OS DOIS VELHINHOS
Um deles era o velhinho que deu certo: tranquilo, boa aposentadoria, os filhos formados, somente ele e a patroa na casinha confortável. Vez em quando, pegava a velha (sim, pegava a velha, mas não é o que estão pensando) e iam fazer uma viagem pro exterior, onde morava o filho engenheiro. Com tudo pago, naturalmente.
O outro, ah o outro!, era o que não deu certo. Solitário, pagando pensão para duas ex-mulheres, vivia correndo atrás de dinheiro (coisa incomum neste país). Vendeu o carrinho para pagar contas. Os filhos, quando apareciam em sua casinha alugada, já diziam de cara que estavam "duros", piores até do que ele. Só iam lá para ver se o velho ainda estava vivo.
Um dia os dois se encontraram numa fila. Para muita gente, hoje em dia, fila é um dos poucos lugares de reunião social. A Harmonia Lira dos pobres. "Você não é o ...o ...espera aí que vou me lembrar". "Também estou lhe reconhecendo...pera aí, está na ponta da língua".
- Já sei...você é o Janguinho, aquele garoto quietinho, estudioso (o Janguinho, vocês devem ter adivinhado, era o que deu certo).
- E você, o Carlão! Grande Carlão! Vivia cercado de meninas. Você era o bom da escola, líder da turma.
- E hoje vivo sozinho, quase abandonado.
- Ê Carlão! Você naquele tempo tomava todas. Era pinga, cerveja, vodka, batida... Não tinha o que chegasse. Cada festa!
- E hoje sofro de cirrose.
- Você era o meu ídolo, rapaz. Jogava futebol, basquete, nadava pela escola. Ninguém te pegava na corrida.
- Hoje pegam facilmente. Tenho artrite, artrose, bico-de-papagaio...
- E os bailes no clube? Você era o bamba no fox-trote. E no bolero então? Tinha inveja de lhe olhar, agarradinho com as meninas, só encoxando (naquele tempo "encoxar" era o máximo da safadeza).
- Pois é! Hoje, continuo "dançando". Mas quem está me encoxando é a vida. Pra não dizer outra coisa.
Afinal se despediram. Cada um para seu lado. Janguinho saiu aborrecido, frustrado: que droga! E eu que sempre quis ser o Carlão.
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