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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->A MÁQUINA DO BEM E DO MAL -- 17/08/2002 - 21:15 (COELHO DE MORAES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A MÁQUINA DO BEM E DO MAL
- Rodolfo Walsh -
personagens: o Magrela; o Narrador atuante; duas velhinhas: Dona Rosária e Dona Carmela e a Moreninha.


CENA 1
( Uma Oficina de Carros. Narrador trabalha nas máquinas ).
Narrador: Não andem dizendo que conheceram o Magrela por que a mim me consta que não. Ele estava por aqui e, quando se deu o golpe militar o escondi um tempo em minha casa. Agora estão buscando o Magrela até no Brasil. ( pausa ) Ele vivia com sua madrinha... Uma velhinha carola que lhe pagava os livros pois ele sempre se fizera de estudante.
Narrador: O que é que vc estuda?
Magrela ( meio displicente ): Esquenta não! São coisas. Saber e tecnologia... por aí... O importante é saber fazer as contas... o resto.
Narrador: Magrela, vc nunca trabalhou... nem para o próximo.
( Pausa ).
Magrela: Conheci uma garota.
Narrador: Garota! Vc consegue cada namorada que até dá medo.
Magrela: Não! É verdade. Estou apaixonadíssimo... ela também. ( pausa ) Agora...
Narrador: Pronto! Agora o que?
Magrela:! ( um movimento de mãos como quem diz: preciso de uns ).
Narrador: Lá se vão alguns mangos – ( e saca do bolso o dinheiro ) – quem é?
Magrela: Acho que vc não conhece.
Narrador: Fala.
Magrela: É aquela Moreninha....
Narrador: Magrela! Aquela mulher é mais rodada que lebre do mato. Maria vassourinha... Maria gasolina... apelido é que não falta! Tá maluco?
Magrela: Fiz até uns versos para ela.
Narrador: Me poupe! Meu dia está ótimo.
Magrela ( retirando uns papéis do bolso do paletó ): Meu amor, morenita! Sou louco por ti. Quero amar e poder te beijar! De mãos dadas pela praça passear. Juro por aquele que está na Cruz! Juntos, pela ruas, pelas praças, para sempre, passear a pé ou de ônibus ( nota: acento no ní ).
Narrador: Que coisa horrível! Sai daqui, Magrela, já conseguiu os mangos.

CENA 2
( O Magrela com a Moreninha, pelos bares, passeios, dança, cena em restaurante, como se fosse a se comprar jóias e ela aproveitando. Namoricos. Algumas tomadas dele pedindo dinheiro para pessoas e indo ao encontra da mulher ).

