Os Bee Gees reinavam absolutos naquela época. Não gostar deles era quase um pecado. Meus amigos me convenceram de que dançar era uma coisa fácil e legal. E que atraía as garotas mais bonitas. Eu tive de convencer minha mãe de que, daquela vez, voltaria no horário prometido. Dez e meia. O baile começava as oito. Entramos e fomos direto para uma das paredes, feito lagartixas amedrontadas. O salão ainda estava vazio. Havia poucas garotas. Elas sempre agem assim. Fazem suspense, deixam-nos ansiosos, imaginando que não vêm. Ou então se atrasam mesmo na hora de se vestir. Mas sempre dão o ar de sua graça, para nossa felicidade total. Àquela noite, as que chegavam iam direto para a pista. Requebravam, balançavam os cabelos, jogavam charme, desdenhavam, faziam-se de indiferentes quanto a nossa presença. Depois iam ao bar tomar coca-cola. Uns se atreviam e corriam atrás. Eu e o Gilberto, assustados, continuávamos inertes, limpando as paredes com nossas camisas de cetim. Os outros amigos misturaram-se com as garotas e imitaram seus passos de dança. O máximo que consegui mover foram os olhos. Eu tentava me soltar, mas não conseguia. Peça-me tudo, menos para arriscar um passo de dança. Nada. Bolero, dance music, tango, samba, qualquer ritmo. Não consigo, não adianta insistir. Então eu me perguntava o que estava fazendo lá. Garotas - respondia pra mim mesmo. Mas como conquistá-las ali parado?
- Daqui a dez minutos vão começar as lentas! - avisou-nos Ricardo, língua pra fora de tanto pular.
Lenta, para quem não sabe, é qualquer música que permita que você tire uma menina para dançar de rostinho colado, devagar, abraçado, olhos fechados e coração palpitante. Tremi. Eu nunca tinha dançado uma lenta. E sabia que meus amigos ficariam de olho em mim e no Gilberto, para ver se tínhamos coragem de chamar alguma garota. Minhas mãos suavam.
- Sabe como se dança isso, Giba?
- É só abraçar e rodar. Meu irmão disse que tem que dar dois passinhos pra lá, e dois pra cá. Acho que é isso.
- Quem você vai chamar?
- E isso importa?
- É claro que importa! E se ela não topar?
- Não tinha pensado nisso...
Não sabia se estava mais preocupado com o fora ou com a vergonha de pisar no pé da infeliz que aceitasse uma dança. E o pior: quem eu chamaria? Se fosse simplesmente por gosto, certamente convidaria Samantha. Pelo "th" que ela fazia questão de ressaltar, dá para imaginar quem era ela. Simplesmente a gostosona do colégio. A mais assediada. A musa. A eleita por 9 em cada dez rapazes da escola. E ela estava ali, bem perto de mim, exibindo seus cachos dourados e brilhantes. Embalada pelo som dos Bee Gees, nem aí para os servos ajoelhados aos seus pés. Descartei a idéia rapidamente. Começou a tocar a primeira lenta. Gilberto disse-me que ia ao banheiro. Foi. E não voltou mais. Miserável! Os outros companheiros investiam nas garotas. "Estou cansada!..." - era o que mais ouvia elas responderem. Decidi que faria o mesmo que meu amigo desertor. O melhor era sumir dali. Mas ao mesmo tempo, a presença de Samantha encostada no balcão, com seu vestido azul turquesa comprido, não me encorajava a deixar o baile.
A primeira lenta acabou. A segunda também. Meus amigos caçoavam, e mesmo assim não tive coragem sequer de dar boa noite para alguém. A terceira música era muito suave, não me recordo o nome, e me arrependo deste esquecimento porque eu queria comprar o disco depois. Por um momento, pelo menos por um curto momento, senti-me mais tranquilo. Deixei de me importar com tudo e com todos e só curti o som.
- Vamos dançar?
Era Patrícia, colega de classe, mais tímida do que eu. Até hoje Pat conta essa história para nossos filhos. Só omite a parte da Samantha. Tímida e ciumenta, a Patrícia...
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