos.

— Fui atacado? Conte-me a novidade, porque fiquei sem perceber absolutamente nada.

— Haveria meios de saber, se você não estivesse tão preocupado com a assimilação dos vetores de conhecimentos específicos, segundo a sua capacidade de abstrair-se do conjunto das influenciações. Neste aspecto, não foi difícil resguardá-lo das perturbações de certos adversários, cuja caracterização ficará para ser feita depois dos entrelaçamentos de amor com os afins.

— Apenas para me tranqüilizar, responda-me se deverei estar prevenido quanto a desagradáveis surpresas, tendo em vista que esses elementos estão sob restrição do amigo protetor.

— Com certeza, dois deles você irá relacionar entre os verdadeiros amigos. Os demais...

— Quantos são no total?

— Que se apresentaram para a represália, contei doze, mas deve haver outros perdidos pelo Umbral ou reencarnados.

Deodoro não se animou a prosseguir inquirindo, procurando fazer um rol de nomes possíveis de estarem na lista. Mas Eufrásio não lhe permitiu imergir em tais conjeturas:

— Não desperdice as energias imaginando quem são. Se forem os que relacionar, merecerão tratamento de apoio no esclarecimento de que você está disposto a resgatar os débitos. Se não forem, talvez você vá precisar pedir desculpas aos que tiver julgado erroneamente. O melhor é orar pela ajuda dos mentores postados em plano mais elevado, os quais têm o condão de oferecer-lhe subsídios energéticos específicos, para que se contenha dentro dos padrões da normalidade, ainda que tenha criado a expectativa do desforço emotivo.

— É isso tecnicamente possível?

— Imagine-se encarnado e nervoso. Não existem preparados químicos capazes de atenuar as reações de desagrado, de ira, de dor, de desespero?

— Mas, passado o efeito da droga, a pessoa volta a sofrer as mesmas pressões que a conduziram ao estado de desequilíbrio.

— Enquanto, porém, estiver sob efeito dos tranqüilizantes, poderá receber ajuda através de esclarecimentos valiosos para a compreensão dos problemas que deverá enfrentar para conduzir a existência de volta aos padrões que supunha os mais apropriados. No nosso caso, a sua disposição em me ouvir tão atentamente, sem novas reprimendas argumentativas, já exerceu o seu papel narcótico, tanto que se deixou embalar pela perspectiva dos encontros agradáveis, permitindo-se esquecer temporariamente os que lhe irão fazer sofrer os impactos das decisões danosas que você deliberou tomar em detrimento dos direitos alheios. Falando bastante generalizadamente, não foi uma vez só que você se confessou devedor da humanidade, pelos lucros que obteve do trabalho alheio.

— Sou todo ouvidos, meu irmãozinho. Reconheço em suas palavras o sentido da amizade que sempre nos uniu, tanto que lhe coube a sagrada tarefa de me recepcionar e de me encaminhar os primeiros passos nestes campos etéreos. Ser-lhe-ei eternamente grato e já vou adiantando que não tenho como retribuir...

— Nem pense nisso. Uma das primeiras lições a ser-lhe ministrada irá confortá-lo integralmente, porque, neste nosso trabalho de socorristas, a recompensa se encontra na justa compreensão de que realizamos a missão o melhor possível, ou seja, a felicidade não será você quem me propiciará, mas a minha consciência atenta para os resultados efetivos das atividades e o meu intelecto aberto às conquistas subseqüentes à crítica que levarei a efeito a partir do exame percuciente de cada mínimo gesto em favor do assistido.

Deodoro queria situar-se dentro dos novíssimos conceitos que estava absorvendo:

— Eufrásio, explique-me um fato que me tem intrigado desde há tempos.

— Se estiver ao meu alcance.

— Se não estiver, faça como no nosso tempo de professores: anote para pesquisar e me informe mais tarde.

— Isso você mesmo poderá fazer.

— Futuramente, quando estiver dominando as diretrizes que regem o procedimento nesta dimensão.

— Agora mesmo, se dedicar-se a fundo para a compreensão das variáveis passíveis de serem as pertinentes ao esclarecimento da dúvida.

— Aceito a sua inclusa admoestação...

— Simples advertência.

— Está bem, mas o meu dilema se encontra no tópico das reminiscências, em função do meu desempenho intelectual. Acredito-me muitíssimo bem dotado de inteligência. Mesmo que o conteúdo real dela em meu cérebro não corresponda à minha avaliação, ainda assim, cotejando com a média dos quocientes dos indivíduos, posso assegurar-me de estar bem. Então, como explicar o fato de os conhecimentos que vou açambarcando tão desembaraçadamente não se encontrarem registrados em meu saber ativo, desde que não me vi crescendo espiritualmente, segundo posso comparar com o que ocorre entre as pessoas na carne, que vão desembotando a estupidez à proporção que o cérebro vai adquirindo recursos de aproximação dos neurônios, através das descargas elétricas produzidas, química e fisicamente, pelos ingredientes selecionados pelo sistema orgânico parassimpático. Perdoe-me não saber expressar-me rigorosamente pelo vocabulário científico, mas você me entendeu, sem dúvida.

— Para responder-lhe de maneira cabal, vou ter de matriculá-lo na “Escolinha de Evangelização”, no “Curso de Adestramento para a Compreensão das Realizações Pretéritas”, cuja conclusão demanda cerca de três anos de estudos, de pesquisas e de debates.

Disse o orientador e aguardou a repercussão dos informes na mente do Monsenhor. Sabia que vinha chumbo do grosso.

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