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Artigos-->SURABAYA-JOHNNY -- 26/12/2000 - 18:03 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SURABAYA-JOHNNY



Brecht, em sua teoria do teatro épico, confere à música, vale dizer, a cada um dos elementos que compõem o espetáculo, um lugar próprio. O "efeito de distanciamento", procedimento teatral que visa a impedir o espectador de se deixar tragar pela ilusão, para que não se esqueça de si mesmo e da vida - num mundo transformável - pode ser exemplificado na forma como uma canção se introduz. Interrompe-se a cena, o intérprete se desloca para fora dela e anuncia que vai interpretar uma canção. Só então, sabido o título, é que os acordes iniciais se fazem ouvir. Eis o distanciamento.

O contrário é o que estamos habituados a suportar, a música como pano de fundo, como trilha sonora, no teatro, no cinema, nas novelas e até no cotidiano. Emoção barata, gratuita mesmo. Quando um mau diretor quer conferir à cena uma emoção que ela não possui, quando se trata de arrancar lágrimas às platéias, o truque é velho e infalível, é só "botar uma musiquinha".

Há algo de errado com a tirania das rádios, aparelhos e carros de som a poluir nosso dia a dia.

Se bem que já fica mais difícil produzir, de antemão, reações nas platéias. Não é tão visível, mas já se pressentem sinais de de mudanças sutis, que ainda não têm nome.

Ninguém engole mais sapos como antes. Para sobreviver à novidade, estão aí os canais abertos e de toda uma produção ultrapassada de cultura se debatendo. As pessoas começam a emitir sinais de cansaço ante o que lhes é imposto e anseiam por biscoitos mais finos.

Eles põem uma musiquinha, foi a resposta da garotinha, de 5 anos, para o fato de só se voltar para o aparelho de tv ao pressentir pavor e perigo. O filme: Orca, a baleia assassina. E a garotinha acordada para viver esses instantes, que ela, espantosamente, sabia produzidos por mão humana. Comecei a suspeitar, então, de que as coisas, apesar de tudo e à revelia do nosso pessimismo, começavam a ficar como Brecht, com o seu teatro, queria para o mundo.

Da dupla Brecht e Kurt Weil, não poderia ter saído nada que não fosse genial. Ele, o maior dramaturgo alemão do século XX e um dos mais geniais encenadores que a humanidade já conheceu. Weil, o compositor e arranjador, tão genial quanto seu parceiro. Ambos transpuseram com extrema leveza e grandes resultados os limites entre o erudito e o popular. Quem ainda não ouviu os acordes de Mackie, the Knife, na vozes de Louis Armstrong ou Ella Fitzgerald?

O sucesso de operetas como Mahagonni, Happy End ou da Ópera de três vinténs foi retumbante. Esta última, cinco anos em cartaz no Berliner Ensemble, desembarcou na Broadway, que, nos dois eruditos alemães, revelou hit-makers de primeira linha.

A canção "Surabaya Johnny", que dá nome ao espetáculo desta noite é imediatamente identificada por suas qualidades épico-narrativas. A cantora Cida Moreira, imensa bagagem de atriz brechtiana, transformou-a, em português, numa canção obrigatória. Para o público, o gosto bom de se ouvir contar histórias. O ouvinte também faz parte dela e aprende a contar as suas próprias histórias.

O espetáculo desta noite no palco do SESC/Araraquara é um espetáculo com a opção pelo distanciamento já sinalizada na ambientação. O cenário é a Chicago dos anos 30: gangsters e tiroteios, violência e amores cínicos, falcatruas e mendigos, as marcas da depressão econômica a produzir aleijões sociais.

Convenhamos que, para além do charme destas evocações retrô, não é fácil transportar temas sociais e problemas econômicos para a linguagem do entretenimento. Aí entra o gênio. No caso, havia dois e eles se juntaram.

Quem conhece, já sabe, é sempre um imenso prazer reencontrar Brecht, contemplar o espectro amplo de sua criação, cada fragmento dotado da magia que nos reporta ao todo, nos faz transcender a poltrona do teatro, o teatro, a cidade, o país e, por que não, o mundo, para poder vê-lo e pensá-lo, uma bola azul, como nos ensinou Gagarin.

Quem ainda não viu, vai poder sentir, hoje à noite, esse prazer que os autores sabiam estar instilando em suas criações, a ser recriado com deleite pelas cabeças futuras: dialéticas.

Para os que vêem nesse teatro o incômodo de ser datado e, por isso mesmo, de carregar um certo ranço, uma certa chatice que o condenaria ao desuso, o tempo vem oferecendo uma tese contrária.

Suas criações resistem e mantêm um viço indiscutível. As canções da dupla continuam o seu percurso pelos ouvidos da humanidade, como a lembrar que o mundo, a humanidade é transformável, e que essa transformação deve se guiar, sempre, pelos sinais mais elevados que a própria humanidade está apta a produzir e cultivar, pelo legado de seus maiores.

Ver e ouvir Brecht será sempre um prazer renovado. Em seu livro genial "Trabalho de Brecht", José Antonio Pasta, nos faz ver que o dramaturgo queria e se fez um clássico. Um clássico moderno. Tão moderno que, até sem querer, pode estar sendo assobiado por aí, um dia desses, na poderosa roupagem melódica e harmônica que Kurt Weil lhe ofereceu, num desvão qualquer do Quitandinha, bairro que abriga o SESC, ou, como há anos se repete, numa das incontáveis esquinas do mundo.







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