CENA 3
( Narrador a trabalhar. O Magrela passa na frente da oficina e retorna. Entra e vistoria alguns motores e máquinas, com ares de entendido ).
Narrador: Que foi, Magrela.
Magrela: Estou curioso com esses motores.
Narrador: Sei... sei. Fica sabendo que não tem mais mango algum. Chega de dinheiro.
Magrela: Estou só curioso (e continuava a olhar com ares doutorais, tocava um e outro motor, com cuidado para não sujar as mãos. O narrador só observando ). Hoje de manhã me despertou o amor pela mecânica nacional e popular.
Narrador: Para com isso, Magrela ( enquanto ele olha os motores o narrador se dirige ao público ). Eram motorzinhos velhos que eu comprava por aí. Com a carcaça de um e as bielas de outros eu armava cada mula de rodas que não te conto ( dá uma observada no Magrela ).
Narrador: Que tal esse! Leve como uma pluma. Dá até para parar com a mãos.
Magrela: Não sei, não! É muito lindo, mas, vc não terá outro maior, mais vistoso.
Narrador: Vá cagar, Magrela!
Magrela: Não! É sério. Mostra aquele ( aponta ). Faz barulho?
Narrador: Silencioso. Grande e tranqüilo.
Magrela: Então, não interessa. E se vc juntasse os dois. O barulhento e o silencioso e fizesse um terceiro com meio termo e tudo mais...?
Narrador: Ah! Velho. Vai te catar! Taim is moni.
( O Magrela o agarra e começa a chorar, aflito )
Magrela: A moreninha... o dinheiro, preciso de dinheiro... ela é tudo o que tenho ( tirando a madrinha )... estou desesperado, não vê? Do jeito que a coisa vai eu me atiro debaixo de um carro...
Narrador: Tá bom! Tá bom! Podemos fazer. Mas para que vc quer isso, Magrela? Vai vender a peça, por acaso?
Magrela: Minha madrinha... há mais de vinte cinco anos ela guarda dinheiro.
Narrador: Olha lá que ela te quer como a um filho.
Magrela: Isso me parte o coração mas... eu preciso da grana por alguns dias ( displicente, olhando para o lado ). Depois eu devolvo. Olha bem. Ela guarda dinheiro há vinte cinco anos para fazer construir uma tal Máquina do Bem e do Mal.
( Narrador para a platéia ).
Narrador: Sempre me achei um artista. E quando o Magrela falou aquilo eu fui tocado por uma inspiração ( contempla ). Claro que eu saberia construir a Máquina do Bem e do Mal. A cada manhã me ocorriam novas idéias. Uma inspiração divina que me agarrava e me dizia: -- “Põe essa válvula aqui... essa mangueirinha para lá... cuidado com os pistons e velas..”, -- e de noite eu não podia dormir pensando na Máquina. O que mais me preocupava era esse assunto de Bem e Mal. Bem e Mal não são a mesma coisa?

CENA 4
( A Frente da oficina Magrela entrando na Oficina, esfregando as mãos )
Magrela: E então? Como vai nossa pequena obra?
Narrador: Aqui está.
Magrela: Hum! Muito bom? Qual é o lado do Mal? Põe um apito aí para que a madrinha saiba que não deve ficar abusando desse lado.
Narrador: Do lado de cá eu coloquei florzinhas. Quando giram elas soltam uma brisa perfumada. É o lado do Bem.
( Magrela estava admirado ).
Narrador: Não sei! Não sei! Estou em dúvidas! Acho que vou destruir essa Máquina fajuta...
Magrela: Nada disso ( desesperado ) nada disso! Fará bem à minha madrinha... depois... o dinheiro, dividiremos.. eu tomarei conta da moreninha .. ela gostará de mim mais ainda... com dinheiro e tal... aquele corpo de morena... ui...
Narrador: Está bem! Está bem? Fifiti-fifiti. Nada menos! Amanhã estará pronta!
Magrela: Trinta por cento!
Narrador: Nada disso! Quebro tudo agora!
Magrela: Quarenta! Quarenta! ( o Narrador levanta o braço para descer a chave de ferro na Máquina ) . Cinqüenta! Fifiti-Fifiti.

