UM CERTO ADEUS NO OLHAR
Maria José Limeira
Meio da noite, no escuro da calçada,
vulto assombra estrelas brilhantes,
como se fosse último ato de amantes.
Anda meio trôpego, um tanto bêbado,
lado torto, olho aceso e outro meio cego,
como toda dor do mundo que carrego.
Esse vago ser enche a escuridão
com sua lentidão que exala
o mais fétido horror no meio da sala.
Mas não fala, para sempre sozinho,
na vastidão do mundo, sem carinho,
e no sofrimento mais profundo.
Ser noctívago, enfrenta o perigo
da vida atroz, sem amigo,
na dor pública que a noite esconde.
De onde vem e para onde vai?
Por que está triste?
Pra que existe?
Perguntas que ninguém responde.
Que não se quer saber,
antes do dia amanhecer.
E lá vem ele ao meu encontro.
Posso sentir de pronto
que me abordará na esquina.
Sem tempo mais para fugir,
queria sair, urgente era partir.
Mas só posso encontar-me à parede.
O vulto se aproxima e me desanima.
Chega perto de mim e me encara.
Seu bafo exala em minha cara...
Assim tão próximo, eu o reconheço,
mesmo que seu rosto seja avesso.
E vejo nele o que não deveria.
Há um certo adeus em seu olhar.
Como se estivesse afim de embarcar
no navio que a morte lhe prometeu.
Esse vulto vago e hediondo sou eu... |