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cronicas-->A reunião e a viagem -- 08/06/2004 - 16:06 (Roberto Cursino de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A reunião e a viagem
Roberto Cursino de Moura
11/05/2004

Na escola, a reunião pais e mestres corria tão enfadonha que o pai se permitiu o luxo de viajar. Enquanto a rabugenta diretora falava, cerrou os olhos e mergulhou no passado. Apesar de não ter sido nenhum santo na adolescência, também não fora muito encapetado. As lembranças vinham-lhe à mente sem nenhuma ordem cronológica, apenas pipocavam espontaneamente em seu cérebro, causando uma certa sensação de bem-estar. Boa praça, era amigo tanto dos melhores alunos quanto dos mais bagunceiros. Às vezes entrava numa ou noutra brincadeira menos amena, como por exemplo, espirrar uma solução de ácido sulfúrico no paletó do diretor da escola apenas para vingar-se uma suspensão que levara "injustamente".

Sua saudosa mãe detestava quando no curso colegial ele fazia algum trabalho sobre maconha e alucinógenos (leia-se LSD) e levava algum "iniciado" para entrevistar em casa. Mas na escola a apresentação do trabalho era o maior sucesso. Falava de temas que para os jovens eram verdadeiros tabus, como por exemplo, angústia e depressão. Provocava discussões acaloradas em classe. Tudo era improvisado, não havia Internet e máquina de escrever era um luxo a que muito poucos tinham acesso. Os trabalhos eram em geral manuscritos sobre papel almaço e recortados de revistas e jornais, que depois eram colados sobre cartolinas. De repente, viajou mais longe no tempo e lembrou-se da sua primeira professora, dona Noêmia, já que naquela época as professoras eram donas e não tias. Lembrou-se do aborrecimento de sentar-se de calças curtas em carteiras duplas e roçar a perna direita na perna esquerda de Teodoro, seu companheiro de carteira. Lembrou-se das gravuras coloridas, geralmente com paisagens rurais e bucólicas, cheias de crianças de bochechas vermelhas, com caras de tiroleses idiotas, que as professoras prendiam na parede e depois davam o trabalho de Composição à Vista de Uma Gravura. Lembrou-se de quando esteve doente com sarampo, e a dona Chiquita, professora do segundo ano foi visitá-lo em casa e o encontrou plantando bananeiras na cama. Quase morreu de vergonha.

A um tom de voz mais alto da diretora, desligou-se daqueles tempos mais antigos e avançou alguns anos, até o ginásio. Até os doze, nunca repetira de ano, mas aos treze, com o corpo em contínua mudança, agitado pelos altos índices de testosterona, levou a primeira bomba. Começaram os primeiros amores e - graças a Deus! - a classe passou de masculina para mista. Foi nessa época que conheceu o verdadeiro significado da fábula A raposa e as uvas, pois, apaixonado pelas mais lindas garotas, e sem coragem de declarar-se, decidia por escolher outra e outra, sem nunca ter nenhuma. O máximo permitido era pegar na mão e um beijinho no rosto. Mas a solidão tinha compensações. Todos os dias dormia com umas e banhava-se com outras. Como era bom!

Não faltou quem lhe oferecesse maconha, porém só muito mais tarde, já adulto experimentou pela primeira e última vez. Uma droga! Só cometeu a burrice de fumar (dos comerciais) aos 18 anos. Já uma cervejinha e uma caipirinha foram apreciadas razoavelmente cedo. Não que fosse alcoólatra, pois nem tinha idade para isso, mas muitas vezes, em grupos, subia pelo muro da escola, do muro ao telhado e do telhado ao muro externo, ganhando a rua. Para quê? Só para ter o prazer de sentir-se homem, dono das suas atitudes, gastar uns trocados no Bar Dois de Janeiro (o que se comemora a dois de janeiro?) onde um velho português bigodudo, apesar de dizer que todos eram ainda muito crianças, vendia aos garotos cerveja e espremidinhas. Era uma fuga de quinze minutos, durante o recreio, depois voltava para a aula.

O pai que estava sentado na carteira da frente tirou-o destes pensamentos para que ele assinasse a lista de presença em frente ao nome do seu filho. Cumprida a formalidade, continuou a viagem. Onde estava? Ah! no velho português, que voltou a encontrar muitos anos mais tarde, já casado, quando em viagem por um cidade vizinha. O português não o reconheceu, pois já não era um ginasiano fugido da escola. Onde os seus amigos? Onde suas amigas? Onde as brincadeiras dançantes promovidas quase todos os finais de semana, regadas a cerveja e cuba libre? Provavelvente em chatérrimas reuniões de pais em outras escolas, na condição de pais, professores ou diretores! Por isso, pensava, não podia ter envelhecido. Por isso ria dos pequenos delitos dos alunos daquela sala, que agora os professores estavam dedurando aos pais.

Melhor lembrar da Fátima, morena linda por quem esteve apaixonado por muitos meses, e que depois foi trocada pela Rita, aquela loirinha sardenta, mas engraçadinha, da primeira fileira. Melhor lembrar de umas fotos roubadas do irmão mais velho, recortadas de uma revista francesa, estampando mulheres nuas, de costas, mostrando belas colunas abaixo dos glúteos, e apenas com o rosto virado para o fotógrafo. Uma delas era sósia na professora de francês, dona Heloísa, uma grande turca que inflamava a imaginação dos meninos. Seria mesmo apenas uma sósia? Coincidência a revista ser uma revista francesa. Teria dona Heloísa morado na França em alguma época de sua vida? Que importa isto agora, dona Heloísa já deve estar morta, ou, se estiver viva, estará beirando os noventa anos. Lembrou-se de quando combinou com outros colegas para levaram espelhinhos para a escola e quando dona Heloísa estivesse debruçada na carteira do vizinho para corrigir um exercício ou tirar alguma dúvida, pudessem esticar a mão sob a saia da professora apenas para ver sua calcinha. E do dia em que o Joaquim levou um peido-de-velha, aquele barbantinho fedido quando queima e soltou no porão da escola, bem debaixo da sala de aula. A professora teve que evacuar a sala e todos os alunos foram parar na Diretoria!

Agora a coordenadora pedagógica já estava distribuindo os boletins aos pais e encerrando a reunião. Pegou o do seu filho, deu uma rápida olhada nas notas e nas faltas anotadas e pensou: "Melhor que eu!", e feliz deixou a sala.

rcursinomoura@yahoo.com.br
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