De Juraci de Oliveira Chaves
Parece-me que o rio hoje está piscoso.
Aqui deste parapeito observo - no meu àngulo de visão - mais de dez canoas, cada uma, com três pescadores. Elas deslizam sob o comando de um, enquanto os outros jogam as tarrafas que abrem sua roda godê no ar. Dias atrás, não se via este espetáculo. O rio secava, faltava chuva, ele estava preso, sem correnteza, sem alegria. Corria triste, quase não recebia água dos seus afluentes. Parecia sem braços, sem coração, sem reforço e pulso. As barragens hidroelétricas prenderam o líquido para produzir energia. Neste momento, chove fino mas constante. Deixo a água cair sobre mim. É gostoso. Quanto tempo não fazia isso. Os aquáticos também precisam disso.
A alagação, que colabora na desova e reprodução dos peixes, voltará pois a água cai aqui e nas cabeceiras. Chegou preguiçosa, mas com resultados. Pedras enormes já são banhadas carinhosamente pela água, enfraquecendo a cachoeira, calando o seu canto marulhento.
Uma tarrafa é içada cheia de peixes que travam uma luta para voltar ao rio. O pescador dá gargalhadas, apesar do tamanho pequeno das curimatãs. Sabe que é tempo de piracema mas, a barriga ignora a lei. Hoje tem comida na mesa, amanhã luz paga. É uma satisfação fora do comum. A família fica em casa a esperar pelo alimento. É sempre assim, todo dia. O peixe precisa procriar e o pescador precisa pescar, mesmo que para isso enfrente desafios inesperados. O imprevisível é constante. Quando não encontra o peixe, diminui a qualidade na mesa e a festa na chegada em casa, é tristonha.
A alegria dura pouco. Rapidamente, um pescador de cada embarcação mergulha, tentando dar sumiço nas tarrafas. Outro corre com o pescado ilha a dentro. Um outro consegue uma maneira criativa de ocultar o petisco. Com um peso de ferro atado no tesouro, mergulha-o de volta ao fundo do rio. Só regressa ao local quando não oferecer perigo. Mas o Sr. João Traíra não teve a mesma sorte. Foi pego pelos fiscais do Ibama. Perdeu tudo. Barco, tarrafa, ferramentas e pescados; até chorou.
Como chegar em casa de mãos vazias? Logo hoje que a canoa estava cheia.
Faz tempo não enchia.
No verão as chuvas se tornam frequentes e intensas com o aquecimento e aumento das águas nos rios. É a época de migração dos peixes para a reprodução. Eles nadam contra a correnteza para as cabeceiras dos rios, onde fecundam seus ovos. É um espetáculo a mais, este pular dos peixes contra a correnteza. Fazem coreografia no ar. Vejo isso daqui, onde me encontro. Diante dessa beleza, fico dividida...
Mas, o pescador precisa matar a fome... Só que hoje não é dia do caçador, é da caça.
Pirapora MG 2002
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