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cronicas-->Buraco na parede -- 17/10/2000 - 21:24 (Maurício Cintrão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A idéia era bem simples. Criar um canal de comunicação para que eu e minha irmã pudéssemos conversar à noite, quando todos estivessem dormindo. De ambos os lados da parede que separava nossos quartos, ela e eu fomos gradualmente cavando um buraquinho. Não lembro como foi que definimos o ponto exato das escavações, mas o fato é que cavocamos, cavocamos e cavocamos por noites seguidas. O buraquinho virou um buracão cada vez mais largo e pouco profundo. Mas, como era próximo do colchão da cama de baixo dos dois beliches, ninguém notava.

Um dia, quando já estávamos quase desistindo, um conseguiu ver o outro através da parede. Foi de repente, naquele momento mágico da descoberta. Fizemos uma festa (silenciosa, é claro, mas uma festa de conquista). Longe de mim naqueles tempos de menino imaginar que virasse jornalista e cronista eventual e que a Mónica, minha irmã, se tornaria psicóloga e professora. Hoje, cada um, a seu modo, cava paredes profissionalmente.

Agora, não pense que essa relação entre irmãos sempre foi uma maravilha. Minha mãe lembra bem humorada que as pessoas dizem: "nossa, é filho único? Ah, precisa arranjar um irmãozinho para poder brincar". E ela mesma emenda: "não é bem para brincar, é um irmãozinho para poder brigar". Portanto, brigas entre irmãos fazem parte da cultura familiar. Mas a Mónica exagerava.

Ela é um ano mais nova do que eu. A gloriosa caçulinha, que todo mundo paparica. Em um aniversário, ganhei um carrinho lindo, daqueles de fricção, que, na época, eram de metal, reluzentes, mas frágeis. Ela queria brincar com meu carrinho novo. É evidente que neguei. Carrinho novo de aniversário não se empresta, ora bolas! Ela insistiu. Continuei negando. Insistiu de novo. Nem liguei. Pois não é que ela tirou o carrinho das minhas mãos e, pimba!, meteu na minha cabeça. Foi ação rápida, certeira e definitiva. E o carrinho novo virou quinze. Tinha que se transformar em psicóloga, mesmo!

Mas quando crescemos, eu dei o troco. Ah, como dei! Por uma série de imprevistos curriculares (isso a gente não conta em público), repeti de ano duas vezes. Elas por elas, acabei ficando, tempos depois, na mesma classe da Mónica. Ela se esfalfava estudando. E eu só lá, na flauta. Ela estudando e eu gazeteando. Chegava nas provas e era aquele banho. Ela vinha com sofríveis setes, seis (até cincos, mas ela nega de pé junto que tenha tirado notas tão baixas) e eu flanava com média acima de oito. Hehe. Quebrei vários carrinhos virtuais na cabeça dela.

Já não dividimos a mesma parede. Constituímos famílias, construímos carreiras profissionais diferentes e seguimos nossos caminhos. Mal nos conversamos por conta do dia-a-dia insano das grandes cidades. Mas me tranquiliza a simples lembrança do sorriso maroto da Mó menina, comemorando a conquista no beliche do quarto ao lado. Porque, quando a falta de contato tornar-se um problema, tenho a certeza que a gente encontra um jeito de cavar um buraco na parede.

Maurício Cintrão
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