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Artigos-->BANDA MANTIQUEIRA: feito um bebê de proveta -- 26/12/2000 - 18:00 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
BANDA MANTIQUEIRA:

feito um bebê de proveta



Quem ainda acha que o Brasil é uma terra só de canários, em parte tem razão, mas em grande parte também se acha redondamente equivocado. "Canários" é gíria, com carga pejorativa, relativa a profissionais e ouvintes que imaginam música feita apenas de melodia, apenas do que é cantável. Alguém pode conceber mesmo alguém cantarolando sozinho. Até pode ser, mas isso não é tudo. O mercado brasileiro de música popular parece acreditar que as coisas ainda são assim.

Se algo mudou na música brasileira, para além da mesmice em que caiu a MPB, de tão gloriosos feitos, para muito além dos axés, pagode e breganejos que a indústria fonográfico nos impinge em doses cavalares e letais, foi a idéia da formação instrumental cada vez mais aprimorada, o surgimento de arranjadores e instrumentistas com uma outra visão do fazer musical.

A Globo insistiu e parece que se deu mal no festival que recentemente organizou. Tentaram manter as coisas como elas já não estavam. Do meu ponto de vista, pecaram justamente por acreditar que ainda somos um país de canários, onde músicos como Alberto Marsicano, Ulisses Rocha, Jacques Morellenbaum, entre outros, podem ficar relegados ao reino da sombra, ao fundo do palco, ao quase anonimato, quase um cenário para as vedetes.

Mas eu apenas me preparava para falar de uma das provas mais acabadas de que a música brasileira mudou, de que instrumentistas já têm o seu espaço, já vêm merecendo justamente o reconhecimento que lhes faltava. O sistema fazedor de estrelas e de mitos só não quer olhar muito para esse lado. Quem teve a oportunidade de ver Ná Ozzetti ou Mônica Salmaso, ou mesmo Luis Melodia, recentemente no SESC local sabe do que eu estou falando. A esses ninguém chamaria de canários, porque já representam uma outra postura, uma outra relação com os músicos instrumentistas e arranjadores.

A BANDA MANTIQUEIRA, que o SESC nos oferece como atração nesta quarta-feira, 18/10/00, às 20:30 h, é, nas palavras de Nelson Ayres, tudo aquilo que ele sonhou fazer, vinte anos atrás, quando teve a mesma idéia de criar o que seria uma big band brasileira. Na época, diz o maestro, as bandas de jazz ainda se impunham de forma avassaladora, não permitindo chegar a arranjos decididamente inspirados na tradição instrumental brasileira.

Com a BANDA MANTIQUEIRA, seus 13 instrumentistas geniais, tocando da bossa-nova ao choro, do jazz ao samba, a gafieira - ainda Nelson Ayres - chega ao século 21.

O líder da banda, o saxofonista Nailor PROVETA Azevedo, de uma família de músicos de Leme, quando surgiu, foi um espanto para os músicos de São Paulo. Alguém tentou achar uma explicação para o nunca visto e apostou, só podia ser um bebê de proveta. E o apelido pegou. Desde 93, a idéia vinha amadurecendo na sua cabeça. A banda AQUARIUS e o SAMBOP BRASS, que já tinham a presença do companheiro de sempre Walmir Gil e a liderança do trombonista François de Lima, tiveram vida breve, não tendo deixado registrado o seu trabalho.

A BANDA MANTIQUEIRA, depois de quatro anos lotando o lendário VOU VIVENDO em São Paulo, todas as segundas-feiras, continua tendo a mesma estupenda acolhida no SUPREMO MUSICAL, em São Paulo, todas as terças-feiras.

O primeiro CD "Aldeias" já era o registro de um trabalho maduro. Deu no que deu. Veio o reconhecimento internacional, com a disputa do Grammy como "melhor performance de jazz latino", categoria que não parece dar muito bem uma idéia do que seja o som dessa banda nascida no bairro do Bixiga. Consta que a band leader Maria Schneider não perdeu nenhuma das aparições da banda brasileira no Free Jazz Festival em 98.

No contato com grandes platéias, como no Bem Brasil (TV Cultura), com João Bosco (Parque do Ibirapuera) ou acompanhando Gal Costa, Guinga e Sérgio Santos (Kaiser Winter Festival), a banda disse a que veio.

