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cronicas-->DOCE -- 10/09/2009 - 20:48 (thiago schneider herrera) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eu cheguei a sentir em minha pele seca a umidade do entardecer. Tinha começado. As pessoas iam e vinham com suas caras loucas, olhos insanos, sorrisos fabricados e movimentos imprecisos. Será que me via a mim mesmo ou será via a eles? Pareciam de borracha, será que eu não?. Plift, plaft, plift, plaft faziam seus braços mais longos que o normal, quase arrastando no chão, plift, plaft. Eu estava sentado na sarjeta, fumando, vendo o mundo em desconstrução. Quem disse que eu também não? Eu fazia parte daquilo, tava incrustado no chão; eu, bitucas de cigarro, catarro, papel de pão, cachorro, vermes, poças de água cor de carvão. Éramos tudo uma coisa só. Eu e o mundo; éramos apenas uma máquina viva, vibrante, angustiada, oleosa, distante, pulsando na sarjeta. Tudo parecia respirar; tudo. Paredes, pedras, asfalto, postes, portas de ferro, slogans multicoloridos, extremamente coloridos. Eu insistia em respirar fundo o ar poluído da cidade que se descontruia com certa elegància, mas o ar era eu. Cheguei a temer. O asfalto subiu por minhas pernas, queria me puxar, me transformar em piche, e eu corri. As pessoas estavam diferentes, pareciam cansadas, torpes, distraídas. Caminhavam a passos arrastados, sem vontade e sempre, em todas as esquinas, sempre um bolero de fundo. Resolvi tomar cerveja, mas também não tinha efeito, eu era a cerveja, ela já estava em mim como a bituca, o papel de pão, a sarjeta, desde que nasci. Tudo era eu, desde que nasci. Andei sem rumo pelo bairro Gótico de Barcelona. Fachadas frontais distanciadas por 5 metros, labirinto, cores, varais com roupas, flores, piso irregular, aromas magníficos de ervas, panelas no fogão, perfume, incenso, poças cor de carvão, pessoas, algumas mortas, outras ainda não, esquinas, música, bolero, ruídos estranhos, raízes brotavam da pedra bruta e percorriam o caminho ao meu lado, subindo em tudo, desenhando impossibilidades, morrendo numa esquina, seguindo na outra. Encontrei uma pracinha pequena, ao lado de uma igreja, o bolero do lado direito e uma indescritível música do lado esquerdo. Sentei na sarjeta. Nunca em toda minha vida senti tanta paz. Não ousarei descrever, só eu sei, eu era a paz. Eu era o bolero. Eu era a igreja. Ascendi um cigarro. Eu era o cigarro, a fumaça, o pigarro. Não sei se fiquei ali 5 ou 5 mil minutos, mas senti a paz, a experimentei em todos níveis que eu acho que existem, que até então nem imaginava que existiam. Por 5 mil ou 5 minutos? Nunca vou saber, mas ainda posso senti-la se me concentro e fecho olho em algum lugar muito silencioso. Tive uma experiência sublime, subliminar; divina. O tempo parecia ter parado, as pessoas se locomoviam de maneira dramaticamente lenta, ah, eu era o tempo, eu era todo mundo. Eu podia ouvir seus corações, entender suas aflições, respirar junto, porque eu entrei, eu entrei em todo mundo. Em meu silêncio abrumador eu escutava. Dentro de mim, bicho solto convicto, sem rumo, sem carro, garfo, casa com portão eletrónico, e ainda assim, vivo, pulsando e pisando firme, além de tudo, e sempre com ideal modesto; mas peraí, desde de que não seja abstrato. Eu estava ali, participando, sentado em todas as sarjetas do mundo inteiro, entrando em comunhão com o asfalto, com o piche, fazendo parte do processo, me transformando em matéria bruta, e ainda assim, podia ouvir o bolero e todos corações do mundo. E tudo entrou numa vibração constante. O céu, as fachadas, as pessoas, a porra do asfalto, tudo. Eu não conseguia chegar à praia. Eu estava preso ali, preso em mim, preso em tudo por um fio indestrutível que unia a merda ao sublime. Barcelona estava em chamas. 35 graus e minha pele seca podia só sentir a umidade do entardecer, que era eu mesmo, era meu suor a entrar em contato com o mundo exterior, contectando-se também com a porra do fio invisível, e ali ficou preso, saindo de minha testa que nem cascata. Fui me desfazendo. Cheguei num parque e sentei. Queria fumar, mas não conseguia ascender a bituca. Um mendigo me pediu cigarro, dei o maço, me salvou, eu estava me transformando no parque. Mas o mendigo era eu. O trapo que vestia era eu. Andei. Céu de um azul berrante, nenhuma vestígio de nuvens, calor atordoante. Asfalto negro berrante, nenhum vestígio de limpeza, inferno atordoante. Encontrei conhecidos, disse que ia ali, sabia que nunca mais saberia voltar, por isso fui mais calmo. Eu não paro, eu nunca paro. Máquina construída a base de gasolina vital. Nunca cessa. Nunca cansa. Nunca reclama. É o que temos, é o que somos, por fim escolhemos, é o que nos tornamos. E está tudo sempre a um passo, logo ali, e nunca chegamos porque somos. Somos o caminho, somos o tempo, somos o logo ali, somos o nunca, porque simplesmente somos. Só falta ver. Se não fossemos, seríamos de uma forma ou outra, porque tudo ja é. Mas se não és, torna-se, sem reinvidicar, apodere-se, simplesmente, absolutamente. Torne-se sua verdade absoluta. O que você faz, fala e pensa em conjunção, e tudo se torna um, sem prepotência, apenas entenda. Tudo, e além de tudo, simples. Torna-se simples. Destrone vaidades insignificantes, acredite no que é, não no que poderia ser. Deixa subjetividades á subjetivos. Seja a árvore que respira, a poça de água cor de carvão. Viva por uma causa. Só mate por duas ou nenhuma. Encontre uma causa. Escolha, se intrometa. Exponha suas banalidades e suas verdades mais interessantes, mas não aponte o dedo pra quem não as aceitarem ou se por isso rirem. E se rirem, ria. Chumbo trocado não dói. Ali não conseguia me indignar mais com ricos comendo camarão em restaurante chique. Eu era eles. Não conseguia mais me indignar com futilidades. Eu era ela. Simplesmente aceitei, depois de 28 anos que somos diferentes e que não tenho que impor pro mundo minha verdade absurda para quem não seja eu. Somos todos um puto mecanismo movidos a base de paixão e tudo, absolutamente tudo provém disso, de nossas paixões por pessoas, idéias, ideais, coisas. Não? Pode ser que não, mas não abro mão de incluir o pode ser que sim no processo. Minha amiga me ligou. Atendi. Depois de 10 minutos percebi que estava falando com ela com as duas mãos enfiadas no bolso da bermuda. Enterrei o telefone na minha cabeça. Foi minha imaginação? Eu era a ligação, o telefone, a porra da imaginação. Tudo acontecia em um tempo indeterminado. Não sabia se durava 1 segundo ou um milhão deles. Só tinha a total certeza que o tempo era eu. Eu tentei contar até dez, mil vezes e mas não passava do um. Esse um pode ter sido alguns, não duvido; muitos, acredito; milhares, aposto. Sentei na sarjeta, de novo, e dali não sai mais.

T.S.H.

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