Os olhos negros, pensadores, perdem-se no espaço, meditam...meditam... e depois voltam á palavra da cartilha. Os lábios infantis titubeiam. Repetem:
-- S-a, sa... P-a, pa... T-o, to...
Tornam a repetir em surdina: S-a, sa... P-a, pa... T-o, to...
Novamente, tímidos e já meio angustiados, os olhos negros começam a vagar pela varanda, percorrem o teto, descem pelas pilastras, prendem-se em pequenos detalhes do jardim, nas plantas, voltam-se descuidados e encontram os olhos severo e irritados da professora. Rapidamente, culpados, fixam a cartilha e tentam compreender a palavra encimada por um vistoso desenho de calçado.
-- S-a, sa... P-a, pa... T-o, to...
Agora são olhos aflitos, chorosos, que não ousam se erguer para os olhos furibundos da professora. Esta, com a voz demonstrando impaciência, tenta ajudá-lo:
-- Vamos lá, João: S - a?
-- Sa...
-- P - a?
-- Pa......
-- T - o?
-- To...
-- Sa... Sa.. Incentiva a professora.
Os olhos negros giram, nervosos, a testa se franze, os lábios se mantém apertados e, de vez em quando, se contraem ainda mais.
De repente, numa luminosidade de inteligência os negros olhos tornam-se brilhantes, contornam o desenho do calçado e os lábios se abrem em amplo sorriso e explodem:
-- Butina!
Silêncio total e absoluto...
A decepção , o desencanto, a raiva e a revolta, partem a um só tempo
na voz da professora:
-- João, tu é tão burro, mas tão burro, que nunca vai aprender a fazê um "ó" na areia, com a bunda de uma garrafa! Butina é o teu nariz! E sabe o que mais? Eu vou dizê pra mãe ti botá na escola de noite, no MOBRAL,pra tu trabaiá na enxada durante o dia.. Butina! Butina! -- E saiu pisando duro, passou por mim que, disfarçadamente, assistia a "aula". Ainda podia ouvi-la resmungando: S-a, sa;P-a,pa;T-o,to: butina! Só mesmo dando uma butinada nele!
Assim terminou a experiência de Dasdores, a minha empregada, como professora do irmão. Não é mesmo só porque aprendemos a ler que podemos sair por aí, iluminando mentes, distribuindo sabedorias. Existem mentes e mentes! Algumas não se abrem nem à marteladas.
Tenho sempre a oportunidade de ensinar alguém a ler, uma empregada ou uma criança carente mas, confesso, que primeiro dou uma sondada. Conforme o grau de facilidade encontrado no analfabeto, eu arregaço ou não, as mangas. Se o candidato for cabeça dura ou tapada eu passo adiante a caridade.
Uma vez, em minha vida, penei um ano para tentar ensinar a babá quarentona a, pelo menos, assinar o seu nome. Sofri, bufei, me retorci em angústias e ganas de esganá-la e quando ela conseguiu, de uma penada só, assinar Maria da Conceição Pires Xavier, eu lhe dei o diploma e fechei a escola.
De botinadas, bastam as tranqueiras da vida
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Mandem suas críticas e consdiderações. São realmente muitoimportantes poara mim.
Christina.