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Poesias-->SETENTA ANOS -- 03/09/2006 - 21:39 (Délcio Vieira Salomon) |
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SETENTA ANOS
a estranha feli(z)(c)idade da velhice
Délcio Vieira Salomon
Fazer 70 anos não é simples.
A vida exige, para o conseguirmos,
perdas e perdas no íntimo do ser,
como, em volta do ser, mil outras perdas.
..........................
À sombra dos 70 anos, dois mineiros
em silêncio se abraçam, conferindo
a estranha felicidade da velhice.
(Carlos Drummond de Andrade)
Setenta anos
faço hoje...quem diria!?
Sim, estou a postos
para mais esta “exigência da vida”.
Sinceramente me sinto
como noviço deslumbrado
ao estar admitido
na confraria da provecta idade.
Concordo com Drummond
(quem concordar não há de?!...):
confiro hoje em mim
a estranha feli(z)(c)idade
da velhice.
Olho no espelho
vejo meu rosto
mais uma vez diferente
estampando a mesmice de mim.
Parece até da vida
mais um imposto
no vidro posto
a ser lembrado
como saldo devedor!...
Vejo que até hoje
ainda não paguei
a infância truncada
a juventude que se foi
e a maturidade que mal
comecei a usufruir.
A luz bate sobre
a imagem refletida
e sobre o presente
o passado reproduz.
Quanta lembrança
de dias idos e vividos
nas dobras do destino escondidos
ou guardados
nos arcanos da saudade!
Setenta anos
parecem setenta dias...
Repetirei o lugar comum:
passaram depressa
não me dei conta.
Mas também
por que tanta pressa,
se meu tempo
nunca teve onde chegar?
Recordações constantes
em imagens transformadas.
Até parece a superação
do eterno conflito
do que foi contra o que é
num jogo de perde / ganha
visando a arrebatar o louro
do que ainda resta de porvir.
Nesta luta íntima
me surpreendo
com muito apego
ao aqui / agora
- ponto da tessitura
do universo
cantado
em prosa e verso.
Setenta anos
não há segredo
neste mister...
Afinal não é receita
de cura ou de culinária
para se avinhar...
Embora para tal feito
precisei cozinhar
muita dor
muita espera
muita ilusão
sobretudo
irrecuperáveis
perdas.
Algumas apenas
“envolveram meu ser”
outras qual lâmina
o penetraram
até a alma sangrar.
Mas... no fundo: golpes
a preencher vazios
desta longa trajetória
espácio-temporal.
Setenta anos!
Quebro o silêncio mineiro
para comemorá-los
com a alegria
de quem se apresenta
à festa que se faz.
Rendo homenagem
à Vida
( sim!. valeu ter vivido)
ao Amor
(síntese de todos os que tive e tenho)
à Paz
(sempre procurada e sempre alcançada)
à Amizade
(móvel e motivo de aqui juntos estarmos)
particularmente
à perene continuidade da Presença
herdada e transmitida
aos filhos e aos netos
com fé em sua perpetuidade.
É privilégio
completar
setenta anos
- como negá-lo?
Afinal o faço
com permissão
do próprio fluir do Tempo
e com a gratidão
de devedor
entre credores queridos
a sacramentar
numa roda de corações
mistérios à Idade reservados.
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