A ascensorista da "COSIPA"
A ascensorista da "COSIPA" era u´a mulata forte e simpática, com a mão direita enfaixada, mas estava choramingando quando entrei no seu elevador.
Fomos até o vigésimo oitavo andar, onde se localiza um departamento da minha diretoria em são Paulo, que eu visito mensalmente.
Subimos sozinhos - apenas ela e eu - e em nenhum andar sua cabine foi obrigada a parar, um acontecimento certamente muito raro naquele prédio onde trabalham e transitam diariamente milhares de pessoas.
Naquele silêncio cúmplice e constrangedor, entre soluços reprimidos, ela me disse que estava assim por causa da morte do presidente Médici, que soubera pela manhã, logo ao chegar ao trabalho.
Parecendo um tanto envergonhada ela me confessou:
- Olha, doutor, eu gostava mesmo daquele homem e há muito tempo que não digo isso pra ninguém. Que eu conheça, não há quem goste dele!
Muito intrigado com a inesperada revelação, indaguei:
- O que ele lhe fez para a senhora gostar tanto dele?
- Ah! doutor, na verdade, nada! Eu nem conhecia ele! Nunca que eu o vi aqui em São Paulo, só mesmo de televisão!
- Então, porque esse sentimento?
-Não sei! Desde que ele era presidente que eu gosto dele. Eu tinha uns 13 pra 14 anos e achava que ele era um homem bom. Acho que era isso, não sei explicar! Ele parecia uma pessoa igual a nós ...
Tenho pra mim que foi tudo que conversamos naqueles poucos momentos de isolamento. Eu desci do elevador e ela voltou ao térreo parecendo reconfortada.
Mas, aqueles poucos instantes me afetaram profundamente, tanto quanto outras experiências que foram se acumulando para ajudar-me a aprender a conviver com os outros.
A ascensorista da "COSIPA" é, como todo ser humano, uma pessoa a quem precisamos respeitar e compreender, na sua complexidade e singularidade!
A mim, como já disse, aquele encontro marcou de um modo especial. Alem de me haver apiedado dela, daquela pobre moça com seu toque de humanidade, espanei do meu coração o sentimento de menosprezo que eu sempre tive para com o general Médici, na verdade uma sensação de quase repugnància que desde o primeiro general-presidente armazenei
comigo, na vergonha que sentia em ser um brasileiro vivendo. numa idade média moderna criada por uma revolução de fancaria...
Voltei a aprender com a ascensorista da "COSIPA" que tudo na vida é muito relativo e que as pessoas como as coisas têm muitas faces...
Se a cada vez que eu subisse num elevador recebesse lições como aquela seria sem dúvida um homem muito melhor, mais rico de compreensão humana e, naturalmente, mais feliz!
04.01.86
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