Enquanto isso. os nossos meios de comunicação vivem excitadíssimos com a última moda de Londres ou Nova Iorque. Enquanto isso, a Globo continua achando que o público ainda não pode comer biscoito fino. E tome Jorge Aragão, com a "Ave Maria" de Gounod em ritmo de pagode, uma das coisas mais horrendas já registradas pelas meus tímpanos cansados.

Juntando o que há de melhor no jazz e na tradição instrumental brasileira, a BANDA MANTIQUEIRA costuma atrair principalmente músicos para as suas platéias. Diz ainda Nelson Ayres, que ela causa um efeito colateral perigosíssimo, "uma coceira infernal nos dedos de quem toca algum instrumento". Daí as freqüentes canjas memoráveis de grandes artistas nas apresentações da banda em casas noturnas.

São quatro saxes, dois trombones, três trompetes e a cozinha formada por guitarra/violão, baixo e bateria. Os seus nomes se encontram na ficha técnica dos trabalhos de algumas das maiores figuras do cenário artístico e internacional: Caetano, Milton, João Gilberto, Gal, Elis, Hermeto, Gil, Djavan, Edu, Burt Bacharat, Shiley Bassey, Anita O Day, Joe Willians, Julio Iglesias, Natalie Cole e Sadao Watanabe, entre tantos outros.

Do jazz eles carregam as melhores influências: Louis Armstrong, Miles Davis, Charlie Parker, Sonny Rollins, Phil Woods, J. J. Johnson, Elvin Jones, Herbie Hancock, Ron Carter e Mike Stern.

Da tradição brasileira, Formiga, Papudinho, Felpudo, Casé Roberto Sion, Bolão, J. T. Meireles, Raul de Souza, Marciel, Don Salvador, Amilton Godoy, Laércio de Freitas, Gabriel Bahlis, Cláudio Bertrami, Heraldo do Monte, Edson Machado e Toninho Pinheiro.

Esses músicos possuem uma origem comum, que são os coretos das pracinhas, o footing, as retretas e as bandas militares.

Para quem quer uma referência das mais presentes e incontestáveis, a Orquestra Tabajara, de Severino Araujo. E estamos conversados.

O improviso e a liberdade, do jazz, aliados ao suingue brasileiro, fazem prever uma noite inesquecível no SESC nesta quarta, com o sabor de uma jam-session. Além do repertório já cultuado pelos aficcionados e reverenciado com a indicação para o Grammy, a banda deve trazer também seus novos números. E, é claro, na bagagem o novo CD, que se chama "BIXIGA", em homenagem ao bairro onde vivem os 13 músicos da banda. Além da faixa título, que é uma composição do Proveta, preciosidades como Pret à porter de tafetá (João Bosco e Aldir Blanc), Baião de Lacan e Catavento e Girassol (Guinga), Três no choro (meddley: Aperitivo (Mário Rossi/Pernambuco/Aires da Costa Pessoa), Arranca Toco (Jaime Florence) e Modulando (Rubens Leal Brito) e um meddley de Cartola e Nelson Cavaquinho.

Para Tárik de Souza: "o repertório papa fina oferece uma gincana de desafios à perícia dos músicos", "um porta-jóias".

Num país como o nosso, em que os mídia ainda insistem em não ver o óbvio, em que a indústria da cultura não se toca com o inegável, de que temos direito ao melhor que já há tanto tempo estamos produzimos, de que urge reformular todos os conceitos, para que trabalhos como o da BANDA MANTIQUEIRA cresçam (o resto do mundo já sabe que é possível) e apareçam (o que não pode e não deve ser impunemente declarado impossível), essa nossa big band só pode ser mesmo um objeto ainda não muito bem identificado, ou a grande surpresa de darmos de repente de cara com um bebê de proveta.

A platéia, que certamente haverá de lotar o teatro do nosso SESC, vai testemunhar a certeza de que a música brasileira está viva e já vai bem longe adiante, em algum lugar do futuro onde houver um coreto, uma pracinha, uma gafieira e orelhas escancaradas para a verdade de uma sonoridade que sempre foi nossa.

Só tem um jeito, caros leitores: sair correndo em direção ao SESC. Para garantir o ingresso e o privilégio de ver antecipado o nosso futuro. E que ele não tarde.

A frase de Théo de Barros (que já foi "Quarteto Novo" com Hermeto, Heraldo do Monte e Airto Moreira; compôs "Disparada" e "Menino das Laranjas", entre outros grandes sucessos), vale, é claro, para hoje à noite: "Quem quiser levar um susto auditivo, no melhor sentido que isto possa ter, é só dar um pulo lá para conferir".



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