Hoje eu vi um homem sentado
Como se estivesse num trono
Com as coisas do mundo
Ao alcance de suas mãos
Para o que quisesse
Bastava buscar em seus bolsos
E saia dez, vinte, cinqüenta, cem reais
Lembrei de minha casa
Minha comida, quando tinha
Minhas roupas batidas
E meus calçados furados
Me voltou o drama do coletivo
A fila do hospital público
E o salário pequeno atrasado
Este contraste, meu e do homem
Me fez sentir profundamente atraído
A ser burguês...
Assim, sem vocação, a qualquer custo
Só para encher minha carteira
Rodear meu pescoço de correntes
Meus braços com pulseiras
Comprar um carrão, um celular
Amantes bonitas e desonestas
Fiquei seriamente inclinado
A embrenhar-me por estes caminhos
Daí, eis que para minha sorte
Surge uma criança
Vinha de uma escola cara
E perguntou ao homem:
_ Vô, quem foi Manuel Bandeira?
O velho arregalou os olhos, procurou no fundo da memória...
Respondeu:
_ Foi alguém importante. Acho que foi um cantor. Sim, foi um cantor... Não sei direito, nunca tive tempo pra esse negócio de poesia
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