CENA 5
( Narrador em frente a casa da madrinha, com a Máquina. Toca a campainha ).
Magrela ( fingindo ) : Que deseja?
Narrador: Como “O que deseja”?
( Magrela faz sinal para dar continuidade à conversa. Narrador entende que o Magrela quer fazer cena. Olha entediado para a câmera ).
Narrador: Quero falar com a senhora dona da casa.
Magrela: Qual o assunto?
( Desânimo do Narrador. discussão muda e cômica ).
Narrador: Trouxe aqui uma Máquina que interessa a ela.
Magrela: Ah! O senhor é o tal homem da Máquina. Vamos subir. ( entram na sala ). Fique à vontade. Vou chamar a madrinha. ( O Narrador se senta e espera um tanto, vendo a residência e os móveis. Olha pra o corredor e acaba vendo o Magrela sentado em uma mesa a ler com muita atenção a Bíblia, levemente cínico. Narrador cerra os dentes como a xingar. Pelo outro lado entra Dona Rosário ).
Rosário: Oh! Que maravilha! ( Vem e beija as mãos do Narrador que quer cumprimentá-la. Ela chora de contentamento. ) Filho! Vem ver a santa obra que temos aqui. ( O Magrela põe a cabeça, entediado, pelo cortinado do corredor ).
Magrela: Ela funciona, por acaso? ( e sai ).
Narrador: Claro! Claro ( sarcástico ) filho! ( coloca a Máquina sobre mesa para demonstrar ). Atenção, senhora, muita atenção! À sua esquerda é o Mal. Ao ligar a Máquina, quando a senhora ouvir o apito, pare. ( Ele a liga ). Pense na pessoa em questão... não mais do que cinco segundos, senão a fulminará. ( O apito. Ele a desliga ). Fique de olho! Faça o bem, senhora! Faça o bem! O Bem, que é aqui à sua direita. ( Ele a liga, todo sorridente. A madrinha sente o perfume das flores. Se ajoelha em frente da Máquina, começa a orar, balbucia salmos. Imediatamente ela se levanta e corre ao quarto, voltando de lá com dinheiro. Ela entrega o dinheiro ao Narrador e beija suas mãos. É um custo a despedida. Lá fora, perto da escada encontra o Magrela ).
Magrela: E aí? Tudo em cima?
( Barulho de porta se abrindo. Uma outra senhora sobe as escadas. Eles a olham ).
Magrela: Ali adiante. Dona Carmela.
( Narrador para a platéia ).
Narrador: Não sei porque mas, instintivamente, eu bati na madeira e fiz uma figa. ( Ele assim executa e olha para a mulher que ao passar o olha, também. Depois que ela passa o Magrela começa a rir ).
Narrador: Vc está rindo de que?
Magrela: As duas velhas se detestam, por isso se visitam. Essa dona Carmela é uma bruxa e pratica o mal dos olhos. Mau-olhado, vc sabe. ( Imediatamente se põe sério ). Vamos lá. Passa o dinheiro.
Narrador: Você é um Judas, Magrela. Isto não se faz. ( Enquanto reparte o dinheiro ) Um pra você, Outro para mim! Canalha! Tremendo cara de pau! Outro para você... ( as mulheres começa a falar na casa e lhes chama a atenção. Elas riem... Os dois riem. Magrela faz um sinal de espera ao Narrador e pega lá dentro uma garrafa e prepara um brinde. Começa a rir exageradamente que não para. O Narrador ri, também, mas demora mais. Ouve-se que as velhas se despedem. Dona Carmela desce e na ponta da escada fica a olhar os dois, como um ratinho. O Narrador dá uma cotovelada no Magrela para ele parar de rir, mas parece que piora. Dá de ombros, o Narrador, como se desculpasse com a senhora. O Magrela não para de rir. [Closes] Ela com aquele olhinho. O Narrador a olha. Ela se prepara para um passo. O Narrador a olha. O pé de Dona Carmela. O Narrador olha o pé. O barulho da Máquina sendo ligada. O Magrela percebe também e para um pouco com as risas. Dona Carmela olha para os dois. O tapete dobrado e o pé. O Narrador percebe a armadilha. O barulho da Máquina fica maior. O pé fica envolvido pelo tapete. O apito alto e bom som. O Narrador faz menção de se mover para a mulher como se fosse ajudá-la. Ela olha na direção do apito. O Narrador entreabre a boca. Ela desaba pela escada abaixo. Enquanto o Narrador desce para ajudar a mulher, que está estropiada, o Magrela não para de rir. O Narrador se aproxima e tenta levantar a mulher que grita de dores. O Narrador fala para o público, olhando para o alto da escada ).
Narrador: Agora me digam se não é uma falta de sorte. Ter inventado a Máquina do Bem e do Mal e nem me dar conta disso. Nunca mais me veio a inspiração:-- “Coloca a biela lá... a mangueirinha cá...( enquanto pessoas ajudam a velha e livram o Narrador de segurá-la ). Digam vocês, se com uma Máquina dessas eu não estaria cheio de dinheiro e se por acaso eu ainda teria alguma necessidade de estar aquí falando com vocês. ( Fade out ).

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