Autor: Marcel Agarie
Data: 28/10/2001
Crónica: "O Dentista"
Sexta-feira de muito calor em São Paulo. Eu, junto com a minha namorada, estávamos nos programando para viajar para a praia e aproveitar o caloroso final de semana que vinha por ai. Isso até uma ligação de minha mãe, em meu serviço, informando que minha dentista iria me atender no sábado, Ã s 11 da manhã.
Será que alguém trocaria o sol, água de coco, mar e a brisa marítima pelo dentista? Motorzinho? Sugador? Canal..??
Para quem está lendo isso, com certeza já pensou. Por que não cancelar o dentista e ir "farofar" serra abaixo? Infelizmente era uma ocasião meio delicada. Minha dentista não tem horários que possam me atender durante a semana e era uma raridade conseguir um tempo exclusivo no final de semana. Não pude recusar e além do mais, era uma cirurgia que eu precisava fazer: a extração do dente do siso. Dente que me incomodava há meses e do jeito que cultivo a Lei de Murphy, talvez se eu fosse para a praia sem passar pelo dentista, tenho certeza que o dente me daria problemas na hora de comer um milho verde na areia.
Foi quando começou toda a mudança da programação do meu final de semana. Precisei falar com minha namorada e alterar o horário de viajarmos para depois do dentista, que por sinal não foi muito do gosto dela, mas que acabou entendendo a situação e aceitando.
Na noite de sexta para sábado, não consegui dormir direito com uma tosse que resolveu me atacar e quando consegui pegar no sono, já era hora de ir para a cadeira elétrica, ou melhor, para a cadeira do dentista. Não sou de sentir medo para ir ao dentista, mas confesso que fiquei apreensivo, porque eu imaginava que a cirurgia iria comprometer a minha viagem, porém segui tranquilo, acreditando estar fazendo a coisa certa.
Toquei a campainha pontualmente à s 11 horas. A dentista me atendeu e pediu que me ajeitasse na cadeira, enquanto ela iria preparando os equipamentos. Neste instante eu estava calmíssimo, pois já havia feito uma vez a extração do siso e a cirurgia não passara de 15 minutos, me deixando mais otimista para ir embora e descer logo rumo à praia.
Como o consultório é na própria casa de minha dentista, o ambiente era totalmente caseiro, havia um incenso perfumando o local, algumas músicas tocando de fundo em um rádio velho e um cachorro, ou melhor, três cachorros latindo sem parar, parecia até um canil, mas nada abalava minha tranquilidade de monge.
Após preparado todos os equipamentos, ela examinou minha boca e logo de cara encontrou uma obturação que havia caído. Pensei comigo: deixa para lá e vamos logo para a cirurgia que quero ir para a praia. Como ela não lê meus pensamentos, acabou fazendo a obturação, que me atrasou no mínimo uns 30 minutos. Tentei ser otimista e acreditei que essa obturação caída, poderia ter me trazido problemas na praia e ela me salvou de ficar com "aquela" dor de dente em pleno final de semana.
Terminado a obturação, ela iniciou os preparativos para a cirurgia. Luvas, anestesias, alicates, bisturi e mais um monte de ferramentas que só de olhar, me deixou pensativo. Para que tanta coisa em uma cirurgia de 15 minutos? Isso era o que eu pensava.
Primeira parte. Anestesia. Dá-lhe anestesia!!. Anestesia na esquerda, anestesia em cima, anestesia em baixo. Fiquei com a boca parecendo um formigueiro, sem sentir nada. Poderia tomar uma porrada do Mike Tyson sem doer e acho que seria até mais rápido, porém além do siso ele me arrancaria mais uns 15 dentes.
Inicia-se a cirurgia tocando forró no rádio e os cachorros latindo de fundo. Falem a verdade. Melhor combinação que essa, só se tocar Nelson Ned com hipopótamos sapateando. Tudo bem. Tentei manter meu pensamento otimista e pensei que tudo isso só duraria apenas 15 minutos, depois era até domingo a noite de praia, praia e praia.
Quando mal percebi, ela já havia cortado minha boca, pois já se via sangue quando eu cuspia na pia, pensei então, mais uns dez minutinhos e estarei saindo dessa cadeira grudenta de tanto suor. Enquanto isso ela continuava mexendo, virava, levantava minha cadeira e nada de sair o tal dente. Teve uma hora que minha terapia era ficar olhando um mosquitinho, daqueles que ficam em cima de bananas, voando sob a luz da cadeira. Eu ficava imaginando o mosquitinho rindo de mim, vendo o meu sofrimento. Por alguns instantes me deu até raiva. Imagine eu com todo esse tamanhão perto do mosquitinho e totalmente inofensivo com aquela parafernalha toda na minha boca. Depois de tanto rir, o mosquitinho foi embora e me deixou sofrendo com os cachorros latindo e o locutor da Antena 1 Fm dizendo que estava trinta graus no litoral paulista. Tudo bem, o relógio já contava 30 minutos de cirurgia e nada do siso sair. Meu otimismo não era mais o mesmo e minha tranquilidade encontrava-se abalada, graças ao mosquitinho.
Para me deixar mais apreensivo, o siso não queria sair de jeito nenhum e foi preciso pegar o tal do "motorzinho", que só de ouvir aquele barulhinho chato, deixa todo mundo arrepiado. Fiquei mais uns 5 minutos com motorzinho na boca desgastando o último dente antes do siso, para que o dito cujo conseguisse sair com mais facilidade. Ohh dente difícil!! E eu pensando que naquele instante poderia estar rumo à Anchieta-Imigrantes.
Depois de muito "motorzinho", cutuca daqui, torce com alicate dali, sai o tal do siso. Era enorme!! Nem acreditei que tudo aquilo havia saído pela minha boca. Eu parecia uma mãe tendo o seu primeiro filho quando vi o dente. Não sabia se chorava de alegria ou se pegava aquele dente do siso gigante e jogava no rádio ou nos cachorros, que continuavam me atormentando.
A verdade era que a cirurgia estava em seu fim, faltavam poucos minutos para eu me livrar daquele rádio chato e dos cachorros barulhentos e quem sabe um encontro casual com o mosquitinho para uma leve vingança, pois agora eu estava livre daquela prisão odontológica.
Desabafos à parte, era só tomar os pontos, fazer o curativo, ouvir as recomendações do dentista para seguir rumo a praia, porém enquanto a dentista passava as recomendações, a praia ia ficando cada vez mais longe, pois eu precisava ficar o dia inteiro de cama, tomar alguns antibióticos, não fazer força e principalmente não tomar sol para não ter uma eventual hemorragia.
Graças ao siso, tive que informar minha namorada que a viagem à praia deveria ser cancelada e neste mesmo instante, não sei o por que, lembrei-me de novo do mosquitinho rindo de mim. Que nervoso !! Voltei para casa um pouco frustrado, pois a cirurgia que imaginava durar 15 minutos, durou mais de 1 hora e a viagem que havia programado, estava cancelada.
Mas como toda história tem o seu final feliz, ao final da consulta minha dentista, muito bem intencionada, me deu uma lembrança para que eu nunca esqueça este maravilhoso final de semana. O meu dente do siso.
Ai, se eu encontro aquele mosquitinho !!!
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