I
ontem vi um homem sentado numa calçada discreta,
parecia não querer nada da vida,
ele, sem disfarçar a alegria,
começou a pedir esmolas.;
das tantas desatenções,
a única que o magoou foi quando
uma criança, ao sair do carro importado,
gritou-lhe a plenos pulmões:
“vai te fuder, seu verme!”
os dias são maus até para os mendigos...
II
era assim que eu te via:
amiga, discreta e doce.
mas, no decurso das horas,
fui descobrindo que os interesses
de cada um às vezes despreza a amizade.
ficou pra trás o tempo em que, à beira-mar,
eu e você, minha antiga companheira,
compartilhávamos nenhuma certeza
e todas as dúvidas que há no mundo.
III
somos o verso daquilo que é sagrado
por isso sentimentos profanos nos perturbam,
ontem, por exemplo, quis rasgar teu corpo
com minha língua para deixar-te morta de prazer.
IV
só nas flores há ternura
só nos ventos há romance
pois no olhar da despedida
resta a dor que sempre dura.
V
que seja o mar em sua revolta
o símbolo daquilo que sonhamos:
juventude que transgride as normas
e salta os graus da intolerância.
que seja o céu de inquietude
a marca de mentes que desbravam
o tempo e a vida em suas regras,
quando tudo quer ser claro e nítido
que as ruas em sua turbulência
sejam o reflexo de jovens sem destino
e o eco das vozes dos que cansam
na dura luta contra a tirania.
que venham a ser os meus amigos,
os mesmos com quem brindei a vida,
pessoas de quem o mundo se orgulhe,
não por sua honra, pela rebeldia e só!
VI
quando eu morrer, o mundo nada perderá,
e as lágrimas que por mim se derramarem
serão inúteis sementes para um solo impenetrável.
nem mesmo as palavras que sofridamente forjo,
e os gritos que minha loucura sufoca,
saberão da glória ou do escárnio
que a mim um dia chegará.
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